Economia

México quer lugar da Venezuela como exportador de petróleo

México quer substituir a Venezuela como exportador de petróleo para Cuba e outros países da América Central

TIJUANA, NO MÉXICO: a estratégia é usar o petróleo do país para afastar Cuba da Venezuela e isolar o presidente Nicolás Maduro / David McNew/ Getty Images

TIJUANA, NO MÉXICO: a estratégia é usar o petróleo do país para afastar Cuba da Venezuela e isolar o presidente Nicolás Maduro / David McNew/ Getty Images

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Da Redação

Publicado em 2 de setembro de 2017 às 09h29.

Bogotá O governo mexicano está tentando criar as condições para substituir a Venezuela no fornecimento de petróleo para Cuba e outros países da América Central e do Caribe. De acordo com a empresa americana de análise de cenários Stratfor, o objetivo do México seria ganhar uma carta na manga na renegociação do Tratado de Livre Comércio da América do Norte (Nafta) com o governo de Donald Trump, ao se mostrar capaz de ampliar o isolamento do regime chavista, aumentando o impacto das sanções dos Estados Unidos.

O ministro das Relações Exteriores do México, Luis Videgaray, foi sondar o terreno em Havana, no dia 17. A produção de petróleo da Venezuela já caiu mais de 30% desde 2015, e não há o menor sinal de que essa tendência possa se reverter. A Venezuela passa por uma aguda falta de moeda forte no país, o que impede a compra de equipamentos, levando ao círculo vicioso menos petróleo-menos dólares-menos petróleo-menos dólares.

No dia 25, Trump proibiu os bancos americanos de comprar novos títulos da dívida venezuelana, emitidos tanto pelo Tesouro quanto pela PDVSA, a estatal do petróleo. Segundo analistas como Risa Grais-Targow, do Eurasia Group, a sanção não teria muito impacto porque a Venezuela já estava conseguindo vender seus papéis ao mercado.

O governo americano tem sofrido pressões do setor de energia para não impor sanções contra o petróleo venezuelano, porque isso encareceria o preço do combustível nas bombas. A Venezuela vende 663.000 barris de petróleo por dia aos Estados Unidos, o que representa quase 7% das importações.

O volume vem caindo, mas aos americanos interessaria pressionar a Venezuela sem ter que deixar de comprar seu petróleo, pelo menos por agora. Do lado cubano, seria interessante receber petróleo sem ter de desembolsar metade de suas receitas, ou 1 bilhão de dólares por ano.

A Venezuela tem perdido a capacidade de manter as condições favoráveis que oferecia a Cuba e a outros 13 países da região beneficiados pela Petrocaribe. A estatal foi criada pelo ex-presidente Hugo Chávez na época das vacas gordas (do barril a mais de 100 dólares) para comprar com petróleo o apoio político da vizinhança. Do lado mexicano, no entanto, falta ainda uma engenharia financeira que torne o negócio viável.

A Stratfor especula que se o México substituísse a Venezuela como fornecedor de petróleo para Cuba, o governo cubano perderia com o tempo o incentivo de prover o regime chavista com ajuda de inteligência e assistência militar.

EXAME falou sobre as teses do relatório com especialistas na região, acrescentando uma questão: Brasil e México estavam se aproximando, num reflexo do “abandono” do México pelos Estados Unidos. Se o México conseguir acertar os ponteiros com os norte-americanos, Brasil e México voltarão a seu tradicional distanciamento?

Enrique Bravo-Escobar, ex-diplomata mexicano e especialista em política externa baseado em Washington, lembra que, “com exceção do governo de Vicente Fox (2000-2006), o México tem mantido uma relação boa, e às vezes muito próxima, com Havana desde a revolução cubana (1959)”.

Em contrapartida, tem tido “atritos permanentes” com os governos de Chávez e do atual presidente, Nicolás Maduro. Nos últimos meses, o México tem “criticado abertamente o governo venezuelano e apoiado iniciativas em favor do restabelecimento da democracia plena na Venezuela”, recorda o especialista.

“Não me surpreende então que o México busque debilitar o enorme apoio que Maduro recebe do governo cubano em troca de suprir parcialmente o fornecimento de combustíveis da Venezuela para Cuba”, acrescenta Bravo-Escobar.

“O México foi o único país das Américas que não rompeu relações com o regime castrista, e os cubanos reconhecem isso”, observa Christopher Sabatini, professor de temas latino-americanos na Universidade Columbia, em Nova York.

