Economia

Mesmo com reformas, Brasil ainda crescerá menos que emergentes

Depois da mais brutal recessão de sua história recente e uma lenta recuperação, a economia brasileira não vai ultrapassar seus pares nos próximos anos

Brasil: FMI projeta um crescimento de 2,3% ao ano entre 2021 e 2024, enquanto para os emergentes avançariam 4,8% (Cris Faga/Getty Images)

Brasil: FMI projeta um crescimento de 2,3% ao ano entre 2021 e 2024, enquanto para os emergentes avançariam 4,8% (Cris Faga/Getty Images)

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Reuters

Publicado em 6 de dezembro de 2019 às 16h19.

Depois da mais brutal recessão de sua história recente e uma das mais lentas recuperações, a economia brasileira ainda vai crescer abaixo de seus pares emergentes nos próximos anos, com risco de um desempenho ainda mais tímido caso o país se limite às reformas econômicas já aprovadas.

Para analistas, as reformas em curso são importantes, mas insuficientes para sozinhas gerar maior potencial de crescimento. Se quiser aumentar o PIB potencial — afetado também por questões demográficas —, o país precisa dar um salto em condições de negócio, produtividade e qualidade da educação, além de desfazer o emaranhado de leis para regulação tributária e flexibilizar mais as regras trabalhistas.

Pelas projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI), o Brasil cresceria, em média, 2,3% ao ano entre 2021 e 2024. No mesmo período, os emergentes como um todo avançariam 4,8% ao ano.

Entre 2011 e 2020, o Brasil deverá marcar taxa média anual de expansão de 0,8%, ante 4,8% dos emergentes — ambos números do FMI. A Fundação Getulio Vargas (FGV) estima que, confirmadas as estimativas para 2019 e 2020, o Brasil terá a pior década de sua história econômica, com base nos registros do Ipeadata.

No intervalo entre 2001 e 2010, o crescimento dos emergentes (+6,3% ao ano) foi 1,7 vez maior que o do Brasil (+3,7%).

Os juros estratosféricos, que chegaram a superar 40% ao ano no começo dos anos 2000, a limitação de crédito, a política fiscal expansionista e as dificuldades para investimento estiveram entre as principais causas para essa performance aquém da média de seus pares.

E mesmo reduzindo essa diferença nos próximos anos — os emergentes deverão crescer em média duas vezes mais que o Brasil entre 2021 e 2024, ante 6,3 vezes mais entre 2011 e 2020 —, a maior economia da América Latina ainda precisará lidar com obstáculos nada triviais.

"Tem uma questão muito latente do lado trabalhista, que é o risco de judicialização. A forma como o governo financia Estados e municípios, produtividade e facilidade de negócios também são pontos a serem tratados", afirmou Fabio Ramos, economista do UBS no Brasil.

Estudo Doing Business 2020, publicado pelo Banco Mundial, mostrou que o Brasil caiu 15 posições frente à edição de 2019, para o 124° lugar no ranking de facilidade de negócios, dentre 190 países. O Brasil fica atrás de China (31°), Chile (59°), México (60°), Índia (63°) e de El Salvador, Namíbia e Uganda — estes últimos alguns dos mais pobres do mundo.

Para além dessas variáveis, Ramos elencou a necessidade de reforma tributária. "Não é só cortar impostos, é acabar com subsídios, liberar a economia, destravá-la", completou.

A reforma tributária tem ainda engatinhado, com divergências dentro do próprio governo sobre pontos — o mais polêmico deles sendo a volta de um imposto nos moldes da antiga CPMF.

O UBS calcula que, sem reformas que melhorem ainda a produtividade e elevem a qualificação de mão de obra, o PIB potencial sairia da faixa estimada atualmente pelo banco, entre 2% e 2,5%, para até 1,5% — menor inclusive do que a taxa de expansão esperada pelo mercado para 2020.

Mesmo o ineditismo dos juros nas mínimas históricas é tido como um elemento que gera alguma incerteza, com até o Banco Central reconhecendo que os efeitos dessa realidade ainda demandam estudos e espera.

Integrantes da equipe econômica admitem a necessidade de aprofundar e ampliar o escopo da agenda reformista. Em evento no Rio de Janeiro nesta sexta-feira, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que o crescimento sustentado no Brasil exige investimento em saúde, educação e tecnologia.

Nesta semana, dados do Pisa — Programa Internacional de Avaliação de Alunos), conduzido pela OCDE — mostraram os estudantes brasileiros na ponta de baixo da tabela em termos de aprendizado, bem atrás de pares como China (que lidera a lista), México e Chile.

