Lojas fechadas no Rio de Janeiro: crise no setor de serviços e no comércio dificultou reajuste salarial de trabalhadores (Tania Regô/Agência Brasil)
Agência O Globo
Publicado em 14 de novembro de 2020 às 14h43.
A crise decorrente da pandemia do novo coronavírus reduziu a quantidade de acordos coletivos entre empresas e sindicatos dos trabalhadores e restringiu as negociações salariais. Segundo um levantamento do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), foram registrados 20.812 acordos entre janeiro e outubro, dos quais 7.572 trataram de salário.
Em quase um terço deles (2.084), o reajuste acertado ficou abaixo da inflação, sendo que em 676 as partes concordaram que não haveria qualquer aumento. Em todo o ano passado, foram fechados apenas 39 acordos nesses termos.
Já outros 2.382 acordos salariais conseguiram a reposição da inflação, e 3.106 tiveram ganhos reais (ou seja, acima da inflação). Entre as categorias que conseguiram superar o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) -- que atingiu 4,77% no acumulado dos últimos 12 meses até outubro -- estão as do ramo de informática.
Segundo o Dieese, professores da rede privada e trabalhadores da área de seguros, por exemplo, estão no grupo de categorias que fecharam acordo sem aumento de salário.
Categorias de setores mais impactados pela crise, como comércio e serviços, que demoraram a retomar as atividades, adiaram as negociações para janeiro de 2021. Mesmo assim, não há garantia de que os acordos vão conter reposição da inflação e de forma retroativa.
De acordo com o Dieese, quase metade (48,8%) do total de 22.910 acordos fechados em 2019 tinha cláusula de reajuste salarial e, neste ano, o percentual baixou para 36,4%. A maioria das negociações firmadas em 2020 trouxe medidas emergenciais relacionadas ao enfrentamento da pandemia, como redução de jornada e de salário.
De acordo com Luís Ribeiro da Costa, pesquisador do Dieese, as perspectivas para as negociações ao longo do próximo ano não são animadoras, diante da alta da inflação e das dificuldades na retomada da atividade econômica.
Ele destaca, contudo, que a parcela da força de trabalho que tem piso salarial igual ao salário mínimo e com data-base em janeiro e fevereiro deve ser compensada: "Quem tem piso igual ao salário mínimo receberá automaticamente o reajuste do piso nacional definido pelo governo federal", afirma.
Para o economista José Márcio Camargo, um dos maiores especialistas do país em mercado de trabalho, a elevada taxa de desemprego torna as negociações ainda mais difíceis: "Dado o tamanho da taxa de desemprego, é pouco razoável que os trabalhadores consigam aumentar seus salários em termos reais. Já é um ganho conseguir manter os reajustes pela inflação passada."
O levantamento do Dieese mostrou que o Rio de Janeiro foi o segundo estado com maior queda de reajustes, atrás de Alagoas. Em seguida estão Rio Grande do Norte, Sergipe e Paraíba. Apenas Roraima registrou crescimento no número de reajustes.
O problema do Rio está relacionado às dificuldades enfrentadas pelas empresas de comércio e serviços. O presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT), Ricardo Patah, ressalta que as negociações foram adiadas, mas provavelmente as categorias terão apenas a reposição da inflação, com possibilidade até de ficarem no reajuste zero, principalmente em Rio e São Paulo.
Segundo ele, empresas do ramo de supermercados e de material de construção aceitaram reajustar os salários pela inflação. Mas a maioria dos lojistas já sinalizou que não conseguirá acompanhar: "Os lojistas estão reclamando, dizendo que foram muito prejudicados, apesar das vendas pela internet."
O secretário-geral da Força Sindical, João Carlos Gonçalves (Juruna), conta que a maioria dos sindicatos da indústria fechou acordo salarial, mas sem aumento real: "Na crise, os trabalhadores sofrem tanto quanto os empregadores."
Sérgio Nobre, secretário-geral da Central Única dos Trabalhadores (CUT), lembra que os sindicatos dos trabalhadores do ramo de serviços também enfrentam resistência para negociar acordos salariais porque vários segmentos ainda não saíram da crise ou não retomaram as atividades. No caso da educação pública, cita ele, os acordos foram fechados com os governos sem dificuldades: "Mas o mesmo não ocorreu com os professores da rede particular, que teve problema de inadimplência e evasão."