Economia

A "nova CPMF" é uma boa ideia? Veja os argumentos a favor e contra

Imposto sobre transações financeiras é uma das principais polêmicas no debate da reforma tributária. Veja o que dizem defensores e críticos

Pagamento de impostos: governo defende substituir a contribuição previdenciária em folha por um imposto sobre transações financeiras (Image Source/Getty Images)

Pagamento de impostos: governo defende substituir a contribuição previdenciária em folha por um imposto sobre transações financeiras (Image Source/Getty Images)

Ligia Tuon

Ligia Tuon

Publicado em 27 de agosto de 2019 às 06h00.

Última atualização em 27 de agosto de 2019 às 09h27.

São Paulo - Com a reforma da Previdência bem encaminhada, as atenções têm se voltado para a reforma tributária e para uma pergunta: o Brasil deve criar um imposto sobre transações financeiras?

A ideia do governo, que evoca a extinta CPMF, é defendida pelo secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, e por um grupo de empresários, mas sofre resistência de políticos e economistas.

O Congresso já tem uma proposta em andamento: é a PEC 45, que tem apoio do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, criaria um imposto sobre valor agregado (IVA) que substituiria os impostos federais e também os estaduais ICMS e ISS.

Já o governo federal promete apresentar nas próximas semanas uma proposta própria que também criaria um imposto sobre valor agregado, mas apenas em nível federal, além de propor mudanças no imposto de renda de empresas e cidadãos e criar a tal nova CPMF.

Esse novo imposto incidiria sobre todas as transações financeiras, substituindo a contribuição previdenciária que hoje incide sobre a folha de pagamento do trabalhador registrado.

“(Esse imposto) tem uma capacidade de tributação muito rápida e muito intensa. Ele põe dinheiro no caixa rápido, e se ele for baixinho ele não distorce tanto”, afirmou o ministro da Economia, Paulo Guedes, na semana passada.

EXAME convidou um defensor e um crítico do imposto para escrever um artigo. Veja a seguir:

Por um imposto sobre transações financeiras

Flavio Rocha, dono da Riachuelo e fundador do movimento Brasil 200

Numa de suas famosas tiradas, Benjamin Franklin escreveu no século XVIII: “Nada é mais certo neste mundo do que a morte e os impostos”.

Aplicada ao Brasil do século XXI, no entanto, a frase de um dos mais brilhantes pais fundadores dos Estados Unidos estaria certa pela metade. Aqui, a economia informal – equivalente a cerca de 40% do PIB – deixa um exército de contribuintes em potencial ao largo do sistema tributário.

A boa notícia é que se trata de um problema de solução simples. Bastaria a adoção, no bojo da reforma tributária, de um imposto sobre transações financeiras que substituísse os impostos mais burocráticos e ineficientes, como ICM, PIS e Cofins.

Por ter base universal, esse imposto poderia ter uma alíquota baixíssima. A comparação não deixa dúvida: enquanto a base arrecadação de um imposto sobre valor agregado (IVA) gira em torno de R$ 2 trilhões, a de um imposto sobre pagamentos é de R$ 1,4 quatrilhão.

Dessa maneira, se todos pagassem, todos poderiam pagar menos, sem sobrecarregar ainda mais a parcela da sociedade que hoje contribui. Os três pilares tributários – impostos sobre consumo, renda e patrimônio – já estão exauridos: qualquer aumento de alíquota teria efeito negativo sobre a arrecadação, com aumento da sonegação. 

Ora, o imposto sobre transações financeiras é insonegável por natureza. Não é uma vantagem pequena, quando se pensa que a sonegação no Brasil é da ordem de R$ 400 bilhões, ou seja, quase a metade do que o governo espera economizar em dez anos com a reforma da Previdência.

Tecnicamente, a mudança seria simples. Os bancos brasileiros, entre os mais modernos do mundo em tecnologia, já estão aparelhados para fazer o recolhimento. A cada impulso eletrônico, a dedução seria automática. Por isso, por não ser declaratório, esse imposto dispensaria grande parte da burocrática máquina da Receita Federal.