Ele também vê um interesse na articulação México-Estados Unidos : “Ficou claro desde o início do ano, quando o México começou a co-patrocinar resoluções na Organização dos Estados Americanos (OEA) criticando o governo venezuelano, que estava tentando atuar como aliado estratégico dos Estados Unidos como forma de conquistar a boa vontade do governo Trump nas negociações do Nafta”.

Juan González, consultor para América Latina no Cohen Group (do ex-secretário de Defesa William Cohen), lembra que Chávez gradualmente neutralizou a influência do México sobre o Caribe e a América Central. Além disso, quando era assessor do vice-presidente Joe Biden para América Latina, González presenciou as iniciativas de sucessivos presidentes mexicanos para estreitar a parceria com os Estados Unidos na “segurança energética” do Caribe e América Central, ao passo que o governo democrata incentivava o México a assumir esse papel na região.

Gonzalez pondera que essa agenda perdeu velocidade por causa dos preços baixos da energia. Mas diz que “Biden sempre acreditou que, se os Estados Unidos querem ter mais influência na ONU e em outros fóruns multilaterais, têm de trabalhar de maneira mais concreta para angariar votos do Caribe e da América Central”.

Ex-secretário-assistente adjunto de Assuntos Hemisféricos, Gonzalez não está convencido de que isso possa influir nas negociações do Nafta, porque as questões comerciais estão separadas das políticas do governo. Ele considera que Trump está focado nas eleições para a Câmara dos Deputados e um terço do Senado, que ocorrerão em novembro do ano que vem, mas de qualquer forma concorda que o México pode, com essa tática, aumentar o seu “estoque de poder”.

Bravo-Escobar também não acha que o fornecimento de petróleo mexicano seja relevante nas negociações do Nafta. “Isso corre por outras vias, e com muitas outras prioridades para os dois governos”.

Independentemente do petróleo, Roberto Simon, diretor para América Latina de análise de risco político na consultoria FTI, de Nova York, vê “boas chances de um acordo criando um ‘Nafta 2.0’”, apesar do risco de degringolar por causa do calendário eleitoral e do comportamento errático e impulsivo de Trump.

A volta do período especial?

Além das eleições de meio de mandato americanas, o México elegerá um novo presidente em julho do ano que vem. E o eterno candidato de esquerda à presidência, Andrés Manuel López Obrador (conhecido como AMLO), tem suas chances reforçadas como alguém que pode se contrapor ao nacionalismo hostil de Trump. Por isso, Simon acha que o cenário pode se complicar se Estados Unidos, México e Canadá não conseguirem avançar muito até dezembro.

“Nossa visão é que o maior risco seria México e Canadá, de um lado, e Estados Unidos, de outro, se enroscarem em um debate sobre algo como ‘regras de origem’ e a negociação entrar com toda força em 2018”, explica Simon. No desespero para conter López Obrador, o Partido Revolucionário Institucional (PRI), do presidente Enrique Peña Nieto, e, em menor medida, os republicanos e democratas americanos, por causa das eleições de meio de mandato, poderiam adotar uma agenda mais protecionista, raciocina o analista.

“É muito improvável que o Trump ‘aperte o gatilho’ contra o Nafta, pois ele já tem problemas demais com o Congresso, como as reformas fiscal e da saúde. O empresariado e a maioria no partido republicano são totalmente contra acabar com o livre comércio na América do Norte”, diz Simon. “A ironia é que, se houver acordo, ele provavelmente terá fortes semelhanças com a Parceria Transpacífico (TPP, sepultada por Trump no início do ano), em áreas como propriedade intelectual.”

O analista diz que “não há dúvida de que a incerteza frente a Trump é um fator decisivo, juntamente com o agravamento da própria crise venezuelana”, na posição mais crítica do México em relação a Caracas.

“Mas eu relativizaria um pouco a tese de que o México poderia cortar os laços entre Venezuela e Cuba usando o petróleo como arma”, discorda Simon. “Primeiro, porque o México não tem tanto petróleo para isso. Os dados mostram que, nos últimos dez anos, a produção mexicana de petróleo caiu uns 25%, e hoje, por causa do pré-sal, o Brasil produz mais petróleo do que o México.”

