Graziano da ONU (Giulio Napolitano/Reuters)
Para o agrônomo e ex-diretor geral da FAO José Graziano da Silva, a pandemia vai mudar o que comemos e onde comemos, além da possibilidade de afetar o setor agropecuário.
Que mundo encontraremos após a pandemia do coronavírus? Que lições teremos aprendido? Como passaremos a lidar com a saúde? Como ficarão aspectos do cotidiano, como as relações de afeto, o mercado de consumo, a espiritualidade? E a economia? Ninguém tem ainda essas respostas. O resultado vai depender de nossa compreensão dos acontecimentos, dos posicionamentos da sociedade civil, das atitudes socialmente responsáveis das empresas, dos caminhos adotados pelos governantes. Em resumo: vai depender de nós. Para tentar antecipar esses cenários, falamos com especialistas em diversas áreas. O resultado você confere nesta reportagem da edição 1207. Nos próximos dias, continuaremos o debate com outros especialistas aqui no site.
A seguir, o depoimento de José Graziano da Silva:
Tanto a pandemia quanto o distanciamento social vão acelerar a tendência que já víamos nos últimos anos, de a pessoa se conectar virtual mente com todo mundo, mas se isolar individualmente também. Isso vai pautar uma nova forma de organização do trabalho e da produção. O trabalho deve ficar muito mais flexível, sem aquela lógica de bater ponto, o que implica muitas vezes em trabalhar muito mais.
Isso deve afetar, também, o que e onde comemos. A comida por entrega gera um sistema de distribuição de alimentos que está substituindo os comércios locais, feiras livres e de produtores, o que já tem ocorrido nos Estados Unidos. No Brasil, onde mais de 20% da população é obesa e mais de 50% apresenta sobrepeso, a tendência, durante a pandemia, é correr para os produtos processados e ultraprocessados – justamente os que causam condição. Será necessário abrir uma frente ampla entre os ministérios da Agricultura e da Saúde para combater a obesidade. O único jeito de prevenir isso é melhorar a qualidade da alimentação. Criar um sistema que entregue produtos a um preço mais baixo. Ainda não temos um sistema de alimentação saudável desenhado, que possa atender à população pobre.
Economistas já citam as recuperações em V ou em U – mais rápida e mais devagar, respectivamente. Acredito que a recuperação em V só é possível no setor financeiro e em alguns ramos da indústria que tenham estoques ou circuitos muito curtos de produção. O problema vai ser a recuperação no setor agropecuário, que tem um U de base bastante larga. Existe um tempo de plantar e de colher. Agora estamos na colheita do que foi plantado no ano passado. Se tivermos problemas de exportação, onde vamos armazenas essa colheita? Um estudo aponta que países em desenvolvimento poderão sofrer redução de até 25% nas exportações de commodities agrícolas, o que seria uma catástrofe para o Brasil. Se isso acontecer, o aumento da miséria, da pobreza e do desemprego será inevitável.