Ilan Goldfajn: o economista terá de superar a mexicana Alicia Bárcena, o chileno Nicolás Eyzaguirre, o equatoriano Augusto de La Torre para assumir o BID (Adriano Machado/Reuters)
Agência O Globo
Publicado em 5 de novembro de 2022 às 17h07.
Última atualização em 5 de novembro de 2022 às 17h36.
Pela primeira vez desde que foi criado, há 63 anos, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) tem a possibilidade de ter um presidente brasileiro. O candidato é Ilan Goldfajn, economista de 56 anos, ex-presidente do Banco Central (2016 a 2019) e atualmente Diretor do Departamento do Hemisfério Ocidental do FMI (licenciado para atuar em sua campanha e esta entrevista retrata apenas a sua opinião pessoal).
Em sua primeira entrevista desde que foi indicado como candidato brasileiro ao cargo, Ilan afirma que vencer a disputa no próximo dia 20 seria uma forma do país resgatar sua vocação de líder da América Latina e, ao mesmo tempo, um sinal de pacificação do país, após uma polarização política que levou à eleição mais disputada desde a redemocratização.
"Há questões suprapartidárias que nos unem", afirmou ele, indicado formalmente na disputa pelo atual governo. No ano passado desembolsou US$ 23,4 bilhões em financiamentos, um recorde em sua história. Nascido em Israel mas crescido no Rio, Ilan é formado pela UFRJ e tem doutorado pelo MIT (EUA). Ele acredita que o cenário global turbulento, com alta de juros e desafios ambientais, reforça a importância do BID, ao mesmo tempo em que amplia as vantagens para a América Latina.
"A região pode se posicionar como parte da solução dos atuais problemas globais", afirma, citando a pandemia, a invasão russa à Ucrânia, os desafios energéticos e a busca de americanos e europeus de reduzirem a dependência chinesa.
"É uma região relativamente pacífica sob o ponto de vista dos grandes conflitos globais. Mas esta posição estratégica não está garantida, depende de investimentos, alívio de gargalos e reforço às instituições para estabelecimento de ambientes econômicos amigáveis".
Para chegar ao posto máximo do BID — que já foi ocupado por um chileno, um mexicano, um uruguaio, um colombiano e mais recentemente um americano (Mauricio Claver-Carone, indicado no governo Donald Trump que deixou a instituição em setembro após recomendação da diretoria executiva do banco após denúncias de relacionamento inapropriado com sua chefe de gabinete) — Ilan terá de superar a mexicana Alicia Bárcena, o chileno Nicolás Eyzaguirre, o equatoriano Augusto de La Torre.
O cenário em Washington, sede do banco, é favorável ao brasileiro, ainda mais se contar com o apoio explícito do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). "Entendo que sou um candidato técnico, apartidário o que, portanto, levará naturalmente a um consenso", afirmou.
Como está a sua candidatura para presidência do BID? Quais as chances reais de termos o primeiro presidente brasileiro no banco?
Acho que temos pela primeira vez, desde que o BID foi criado, sessenta anos atrás, uma real possibilidade de liderar o BID. Temos a combinação da minha candidatura, com o reconhecimento que é a vez do Brasil liderar o BID, o que traz uma ótima perspectiva. A candidatura tem que ser uma candidatura do Estado brasileiro, institucional, mostrando ao mundo que há questões suprapartidárias que nos unem. Represento uma candidatura técnica, apartidária, a candidatura que tem a real possibilidade de trazer a presidência do BID para o Brasil.
Qual a importância de termos um presidente brasileiro?
O BID é a instituição internacional mais importante para a América Latina. É a voz da região no mundo. Ela tem uma importância única para o desenvolvimento da região, no combate da pobreza, na ênfase na educação e saúde, no financiamento de infraestrutura sustentável, seja digital quanto física, no combate a fome (insegurança alimentar), no enfrentamento da mudança climática, tanto na transição para uma economia de menor carbono como também na reação a desastres naturais mais frequentes, no financiamento de inovações e de novas tecnologias, no fomento à diversidade de gênero e racial e na atração do setor privado para contribuir ativamente para estes objetivos.
O BID para o Brasil tem uma importância singular, basta perguntar aos governadores e prefeitos atuais e dos últimos sessenta anos o papel do BID no financiamento da infraestrutura, dos programas sociais, e de uma forma mais geral do seu desenvolvimento. Com a possibilidade da presidência do BID pela primeira vez na história, o Brasil pode resgatar seu verdadeiro papel de liderança na região.
Qual será o papel do BID em um cenário de alta global de juros?
