Economia

O governo brasileiro pode imprimir dinheiro para lutar contra a pandemia?

Medida não foi cogitada nem aqui nem na China, mesmo com a ideia de juntar todos os esforços possíveis para atacar crise na saúde

Nota de 100 reais é vista com o céu de fundo  (Felipe Queiroz Alves / EyeEm/Getty Images)

Nota de 100 reais é vista com o céu de fundo (Felipe Queiroz Alves / EyeEm/Getty Images)

Ligia Tuon

Ligia Tuon

Publicado em 30 de março de 2020 às 17h28.

Última atualização em 30 de março de 2020 às 20h53.

Em poucas semanas, tudo mudou. A discussão sobre o ajuste fiscal estrutural entrou em banho-maria enquanto despontava o debate sobre como o Brasil vai financiar sua necessária reação à pandemia do coronavírus, tanto na saúde pública quanto na economia.

Foi o que aconteceu no mundo todo, já que o isolamento social recomendado pelas autoridades sanitárias atinge em cheio a receita de empresas e de trabalhadores. No Reino Unido, por exemplo, o governo se comprometeu a pagar 80% dos salários dos trabalhadores para impedir demissões.

Nos Estados Unidos, o pacote contra a pandemia soma 2 trilhões de dólares, o maior da história. Na Alemanha, o total de medidas chega a 30% do PIB. Mas o país vinha de anos de rigorosa austeridade e tem margem de manobra  o que não pode ser dito da maioria dos países emergentes.

Por aqui, o ministro da Economia, Paulo Guedes, fala em injetar 750 bilhões de reais (cerca de 145 bi de dólares) na economia de abril a junho entre medidas já anunciadas e outras que serão divulgadas nos próximos dias.

Vale ressaltar que boa parte desse valor é em itens como adiantamento de 13º salário para aposentados, por exemplo, e adiamento de prazos para pagamento de impostos, além de liberação do compulsório de bancos e, portanto, não é exatamente um dinheiro novo que entra no mercado.

Nem aqui nem na China

Mas, se a ideia é não poupar esforços na economia de guerra, por que o governo não imprime dinheiro? Afinal, o Brasil já fez isso por motivos muito menos urgentes, como no caso na construção de Brasília.

Embora pareça tentadora, a ideia não é cogitada nem aqui nem na China.

"Aumentar a dívida é mais fácil e aconselhável. O grande desafio é fazer com que esse dinheiro chegue até o mais pobre", diz Marcel Balassiano, pesquisador da área de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da FGV (Ibre-FGV).

A previsão para o déficit primário do governo central no ano, que antes da crise tinha um limite de 124 bilhões de reais, já saltou para R$ 350 bilhões, afirmou nesta segunda-feira o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida. O rompimento da meta foi possível após a aprovação pelo Congresso do pedido de calamidade pública enviado pelo governo diante da pandemia.

Assim como a impressão da moeda, os déficits fiscais também aumentam a base monetária e, consequentemente, o volume de dinheiro em circulação na economia, mas de forma mais controlada e diluída ao longo do tempo.

"Toda moeda criada é uma dívida feita. A questão é que o governo quer carimbar quem vai pagar essa dívida depois", diz André Perfeito, economista-chefe da Necton corretora.

O governo só chegaria ao ponto de precisar emitir dinheiro se perdesse sua capacidade de se financiar no mercado financeiro em meio a uma emergência como a que vivemos agora, explica o diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI), Josué Alfredo Pellegrini. "É muito pouco provável que isso aconteça, porque outras ferramentas seriam testadas antes", diz.

Uma saída

Para evitar que esse cenário se materialize, o governo prepara uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que dá mais poderes ao Banco Central em momentos emergenciais de aperto de liquidez. Por meio dela, a instituição poderá negociar livremente com o Tesouro, e sem a ajuda de intermediários, títulos da dívida pública e privada. Em última instância, esse poder permite ao BC financiar a União, se preciso.

"Essa PEC pode preparar o terreno para um futuro próximo possível, no qual a necessidade de venda de títulos pelo governo será tamanha que poderá ficar difícil de o mercado aceitar a dívida alta contraída pela União", diz Pellegrini.

Por ora, porém, economistas concordam que o aumento da dívida é sustentável. "Só um lunático acharia que corremos um risco inflacionário nas circunstâncias atuais", disse Pérsio Arida em artigo na Folha de S.Paulo na semana passada.

Mais moeda em circulação no mercado, em tese, reduz o valor do dinheiro e coloca o aumento de inflação no radar. No entanto, a contração acentuada na demanda em função de consumidores confinados e mais contidos, somada à capacidade ociosa ainda alta da indústria, pode limitar a pressão nos preços.

"Ademais, estamos trabalhando com um horizonte muito curto. Se não vai criar um problema neste ano, não é um problema", diz Pellegrini. A expectativa é que o contágio atinja um pico em abril e que a atividade comece a mostrar retomada em julho.

Para que o país não perca o controle da situação, a ideia de Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, é criar um "orçamento de guerra" paralelo com todos os gastos relacionados ao combate do coronavírus. O objetivo é definir o que é gasto excepcional e evitar que se perpetue no tempo.

O diagnóstico é que a reação à crise de 2008, por exemplo, foi correta inicialmente, mas fugiu do controle, e esse é um dos fatores da crise fiscal e recessão de 2015 e 2016.

Da mesma forma, há uma percepção de que taxas de juro e inflação historicamente baixas nos últimos anos devem manter a trajetória fiscal sob controle, com o teto de gastos e reforma da Previdência, como uma de suas âncoras.

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