Economia

Mercosul e União Europeia fecham acordo de livre comércio após 20 anos

Este é o maior acordo já firmado pelo Mercosul e abrange bens, serviços, investimentos e compras governamentais

União Europeia e Mercosul negociam o acordo há vinte anos de negociações (Francois Lenoir/Reuters)

União Europeia e Mercosul negociam o acordo há vinte anos de negociações (Francois Lenoir/Reuters)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 28 de junho de 2019 às 14h10.

Última atualização em 28 de junho de 2019 às 17h12.

O Mercosul e a União Europeia finalizaram nesta sexta-feira, 28, as negociações para o acordo entre os dois blocos. O tratado, que abrange bens, serviços, investimentos e compras governamentais, vinha sendo discutido há duas décadas por europeus e sul-americanos.

A rodada final de negociações foi iniciada por técnicos na semana passada. Diante do avanço nas tratativas, os ministros do Mercosul e da União Europeia foram convocados e, desde a quinta-feira, 27, estão fechados em reuniões na Bruxelas.

O acordo entre Mercosul e União Europeia representa um marco. É segundo maior tratado assinado pelos europeus - perde apenas para o firmado com o Japão, segundo integrantes do bloco - e o mais ambicioso já acertado pelo Mercosul, que reúne Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai.

Com a vigência do acordo, produtos agrícolas de grande interesse do Brasil terão suas tarifas eliminadas, segundo o governo, como suco de laranja, frutas (melões, melancias, laranjas, limões, entre outras), café solúvel, peixes, crustáceos e óleos vegetais.

Em coletiva de imprensa em Bruxelas após o anúncio, a ministra da Agricultura Tereza Cristina disse que houve concessões em termos de volume de produtos e de taxas de ambos os lados. Mas não deu maiores detalhes. "Vocês verão o acordo que será publicado no fim de semana", diz.

Os exportadores brasileiros também terão acesso preferencial para carnes bovina, suína e de aves, açúcar, etanol, arroz, ovos e mel.

Antes do acordo, apenas 24% das exportações brasileiras, em termos de linhas tarifárias, entravam livres de tributos na União Europeia. Com o acordo, praticamente 100% das exportações do Mercosul terão preferências para melhor acesso ao mercado europeu.

Após assinado, o tratado precisa passar pelo crivo do Parlamento de todos os países envolvidos, além dos parlamentares da União Europeia. Enquanto isso, pode vigorar com regras transitórias.

O avanço dos “verdes” no Parlamento Europeu, porém, pode causar dificuldades nessa fase.

O que acham os economistas

Para Sergio Vale, economista-chefe da MB associados, vemos o finalzinho de primeiro semestre da gestão Bolsonaro com a melhor notícia de todo o governo dele até agora.

"É um ótimo prenúncio de novas medidas à frente, que se juntam às quedas de tarifas de importação de bens de capital e insumos intermediários que ajudarão a aumentar a produtividade da indústria nos próximos anos", diz.

O economista pondera, no entanto, que pode demorar bastante para que os efeitos do acordo sejam sentidos em sua plenitude pelo comércio brasileiro. "Demora porque precisa haver uma busca por maior eficiência na indústria com a reforma tributária por exemplo. Mas o importante é que o processo começou e todo esse cenário de mundo que se fecha abre espaço para podermos negociar e fazer acordos comerciais vantajosos", afirma Vale.

Monica de Bolle, economista e pesquisadora do Peterson Institute for International Economics, em Washington, está menos otimista. "Precisamos esperar para ver os termos do acordo. Acho muito difícil que o Brasil tenha recebido concessões significativas na Agricultura — trata-se do setor mais protegido na Europa e eles não mudaram de posição", diz

A economista aponta que os embates do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, na área comercial podem ter incentivado a UE a querer mandar um sinal contrário e a firmar sua influência na América do Sul. "Querem mostrar a Trump que têm pé na América Latina para mostrar força, o que pode ser ruim para nossas relações com os EUA", diz.

Na opinião de André Perfeito, economista-chefe da corretora Necton, o anúncio representa de fato uma grande vitória para o setor do agronegócio. Para o resto da indústria, porém, o resultado ė mais incerto, "uma vez que as empresas locais estarão no mesmo aquário- por assim dizer - que as poderosas empresas alemãs e indústrias de ponta de todo o continente europeu".

A esperança, segundo o economista, é que, com tarifas mais baixas e simplificação portuária a indústria local importe insumos mais baratos e assim ganhe na produtividade total dos fatores da economia.

"Os consumidores de bens mais sofisticados irão se beneficiar com a medida num primeiro momento e o resto da sociedade em momento posterior, muito provavelmente terá um efeito deflacionário este acordo", acrescenta.

Vinte anos de negociação

As conversas para o acordo foram lançadas em junho de 1999. Uma troca de ofertas chegou a ser feita em 2004, mas decepcionou os dois lados e as discussões foram logo interrompidas. Em 2010, as negociações foram relançadas.