A alternativa do IVA, por outro lado, seria desastrosa. Esse imposto não apenas não alcança a informalidade como é socialmente injusto, devido ao dogma da alíquota flat e ao fato de ser cobrado no destino, a ponta mais vulnerável de qualquer cadeia produtiva.  

Além disso, não faz mais sentido aplicar a lógica do passado, dos tempos de economia linear, num mundo dominado pelas transações eletrônicas. Rastrear e taxar deslocamentos físicos de mercadorias é algo que cada vez mais pertence a tempos remotos. Hoje os produtos se desmaterializam e se tornam invisíveis à fiscalização.

O Brasil está pronto para dar esse passo fundamental e garantir um crescimento substancial e sustentável. É preciso apenas vontade política para se quebrar o paradigma da tributação.

Se o Congresso tiver a ousadia e o bom senso que dele se espera, a máxima de Benjamin Franklin volta a valer no Brasil – para o bem de todos nós.


Uma proposta simplista

Breno Ferreira Martins Vasconcelos, pesquisador e professor da FGV Direito SP, pesquisador do Insper e sócio do Mannrich e Vasconcelos Advogados.  

Breno Ferreira Martins Vasconcelos

Defensores do imposto sobre transações financeiras alegam que a solução para a tributação no Brasil é simples. Ele substituiria diversos tributos complexos e custosos, ampliaria a base de contribuintes, seria insonegável, por ter arrecadação via sistema financeiro, e, como consequência, poderia ter uma alíquota baixa. 

Dito assim, parece uma boa ideia. A proposta parte do diagnóstico certo: o Brasil é campeão de complexidade tributária, segundo duas universidades alemãs, e está em 184º lugar, entre 190 países, no ranking do Banco Mundial que mede a dificuldade para pagar impostos.  

A proposta, porém, briga contra todas as evidências. Para explicar, imaginemos o Brasil em 2020, com um imposto moderno no nome, a e-CPMF.  

Como para reduzir carga tributária é preciso uma reforma nos gastos, e não nas receitas, o Estado continuará tendo que arrecadar cerca de 34% do PIB. Recém-implantada, a e-CPMF aumentará a arrecadação. Pouco depois, empresas e famílias aprenderão a evitá-la, se não sempre, o máximo possível.

As possibilidades são muitas: cheques com sucessivos endossos, uso de papel moeda, verticalização dos grupos empresariais, migração de operações para o exterior e, como estamos na era da tecnologia, não tardará a ser criado aplicativo para reunir credores e devedores em uma câmara de compensações, com o pagamento final apenas sobre a diferença. 

A queda da arrecadação forçará o governo a elevar a alíquota da e-CPMF, penalizando ainda mais o assalariado e o pobre, que não conseguirão escapar de sua incidência, ou a criar novos tributos, voltando ao problema original. 

O crédito ficará mais caro, investimentos mais raros. Cumulativo ao longo da cadeia produtiva, ou seja, incidindo sobre ele mesmo em cada nova etapa, sua alíquota baixa será apenas uma ilusão: a alíquota real será maior quanto mais longa for a cadeia.

Também pela sua cumulatividade, será impossível retirar o tributo do preço para exportarmos somente produtos, diminuindo a competitividade da indústria brasileira no mercado global.  

Todas essas consequências foram colhidas na literatura econômica. Decorrem de método científico, observações empíricas e ferramentas matemáticas para medir os efeitos de impostos sobre transações financeiras.  

Não deve ser à toa que, entre todos os países do mundo, esse tributo é adotado com fins arrecadatórios apenas na Venezuela, um país tristemente em frangalhos. 

Adam Smith, referência teórica do liberalismo econômico, disse que um dos princípios da tributação é o de que o indivíduo contribua para a manutenção do Estado na proporção de sua capacidade econômica.  

A CPMF falha duplamente no teste de Smith: incide sobre fato que não representa necessariamente uma capacidade econômica e, por ser regressiva, impõe ônus desproporcional aos mais pobres. 

Não existe solução fácil para nossos problemas, mas certamente existem respostas erradas. A CPMF é uma delas. 

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