Economia

Não se sabe qual será a nova ordem econômica, diz Nobel de Economia

Para Michael Spence, a ordem econômica global criada depois da 2ª Guerra Mundial está se desmanchando e não está claro qual arranjo a substituirá

Nobel: Em 2001, George Akerlof, Michael Spence e Joseph Stiglitz  (da esquerda para a direita) ganharam prêmio (Prêmio Nobel de Economia/Divulgação)

Nobel: Em 2001, George Akerlof, Michael Spence e Joseph Stiglitz (da esquerda para a direita) ganharam prêmio (Prêmio Nobel de Economia/Divulgação)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 20 de maio de 2018 às 14h00.

Washington - A ordem econômica global criada depois da Segunda Guerra Mundial está se desmanchando e não está claro qual arranjo a substituirá, afirma Michael Spence, vencedor do Prêmio Nobel de Economia de 2001, ao lado de Joseph Stiglitz e George Akerlof.

Em sua opinião, a nova estrutura tenderá a ser "balcanizada" e a ter menos liberdade para fluxos de bens, serviços, capital, pessoas, informação e tecnologia.

Spence acredita que parte da turbulência vivida recentemente pelos mercados internacionais se deve à incerteza sobre o que substituirá a estrutura do pós-guerra. O ataque a ela vem dos países desenvolvidos, que passaram a sofrer consequências negativas na distribuição de renda em consequência da criação de cadeias de produção global. "É muito difícil prever onde isso terminará." A seguir, trechos da entrevista:

No início do ano parecia haver otimismo em relação à economia mundial, mas recentemente esse sentimento deu lugar a turbulências, especialmente nos países emergentes. O que aconteceu?

Na segunda metade do ano passado, houve o que o FMI chamou de aceleração sincronizada no crescimento. As pessoas pensaram que era uma mudança real, mas foi apenas uma retomada cíclica. Agora, temos a combinação da alta da taxa de juros nos Estados Unidos e o nervosismo de investidores internacionais. Fluxos de capital internacionais se tornaram bastante voláteis, o que provocou dificuldades para várias economias emergentes. O exemplo mais recente é a Argentina. Também há incerteza em relação à tensão comercial entre a China e os Estados Unidos e como isso afetará outros países, incluindo os emergentes. Há volatilidade nos mercados, volatilidade nos fluxos de capital e crescente incerteza. E parece não haver um fim disso no horizonte. Ao mesmo tempo, o preço das commodities está subindo, em particular o do petróleo, o que é bom para países exportadores. É um cenário misto.

Quais são os principais riscos para a economia mundial?

O que me surpreende é que o crescente sentimento anti-establishment e a intensificação da polarização política de maneira geral não contaminaram os mercados ou as economias. Mas eu acredito que essas tendências são riscos. Um conflito aberto entre a China e os EUA nas áreas de comércio, investimentos e tecnologia é outro risco. Por trás de tudo isso, há uma espécie de ruptura da ordem mundial criada depois da Segunda Guerra Mundial, com suas convenções relativas a comércio e investimentos.

Quais as características da nova ordem que poderá substituí-la?

Ninguém sabe, e isso é parte do problema. Há duas possibilidades. Uma é a balcanização (fragmentação) da economia global. A internet, por exemplo, será regulada de maneira distinta em diferentes partes do mundo. A regulamentação da América e da Europa será diferente da chinesa e isso criará problemas para companhias que operem além das fronteiras nacionais. Isso é apenas um exemplo. Eu também acredito que o fluxo relativamente livre de bens, serviços, capital, pessoas, informação e tecnologia - que define como a economia global funciona - será menos livre. A ordem mundial criada depois da Segunda Guerra Mundial tinha o objetivo de facilitar a recuperação no pós-guerra. Mas seu principal efeito foi acelerar o crescimento em todos os lugares, especialmente nos países em desenvolvimento. No passado, a economia aberta e a transferência de parte das atividades econômicas para países em desenvolvimento não tiveram grande impacto sobre a distribuição de renda nas economias desenvolvidas. Na medida em que o sistema evoluiu, os emergentes passaram a responder por fatia cada vez maior do PIB e a eficiência das cadeias de produção começou a diminuir. Há falhas sísmicas cada vez maiores nessa ordem.

Quais são elas?

As principais se desenvolveram ao longo dos 20 anos. Tendências negativas na distribuição de renda produziram ceticismo crescente em relação à globalização. Isso foi exacerbado pelo fato de que estruturas governamentais não fizeram nada sobre isso. A polarização econômica, social e política que estamos vendo tem uma fonte econômica. Nós vemos isso no Brexit, na eleição de (Donald) Trump e nas correntes anti-establishment na Europa. O que estamos vendo agora são os países desenvolvidos dizendo "não estamos mais dispostos a arcar com as consequências dessas assimetrias". E os grandes países em desenvolvimento respondendo "bem, nós podemos sobreviver sem vocês". É muito difícil prever onde isso terminará.

Há o risco de uma crise nos emergentes semelhante às que vimos no passado?

Não vejo o surgimento de uma crise sistêmica. Se há um problema com potencial de se tornar sistêmico, ele é a grande quantidade de dívida que a economia global contraiu no período posterior à crise (de 2008). Esse passivo vem na forma de dívida soberana, corporativa e das famílias. Na última vez em que olhei, a economia global havia acrescentado três quartos do PIB global em dívida bruta.As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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