Entre as reformas já aprovadas, as mudanças em regras para aposentadorias são entendidas como a mais relevante no âmbito macro dos últimos anos, mas têm efeito prático apenas de não deixar que o país entre em colapso fiscal definitivo. O caos derradeiro nas contas públicas comprimiria ainda mais o já menor PIB potencial brasileiro e poderia amarrar o país a uma década de estagnação, na melhor das hipóteses.

"A reforma da Previdência é muito importante para endereçar esse ponto (fiscal), mas não tem conexão com crescimento potencial e produtividade", disse Luka Barbosa, responsável pela cobertura de atividade econômica no Brasil do Itaú Unibanco.

O Itaú calcula que, atualmente, o PIB potencial estaria entre 1,5% e 2% ao ano, patamar bastante modesto, especialmente considerando a recessão sofrida pelo Brasil nos últimos anos.

Pela mais recente pesquisa Focus — conduzida pelo Banco Central e que compila estimativas do mercado —, a economia deve crescer 0,99% neste ano, abaixo das taxas de 1,3% de 2017 e 2018. Para 2020, o prognóstico melhora para 2,22%.

José Luís Oreiro, professor do Departamento de Economia da UnB (Universidade de Brasília), listou três pontos que, para ele, impedem o país de alcançar na década de 2020 um crescimento sustentado.

Segundo ele, o nível disponível no orçamento público para investimento em infraestrutura é baixo, diante das restrições impostas pelo engessamento das despesas e pela regra do teto de gastos, que limita o crescimento do gasto público à inflação do ano anterior.

Oreiro também aponta a desindustrialização da economia doméstica. "Como a indústria é o setor com maior encadeamento, para frente e para trás, na estrutura positiva, uma indústria não só andando de lado, como caindo, reduz a capacidade de crescimento da economia pelo lado da oferta", analisou.

Por último, ele alerta para o comportamento do déficit em conta corrente. Nos 12 meses até outubro, o rombo já é de 3% do PIB — pior dado desde dezembro de 2015 (-3,03%) —, com uma economia que ainda está em processo de recuperação.

"Uma aceleração do crescimento vai levar à uma explosão do déficit em conta corrente, o que vai levar a uma crise cambial... O Brasil está reeditando o velho problema de estrangulamento externo no crescimento", disse.

Melhor cenário

A favor do Brasil neste momento estão os juros nas mínimas históricas, a agenda reformista e a busca por uma reviravolta na matriz econômica — com maior participação do setor privado e menor fatia do dinheiro público.

No cenário mais benigno — aquele que contempla aprovação de várias outras reformas —, o país poderia crescer entre 3% e 3,5% nos próximos anos, segundo cálculos do Itaú Unibanco, considerando a medida do PIB potencial (crescimento sem gerar inflação).

Seria um patamar de expansão acima do esperado para este ano (+0,99%) e 2020 (+2,22%), com base em projeções do mercado financeiro.

"Estimamos um PIB potencial de 3,5% condicionado à implementação de um ajuste fiscal focado nos gastos e reformas microeconômicas", disse o Itaú em estudo.

Essa taxa seria cinco vezes superior ao crescimento médio do Brasil nesta década, de 0,7%, conforme dados do IBGE.

O melhor dos cenários para o PIB nos próximos anos seria aquele que conjuga ajuste fiscal (em parte já promovido pela reforma da Previdência) e reformas microeconômicas.

O ajuste fiscal teria papel duplo de aumentar a poupança doméstica, o que eleva a capacidade de investimento pelo país, e garantir a sustentabilidade da dívida pública. Do lado micro, o foco, segundo os analistas, deve se voltar para abertura da economia, mudanças na estrutura tributária e regulatória e melhora na educação.

Um dos pontos mais destacados pelos economistas como fator necessário para o crescimento sustentável é a consolidação da mudança do indutor de crescimento — do setor público para o privado.

O número mais recente do PIB pareceu dar alguma esperança nesse sentido. A atividade cresceu 0,6% no terceiro trimestre contra o segundo, acima do esperado, com uma medida de investimento registrando a segunda alta trimestral consecutiva — o que não ocorria desde o começo de 2018.

"Sou otimista com o crescimento da economia nos próximos anos, com essa mudança de matriz, por exemplo, agora muito mais no setor privado do que no setor público", disse Marcel Balassiano, pesquisador da FGV/Ibre.

Newton Rosa, economista-chefe da SulAmérica Investimentos, vai na mesma linha. Para ele, isso potencializa o mercado de trabalho e, consequentemente, o consumo. "Essas duas forças conjugadas vão acelerar o crescimento, e acho que isso já será perceptível, provável, a partir de 2021, com mais certeza em 2022."

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