Thiago ao lado do pai José: "Inflação alta é coisa do passado", diz o jovem de 17 anos (Luís Artur Nogueira/EXAME.com)
Redação Exame
Publicado em 1 de julho de 2011 às 07h00.
Última atualização em 14 de junho de 2024 às 17h37.
São Paulo – No dia 1º de julho de 1994, uma sexta-feira, os brasileiros viviam mais uma vez a “aventura” de trocar de moeda. As experiências anteriores, com o objetivo de acabar com a inflação, foram traumáticas. Por que desta vez seria diferente? O Real surgia em meio a uma enorme desconfiança. Na manhã daquele mesmo dia, no município de Suzano (SP), uma família tinha sua atenção voltada para outro assunto. Márcia de Oliveira Rios, que estava grávida de 9 meses, foi ao hospital por volta das 11 horas para o nascimento de Thiago Oliveira Santos.
Estudante do último ano do Ensino Médio do curso noturno do Colégio São Luís, que fica na avenida Paulista e é um dos mais tradicionais de São Paulo, Thiago só percebeu a coincidência da data em 2010. “A minha ficha caiu no ano passado. Eu estava conversando com amigos e me dei conta de que tinha nascido no mesmo dia do Plano Real. ‘Nossa, como sou importante’, brinquei com eles.”
Thiago faz parte de uma geração de brasileiros que desconhece, na prática, a hiperinflação. Para ele, não faz sentido correr para o supermercado e fazer compras enormes. Máquina de remarcar preços? O que é isso? “Inflação alta, para mim, realmente é uma coisa do passado. Não faz parte da minha vida. Imagino um campo de guerra com as pessoas disputando os produtos antes de serem atingidos pelas máquinas de remarcar preços”, diz.
Aos 6 anos, ele teve a primeira experiência com uma cédula de real. “Eu me lembro de ir comprar pão na padaria e ter medo de o vendedor me dar o troco errado. Eu paguei com uma nota de um real e recebi moedas.” Ainda na infância, arrumou um cofrinho para poupar as moedinhas, que, segundo ele, “valem dinheiro”.
Thiago já teve contato com várias cédulas antigas do Brasil graças a uma coleção do seu pai, José Mário Bispos dos Santos. “Eu nunca entendi porque elas tinham tantos zeros”, conta o jovem, que está em dúvida entre prestar vestibular para química, engenharia química ou contabilidade, a profissão do pai.
O contador Santos, que se tornou pai aos 26 anos, descreve o dia 1º de julho como uma data inesquecível. Embora o coração estivesse 100% focado naquele bebezinho que acabara de nascer, ele arrumou tempo para assistir ao Jornal Nacional, da TV Globo. “O Plano Real mudou tudo no Brasil. Eu posso planejar minhas compras sem o receio de o preço mudar rapidamente”, diz ele, que antes do Real não poupava porque “não valia a pena”. “A melhor estratégia no período de inflação era comprar logo, sem perder tempo. Hoje, eu guardo o meu dinheiro na poupança, que paga pouco, mas é um lugar seguro.”
“Tucano de carteirinha”, o pai de Thiago votou em José Serra na última eleição presidencial. Embora reconheça os méritos do ex-presidente de Lula - que “não mexeu no que estava dando certo” -, Santos atribui as glórias da estabilidade econômica a Fernando Henrique Cardoso, o “pai do Plano Real”. Thiago, que tinha 16 anos, preferiu não tirar o título de eleitor para votar em 2010. “Não me sentia preparado para definir o futuro do Brasil. Além disso, eu acompanho o horário eleitoral gratuito desde os 12 anos e nunca gostei do que é dito lá.”
A alta recente da inflação, principal fonte de preocupação para a equipe econômica do governo Dilma, já é sentida no bolso da família. “(A inflação) Está corroendo o meu poder de compra”, diz Santos, que, ao lado do filho, foi instado por EXAME.com a lembrar de produtos ou serviços que tiveram forte reajuste e de outros que não sofreram muita oscilação nos últimos meses.
O filho menciona o barbeiro, que “subiu bastante”. “Em 2006, eu pagava cinco reais. Hoje custa doze.” Questionado se um aumento desse tamanho em cinco anos não seria razoável, Thiago, que não viveu a hiperinflação, diz categoricamente que não, pois “é o mesmo cabelo para ser cortado.” Já o pai cita os imóveis como exemplo de inflação. “Está tudo muito valorizado.”
Talvez influenciados pelo atual período de inflação em alta, os dois demonstraram dificuldade de citar produtos ou serviços que tiveram pouca variação nos preços. Thiago pensou, pensou, e concluiu: “Não está fácil encontrar algo.” Já o senhor Santos, muito mais calejado quando o assunto é inflação, acha que o pão francês “até que está com o preço estável”.
EXAME.com também quis saber quais produtos ou serviços, na opinião deles, têm preço justo. “Mensalidade escolar”, cita o pai, que conseguiu uma bolsa de 50% de desconto para o filho. “Internet banda larga”, diz o jovem. E algo que tenha preço salgado demais? Para Thiago, o CD original de videogame é muito caro, o que incentiva a pirataria. Já o pai dele, que tem um Siena ano 2010, não se conforma com o valor da gasolina. “Gasto 200 reais por mês apenas para ir de casa para o escritório.”
Thiago ainda não trabalha. Pretende entrar na faculdade e conseguir um estágio no segundo ano. Por enquanto, depende da mesada dos pais e sabe como é difícil conter os gastos nos fins de semana. “Só para sair de casa já gasto dinheiro”, diz o jovem, que utiliza ônibus. “Vou bastante ao cinema só porque pago meia entrada.”
A partir do momento em que tiver o próprio salário, Thiago, que é filho único, pretende ajudar os pais e formar uma poupança. O grande sonho de consumo é ter uma casa própria “para deixar tudo do meu jeito, bem desorganizado”. A pré-condição para sair da casa dos pais é terminar a faculdade, sem necessariamente casar.
Thiago, que não está namorando, vai celebrar o aniversário ao lado da família e de amigos. A partir desta sexta-feira (1º), o jovem inicia uma contagem regressiva de 365 dias para a maioridade, o que lhe permitirá tirar a carteira de motorista e – por que não? – pegar o carro do pai emprestado. “Parece que foi ontem. Faz 17 anos que eu ganhei dois presentes: o Thiago e o Plano Real”, diz o pai.