Economia

O desafio de Biden: fazer as pessoas gastarem o auxílio emergencial

Com o pacote de estímulo de 1,9 trilhão de dólares em discussão no Congresso, a questão agora é como convencer os americanos aumentar o consumo

Joe Biden: o presidente defende um novo auxílio emergencial para os americanos de 1.400 dólares (Ken Cedeno/CNP/Bloomberg/Getty Images)

Joe Biden: o presidente defende um novo auxílio emergencial para os americanos de 1.400 dólares (Ken Cedeno/CNP/Bloomberg/Getty Images)

FS

Filipe Serrano

Publicado em 27 de fevereiro de 2021 às 09h00.

Última atualização em 1 de março de 2021 às 18h27.

O presidente Joe Biden prometeu “agir depressa” para entregar uma nova dose do auxílio emergencial nos Estados Unidos, que inclui pagamentos de 1.400 dólares para milhões de americanos. Isso não significa que todos os beneficiados estejam com pressa para gastar o dinheiro.

Em comparação com a primeira rodada de cheques de estímulo enviada nos meses de abril, maio e junho, é muito mais provável que os pagamentos da proposta de auxílio de 1,9 trilhão de dólares de Biden sejam guardados do que gastos, segundo pesquisa recente da Morning Consult encomendada pela agência Bloomberg.

Os resultados da pesquisa vão abastecer um debate crescente sobre se o dinheiro do governo está indo para pessoas que não precisam dele neste momento. Alguns dos aliados democratas de Biden têm feito este argumento para pedir uma abordagem mais direcionada, à medida que o governo encaminha o projeto de lei do auxílio ao Congresso. Eles querem baixar o teto de renda para que as pessoas se qualifiquem para os 1.400 dólares, que hoje é de 75.000 dólares ao ano para indivíduos e de 150.000 dólares para casais.

Mas há vantagens potenciais para um estímulo mais amplo. Ele poderia pulverizar o apoio do governo ao longo do tempo e evitar o tipo de debandada dos gastos de consumo que levou alguns economistas a alertar para riscos de inflação. Jerome Powell, o presidente do Federal Reserve (Fed) -- o Banco Central americano -- disse na quarta-feira que não espera uma alta contínua de preços quando a economia reabrir, mesmo que os americanos tenham acumulado algumas economias.

Mais de um terço dos entrevistados da pesquisa da Morning Consult disse que irá economizar uma quantia significativa do dinheiro se receberem outro cheque do auxílio. Isso é comparável aos 23% que disseram que guardaram a quantia em abril do ano passado, quando o governo enviou 1.200 dólares em cheques pela lei de auxílio ao coronavírus (CARES Act, no original em inglês), e 26% dos que receberam os 600 dólares em pagamentos que o Congresso aprovou no final de dezembro.

Embora a proporção de pessoas que pretende guardar seu terceiro cheque de estímulo tenha sido maior entre os entrevistados mais ricos, chegando a 41% das famílias que ganham 100.000 dólares ou mais, a tendência foi a mesma em todas as faixas de renda. Em lares cuja renda fica abaixo de 50.000 dólares por ano, só 17% dos entrevistados disseram que economizaram dinheiro com os cheques da primavera passada – embora 29% esperem conseguir guardá-lo desta vez.

Dinheiro guardado

Qualquer dinheiro adicional será somado àquele que os lares já guardaram no ano passado. Os benefícios governamentais reforçados, combinados com uma escassez de opções de gastos, acrescentaram cerca de 1,6 trilhão de dólares às contas ao longo do ano, segundo o Instituto Peterson de Economia Internacional. “A grande questão é quanto desta pólvora será usada em 2021, se é que vai”, diz Jason Furman, professor de Harvard e ex-chefe do Conselho de Assessores Econômicos do presidente Obama. “Não temos paralelo histórico com nada neste nível de excesso de poupança.”