Ele admite, que nos próximos anos, em razão da reforma que abriu o mercado para a entrada de companhias estrangeiras, a produção mexicana voltará a crescer. “Mas isso será gradual e os mexicanos não terão a abundância que a Venezuela teve, no auge do chavismo, para bancar alianças na base do petróleo”, analisa Simon.

Juan Gonzalez esteve em Havana em maio, diz que é “palpável” a preocupação dos cubanos com a perda da ajuda venezuelana. “Eles sentem que, se Cuba não encontrar uma saída, vai voltar o período especial”, relata o consultor americano, referindo-se à penúria vivida na ilha nos anos 90, depois do fim da União Soviética.

A situação melhorou com a adoção de uma relativa abertura econômica, somada à assistência venezuelana com a ascensão de Chávez, em 1999. “Cabe mais aos cubanos que aos mexicanos buscar alternativas”, observa Gonzalez.

Para ele, o eventual fornecimento de petróleo mexicano não teria influência sobre a relação Cuba-Venezuela. “Os cubanos não são tão afeitos a barganhas. Eles têm uma visão da dinâmica regional. Cuba pode adotar uma visão mais construtiva, mas manterá os ovos em várias cestas”. Mas Gonzalez acredita que será interessante observar a postura cubana na Assembleia Geral da ONU, a partir do dia 19.

Especialista em Cuba, o professor Christopher Sabatini considera que, mesmo com o fim da dependência cubana do petróleo venezuelano, “Havana não se tornará uma defensora pública da mediação ou das sanções internacionais, mas o mais provável é que convença em privado o governo Maduro a ir para a mesa de negociações, e exorte seus aliados no regime a terem uma posição mais pragmática”, afirma.

“A principal fonte de divisas de Cuba é a exportação de serviços profissionais, de professores, médicos, operadores de inteligência, assessores em temas de segurança”, pondera Diego Moya-Ocampos, analista de Venezuela na consultoria IHS Markit Country Risk, de Londres. “E o seu principal cliente é a Venezuela. Além de tantos negócios que não conhecemos, e que acabarão no dia em que Maduro cair.”

Ele enfatiza que a Venezuela continua enviando em média 40.000 barris de petróleo por dia para Cuba. “É uma relação estratégica sólida e possivelmente uma das alianças mais estreitas da região”, argumenta Moya-Ocampos. “A parceria entre os dois países tem um alto componente ideológico. É muito importante para a Venezuela, principalmente no momento em que sua revolução se descompõe pela corrupção e divisões internas. Cuba é a mãe da revolução bolivariana.”

Para Sabatini, “o que a comunidade internacional precisa fazer é mostrar para Cuba que esse não é um jogo de soma zero e que é preciso assumir uma posição mais discreta e pragmática”. Além disso, diz ele, o petróleo mexicano dará um colchão para evitar um colapso temido pelos Estados Unidos, a 150 km de sua costa.

Quanto ao Brasil, Roberto Simon não vê o risco de um afastamento. “Faz tempo que os mexicanos querem diversificar seus parceiros comerciais e, independente do resultado das renegociações do Nafta, a eleição de Trump reforça a visão de que é preciso depender menos dos norte-americanos, em setores como agricultora”, diz o analista brasileiro.

Essa é também a visão de Andrés Rozental, consultor e ex-embaixador mexicano em Washington. “A estratégia do governo mexicano é diversificar suas fontes de abastecimento e mercados de exportação, com ou sem o Nafta”, afirma Rozental, que visitou o Brasil recentemente.

“No nível político, as relações já evoluíram para um patamar muito mais construtivo e próximo”, acrescenta o ex-embaixador, que cita como exemplos a posição mais crítica do México em relação à Venezuela, e mais próxima à do Brasil, na OEA; a aproximação entre o Mercosul e a Aliança do Pacífico (México, Colômbia, Chile e Peru) e a participação de Peña Nieto na cúpula dos Brics na China.

Menos mau para o Brasil, que tem perdido influência por causa dos escândalos de corrupção e da instabilidade política e econômica que eles ocasionam. Isso ficou claro na exclusão do Brasil do giro do vice-presidente americano, Mike Pence, no mês passado, por Colômbia, Argentina e Chile.

“Se o escândalo não tivesse afetado o presidente Michel Temer, Pence teria ido”, estima Juan Gonzalez. “O Brasil continua relevante. Mas precisa resolver seus problemas internos.” A gente está sabendo.

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