O cenário atual é desafiador, após a pandemia, invasão russa da Ucrânia, e agora com o aperto das condições financeiras no mundo. A pobreza aumentou na América Latina, países têm mais desafios econômicos e sociais, e prevejo que haja uma busca mais intensa pela ajuda dos órgãos multilaterais em busca de mais financiamento, capacitação técnica, e de uma forma mais geral na liderança do BID para atravessar este período mais conturbado.
No médio e longo prazo temos que ajudar a América Latina a se modernizar, reforçar a integração regional, para gerar externalidades positivas e aumento de produtividade essenciais para o crescimento sustentável. O crescimento tem que estar baseado num progresso equitativo, onde todas as parcelas da população se beneficiam do progresso. Só assim teremos crescimento sustentável econômico e social.
Como o BID pode ajudar o novo governo que pretende retomar obras públicas e investimentos?
O BID está envolvido no financiamento de infraestrutura física e digital em toda a região, buscando um crescimento sustentável econômico e social. Ao mesmo tempo, o BID através do seu braço privado, o BID Invest, estimula o setor privado a participar do tão necessário investimento de mais longo prazo. Está claro que o estabelecimento de um bom ambiente de negócios, através do fortalecimento das nossas instituições e regras claras num ambiente democrático, deve estimular este investimento público e privado. O BID tem atuado de forma intensa com os Estados e municípios em todo o Brasil, e isto é um engajamento importante. Com respeito à Amazônia, há o Fundo de Bioeconomia que é um projeto interessante de se focar.
O BID pode ajudar a região a se tornar uma “fornecedora fiel” de produtos e insumos aos EUA e Europa, nesta busca por substitutos à China? Ou seja, é a oportunidade para a região se integrar melhor à cadeia global de valor?
A região pode se posicionar como parte da solução dos atuais problemas globais trazidos pela pandemia e invasão Russa da Ucrânia, ajudando no desafio de combater a insegurança alimentar tanto regional quanto global. Pode se posicionar como um grande fornecedor de energia limpa para o mundo. É uma região relativamente pacífica sob o ponto de vista dos grandes conflitos globais. Mas esta posição estratégica não está garantida, depende de investimentos, alívio de gargalos e reforço às instituições para estabelecimento de ambientes econômicos amigáveis.
Como enfrentar o aumento da pobreza e da desigualdade, turbinados com a pandemia?
A pandemia, a invasão Russa e as crises climáticas levaram a um aumento da pobreza na região e inclusive ao aumento da fome com a subida do preço dos alimentos. O preço dos alimentos subiu não somente devido ao aumento dos preços internacionais das commodities, mas também ao aumento do custo do transporte com a crise energética global. Há uma necessidade de agir imediatamente no combate à insegurança alimentar, mas também reforçar as redes de proteção social, há bons exemplos na região, inclusive no Brasil. O BID sempre trabalhou com apoio a transferências para camadas mais vulneráveis da população e isso é muito importante reforçar.
Como está a negociação de apoio ao seu nome com o presidente eleito? Apoiá-lo seria mais uma ação na pacificação do país, na busca de uma frente ampla?
Há uma grande oportunidade de sinalizar ao mundo um Brasil unido, moderado, que faz escolhas técnicas e institucionais, representando o Estado brasileiro. Um Brasil disposto a liderar a região, com base na qualidade técnica dos seus quadros, já vistos regionalmente como opções naturais para liderar o BID. Seria um sinal muito importante do novo governo que busca uma frente ampla para governar este país.
O BID acaba de sair de um processo conturbado de disputas com alta carga ideológica (que levou Mauricio Claver-Carone, indicado por Trump, a desistir do cargo após denúncias de relacionamento inapropriado com sua chefe de gabinete) que trouxe muitos problemas para o BID, o desejo de todos é uma liderança moderada que pacifique o BID.
Como está sua relação com o governo recém eleito no Brasil?
Entendo que sou um candidato técnico, apartidário o que, portanto, levará naturalmente a um consenso.
Quais seriam seus principais projetos no banco?
Em primeiro lugar, é necessário escutar e aprender muito sobre o BID, de todos os envolvidos, levando em consideração a diversidade e especificidades existentes na região. Mas não há dúvida que o primeiro passo é garantir o avanço nas áreas básicas do BID, como combate à pobreza, educação e saúde, caso seja eleito. Há muito que avançar aqui na ajuda a estabelecer redes de proteção social e no combate emergencial à insegurança alimentar. Foco no incentivo à infraestrutura física e digital para alavancar a produtividade e integração regional. É necessário trabalhar com o setor privado para catalisar mais recursos e modernizar as economias é muito importante. Importante financiar projetos de adaptação e mitigação dos efeitos das mudanças climáticas, e ação mais ágil na reação aos frequentes desastres naturais. Sem falar no tema de inclusão de gênero e de diversidade como importante ênfase no trabalho do BID em seus projetos na região.
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