Economia

Nacionalização de trader argentina soa alarme em mercado de soja

Governo de Fernández assumirá controle da Vicentin pelos próximos 60 dias enquanto busca aprovação do Congresso para desapropriar empresa agrícola

Alberto Fernández (Agustin Marcarian/Reuters)

Alberto Fernández (Agustin Marcarian/Reuters)

Ligia Tuon

Ligia Tuon

Publicado em 10 de junho de 2020 às 11h36.

O presidente da Argentina, Alberto Fernández, recorreu ao manual de sua vice, Cristina Kirchner, em busca de um plano para nacionalizar a trading agrícola Vicentin SAIC, medida que deve soar o alarme nos mercados de soja e entre investidores do país.

O governo de Fernández assumirá o controle da Vicentin pelos próximos 60 dias enquanto busca aprovação do Congresso para desapropriar a empresa agrícola, que pediu recuperação judicial no ano passado depois de sofrer o impacto de oscilações cambiais.

“Esta é uma visão estatista para o século 21”, disse o ministro da Produção, Matias Kulfas, em entrevista na segunda-feira após o anúncio. A empresa não foi notificada, disse.

Sob o plano, todos os ativos da Vicentin - cujas joias da coroa são as unidades de processamento de soja que abastecem o mercado global com ração e óleo de cozinha - serão colocados em um trust administrado pelo braço agrícola da estatal de petróleo YPF.

A YPF Agro absorveria inteiramente a Vicentin, criando uma gigante estatal de commodities com grande peso em exploração de gás de xisto, distribuição de combustíveis e comércio de colheitas, e até dando ao governo mais influência no mercado de câmbio, disse Kulfas.

A mudança ocorre em um momento delicado para a Argentina, que negocia uma reestruturação de US$ 65 bilhões em dívida estrangeira. Também remete à nacionalização da YPF em 2012 e de outras empresas durante a presidência de Cristina Kirchner, levantando questões sobre como a Argentina vai atrair investimentos do setor privado para recuperar a economia.

“A história nos mostra que as intervenções estatais, em particular no comércio de grãos, criam distorções graves que acabam aprofundando os problemas em vez de resolvê-los”, afirmou a Sociedade Rural Argentina em comunicado.

A principal coalizão da oposição criticou a medida, chamando-a de “ilegal e inconstitucional”.

O governo afirma que as repercussões da crise financeira da Vicentin no setor agrícola argentino eram simplesmente grandes demais para serem ignoradas. A empresa de capital fechado é peça importante do negócio de exportação agrícola da Argentina, avaliado em US$ 20 bilhões por ano e que respondeu por 7,4 milhões de toneladas de exportações de esmagamento de soja em 2019.

“Existe uma certa crença, especialmente entre agricultores pequenos e independentes que foram bastante afetados pelo fracasso da Vicentin, de que a empresa precisava ser salva de alguma forma”, disse Juan Cruz Diaz, diretor da consultoria política Cefeidas, em Buenos Aires.

Mas, para muitos observadores, a nacionalização aponta para outra questão: quem exatamente governa a Argentina? Fernández, que está longe de ser visto como defensor do livre mercado, mas é considerado moderado, ou Kirchner, sua vice, conhecida pela visão nacionalista.

A Glencore, com sede na Suíça, tem uma joint venture com a Vicentin, chamada Renova, que inclui uma das maiores esmagadoras de soja do mundo. Fernández disse que é muito cedo para dizer como uma nova parceria estatal com a Glencore funcionaria.

A Argentina é a maior exportadora de farelo de soja para ração e óleo de cozinha e, nos últimos anos, a Vicentin ganhou fatia de mercado de grandes multinacionais.

(Com a colaboração de Patrick Gillespie e Carolina Millan).

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