Economia

Mudança climática ameaça produtividade e preço do café

O grão do tipo arábica – preferido pela Starbucks – cresce em regiões frias com temporadas distintas de chuva e seca. Se esquentar demais, a qualidade piora

Produtores percebem mudanças nas plantas pela temperatura maior (Jose Roberto Gomes/Reuters)

Produtores percebem mudanças nas plantas pela temperatura maior (Jose Roberto Gomes/Reuters)

João Pedro Caleiro

João Pedro Caleiro

Publicado em 20 de janeiro de 2019 às 08h00.

Última atualização em 20 de janeiro de 2019 às 08h00.

O cafeicultor Masumi Kondo precisava de cobertor para dormir quando começou a cultivar a lavoura na região de Franca, interior de São Paulo, na década de 1970. Como o clima ficou consistentemente mais quente, ele agora usa um aparelho de ar condicionado.

Não só os fazendeiros reagem à mudança climática. A alta das temperaturas reduz a área adequada para as plantas da variedade arábica selvagem, a mais consumida.

Do Brasil ao Quênia e Etiópia, os agricultores estão partindo para terras mais elevadas e empregando novas tecnologias para manter a produtividade.

Nas próximas sete décadas, os locais onde as plantas arábica crescem naturalmente diminuirão em pelo menos 50 por cento, de acordo com relatório divulgado na quarta-feira pelos cientistas dos Reais Jardins Botânicos de Kew, na Grã-Bretanha.

A atual abundância do produto, que limita os preços ao redor do mundo, pode se reverter à medida que a mudança climática reduz o tamanho potencial das safras nos próximos anos.

“Preços baixos como os observados atualmente são risco maior do que a mudança climática nos próximos três anos’’, disse Geordie Wilkes, chefe de pesquisa da Sucden Financial. “Produtores na América Central estão tendo prejuízo. No longo prazo, a partir de 10 anos, a mudança climática será mais importante para o mercado.’’

O grão do tipo arábica – preferido pela rede Starbucks – é o mais usado no mundo e cresce em regiões frias com temporadas distintas de chuva e seca. As plantas precisam de temperatura entre 15 e 24ºC ao longo do ano, de acordo com o Instituto de Pesquisa em Café. As lavouras sofrem se houver geada. Se esquentar demais, a qualidade do café piora. O sabor dos grãos depende de noites frias.

Mas os produtores percebem mudanças nas plantas por causa da temperatura maior. Na cidadezinha de Cristais Paulista, Kondo conta que fica quente demais entre setembro e novembro, quando acontece a florada. O resultado é que mais flores caem, o que reduz a produtividade por árvore.

“A produtividade dos pés de café caiu muito”, lamenta Kondo, cuja família é dona de um cafezal de 120 hectares. “Além do calor, não chove tanto quanto antes. Há alguns anos, desistimos de comprar uma nova área para expansão porque avaliamos que o risco climático de plantar café aqui é maior.”

O risco maior é para a versão selvagem dos pés de arábica, que contêm a carga genética necessária para produzir novos sabores e plantas mais resistentes. Cientistas de Kew concluíram que a área natural de crescimento dessas plantas está encolhendo por três razões – mudança climática, fungos e desmatamento. Eles temem que mais de metade das espécies selvagens de café esteja extinta até 2088.

Cultivado em escala comercial, o grão arábica selvagem é o mais negociado no mercado mundial de café. Mas cientistas consideram a espécie ameaçada.

Nas próximas décadas, os agricultores talvez sejam forçados a partir para a variedade robusta (também chamada conilon), que é capaz de crescer em locais mais quentes, mas tem sabor mais forte. Com o desaparecimento das espécies selvagens, os agricultores têm menos opções genéticas para adaptar os pés de arábica a diferentes circunstâncias.

“Avaliando os últimos 200 anos de produção cafeeira, o setor de café existe porque conseguiu usar os recursos genéticos selvagens para procurar características específicas resistentes a doenças e capazes de suportar o ar mais quente”, explicou Aaron Davis, chefe de pesquisas sobre café de Kew e principal autor de um dos estudos. “A carteira de espécies de lavouras de café precisará ser diversificada para o futuro, diante de desafios novos e piores.”

A variedade arábica é especialmente importante para a Etiópia, maior produtora de café da África. Cerca de 80 por cento dos cafezais do país estão em um habitat de floresta que cobre 19.000 quilômetros quadrados, de acordo com um relatório dos cientistas de Kew de 2017.

Os fazendeiros por lá contam que a temporada de seca está mais demorada. A temperatura mediana anual subiu 1,3º C entre 1960 e 2006. A consequência é que a Etiópia pode perder até 60 por cento do espaço adequado para o cultivo de cafezais até o fim do século, segundo os cientistas.

O setor leva a ameaça climática a sério. No Brasil, maior exportador mundial de café, os produtores buscam alternativas, como o plantio de mais árvores na mesma área para manter a produtividade.

Minas Gerais e São Paulo, responsáveis por mais de 80 por cento da produção de café arábica do país, eram atraentes no passado por causa do risco menor de temperaturas congelantes. Hoje, a maior ameaça é o calor extremo, de acordo com Eduardo Assad, pesquisador da Embrapa.

A temperatura máxima subiu cerca de 3º C nos últimos 20 anos, segundo ele. Dois dias consecutivos de temperatura acima de 34º C durante a florada são suficientes para desencadear o abortamento de flores, segundo Assad. “Os agricultores estão procurando irrigação enquanto os pesquisadores buscam variedades de café mais resistentes a temperaturas elevadas’, acrescentou.

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