Furman espera que haja algum impulso à economia este ano, ainda que parte da munição possa ser usada até 2022 e além. A economia está no caminho certo para se expandir de modo mais lento do que sua taxa potencial até o fim de 2021, diz ele, reforçando o argumento do governo Biden da necessidade de um auxílio adicional, mas é provável que haja espaço para cortar o projeto de 1,9 trilhão de dólares sem pôr a retomada em risco.

Outro modo pelo qual os cheques vêm ajudando os orçamentos domésticos é diminuindo o endividamento. Cerca de 18% dos entrevistados disseram que usariam o dinheiro do próximo cheque de auxílio para pagar as dívidas com cartão de crédito, enquanto outros citaram empréstimos estudantis ou outros tipos de dívidas. O número foi bastante semelhante ao dos pagamentos de abril e dezembro, e é por isso que menos empréstimos têm acabado mal na maioria dos setores monitorados pela American Bankers Association.

“Os pagamentos têm sido imensamente úteis para as pessoas que querem cumprir suas obrigações financeiras”, diz Rob Strand, economista sênior da ABA. “As baixas taxas de inadimplência que temos visto desde o início da covid-19 refletem isso.”

É um contraste com o rescaldo da crise de 2008, quando a dívida hipotecária impagável pesou nas finanças domésticas e segurou a recuperação.

A velocidade do gasto

Mesmo com a tendência de maior economia, é provável que a maior parte do dinheiro seja gasta com uma rapidez considerável. Cerca de 30% dos entrevistados na pesquisa Morning Consult disseram que o usariam para comprar alimentos, e 22%, para pagar aluguel ou hipotecas. Esses números não mudaram muito em relação à rodada inicial de pagamentos do ano passado – e ambos estão muitos pontos percentuais acima nos lares cuja renda é de 50.000 ou menos.

A parcela dos entrevistados que disse que investiria em melhorias domésticas, uma tendência que ajudou a impulsionar as ações de varejistas como a Home Depot no ano passado, manteve-se estável em 11%, enquanto aqueles que planejam comprar roupas caíram de 11% para 8%.

Tradicionalmente, tem sido este tipo de gasto, que bombeia dinheiro diretamente na economia e estimula o crescimento no curto prazo, que os políticos têm perseguido como retorno de gastos de dinheiro público. Porém, o governo Biden deixou claro que o que é necessário em uma pandemia é diferente – melhor descrito como alívio do que estímulo, e projetado com foco no longo prazo.

“Temos que ter certeza de que finalmente conseguiremos aprovar um pacote que tenha a persistência de vencer isto”, disse Jared Bernstein, integrante do Conselho de Assessores Econômicos de Biden, na conferência da Bloomberg “The Year Ahead” (“O Ano à Frente”, no original em inglês), em janeiro. “Para propiciar às pessoas – não só da camada mais baixa, mas também no meio da escala de renda – os recursos de que vão precisar num sentido mais duradouro. Se elas pouparem alguns meses e depois gastarem mais adiante, é uma função do programa, não um defeito.”

Algo que pode se voltar contra, e que levou alguns economistas a apontar problemas mais adiante, é se um grande montante do dinheiro for bombeado para investimentos especulativos e contribuir para uma euforia de mercado do tipo da que estourou uma bolha nas ações da GameStop.

Cerca de 6% dos entrevistados na pesquisa da Morning Consult disseram que usariam seus auxílios para investir no mercado de ações, alta de 4% em relação à primavera passada; o número subiu para 11% entre as famílias de maior renda.

O Agregador de Dados Financeiros Envestnet Yodlee realizou uma análise mais detalhada dos hábitos de investimento motivados pelos cheques de estímulo. A ferramenta identificou um salto de 51% nos depósitos de títulos nas corretoras entre quem recebeu a rodada de pagamentos de dezembro. E, no grupo de menor renda pesquisado pelo agregador, aqueles que ganham menos de 35.000, o número de novas contas comerciais mais do que dobrou.

Tradução por Fabrício Calado Moreira

 

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