Desde então, houve idas e vindas com momentos de resistências tanto do lado do Mercosul quanto do lado da União Europeia. Em 2016, os dois blocos voltaram a trocar propostas e, neste ano, havia a percepção de que faltava muito pouco para um acerto.

https://twitter.com/Min_Agricultura/status/1144648663295307776?fbclid=IwAR2w-a1aXQ78dpS4GFb4xcNcNajdRuEmBytR4AGZ4I8fXGIqY6NB1t7jNng

Para a rodada final, o governo brasileiro enviou a Bruxelas o chanceler Ernesto Araújo, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, e o secretário especial de Comércio Exterior do Ministério da Economia, Marcos Troyjo.

O clima era de otimismo e o Brasil se preparava para anunciar um desfecho favorável já na noite de quinta-feira. Mas muitos detalhes referentes ao setor agrícola ainda não tinham sido resolvidos, segundo uma fonte próxima às conversas que correm na Bélgica.

O clima pesou em diversos momentos e houve tensão entre os negociadores, conta essa fonte. Ao longo desta sexta, porém, foi possível alcançar um consenso.

Veja o comunicado na íntegra:

Nota Conjunta do Ministério da Economia e Ministério das Relações Exteriores

Conclusão das Negociações do Acordo entre o MERCOSUL e a União Europeia – Bruxelas, 27 e 28 de junho de 2019

Em reunião ministerial realizada nos dias 27 e 28 de junho, em Bruxelas, foi concluída a negociação da parte comercial do Acordo de Associação entre o MERCOSUL e a União Europeia (UE). Participaram, pelo Brasil, o Ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, a Ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina, e o Secretário Especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais do Ministério da Economia, Marcos Troyjo.

O acordo é um marco histórico no relacionamento entre o MERCOSUL e a União Europeia, que representam, juntos, cerca de 25% do PIB mundial e um mercado de 780 milhões de pessoas. Em momento de tensões e incertezas no comércio internacional, a conclusão do acordo ressalta o compromisso dos dois blocos com a abertura econômica e o fortalecimento das condições de competitividade.

O acordo comercial com a UE constituirá uma das maiores áreas de livre comércio do mundo. Pela sua importância econômica e a abrangência de suas disciplinas, é o acordo mais amplo e de maior complexidade já negociado pelo MERCOSUL. Cobre temas tanto tarifários quanto de natureza regulatória, como serviços, compras governamentais, facilitação de comércio, barreiras técnicas, medidas sanitárias e fitossanitárias e propriedade intelectual.

Com a vigência do acordo, produtos agrícolas de grande interesse do Brasil terão suas tarifas eliminadas, como suco de laranja, frutas e café solúvel. Os exportadores brasileiros obterão ampliação do acesso, por meio de quotas, para carnes, açúcar e etanol, entre outros.

As empresas brasileiras serão beneficiadas com a eliminação de tarifas na exportação de 100% dos produtos industriais. Serão, desta forma, equalizadas as condições de concorrência com outros parceiros que já possuem acordos de livre comércio com a UE.

O acordo reconhecerá como distintivos do Brasil vários produtos, como cachaças, queijos, vinhos e cafés. O acordo garantirá acesso efetivo em diversos segmentos de serviços, como comunicação, construção, distribuição, turismo, transportes e serviços profissionais e financeiros.

Em compras públicas, empresas brasileiras obterão acesso ao mercado de licitações da UE, estimado em US$ 1,6 trilhão. Os compromissos assumidos também vão agilizar e reduzir os custos dos trâmites de importação, exportação e trânsito de bens.

O acordo propiciará um incremento de competitividade da economia brasileira ao garantir, para os produtores nacionais, acesso a insumos de elevado teor tecnológico e com preços mais baixos. A redução de barreiras e a maior segurança jurídica e transparência de regras irão facilitar a inserção do Brasil nas cadeias globais de valor, com geração de mais investimentos, emprego e renda. Os consumidores também serão beneficiados pelo acordo, com acesso a maior variedade de produtos a preços competitivos.

Segundo estimativas do Ministério da Economia, o acordo MERCOSUL-UE representará um incremento do PIB brasileiro de US$ 87,5 bilhões em 15 anos, podendo chegar a US$ 125 bilhões se consideradas a redução das barreiras não-tarifárias e o incremento esperado na produtividade total dos dos fatores de produção. O aumento de investimentos no Brasil, no mesmo período, será da ordem de US$ 113 bilhões. Com relação ao comércio bilateral, as exportações brasileiras para a UE apresentarão quase US$ 100 bilhões de ganhos até 2035.

A UE é o segundo parceiro comercial do MERCOSUL e o primeiro em matéria de investimentos. O MERCOSUL é o oitavo principal parceiro comercial extrarregional da UE. A corrente de comércio birregional foi de mais de US$ 90 bilhões em 2018. Em 2017, o estoque de investimentos da UE no bloco sul-americano somava cerca de US$ 433 bilhões. O Brasil registrou, em 2018, comércio de US$ 76 bilhões com a UE e superávit de US$ 7 bilhões. O Brasil exportou mais de US$ 42 bilhões, aproximadamente 18% do total exportado pelo país.

O Brasil destaca-se como o maior destino do investimento externo direto (IED) dos países da UE na América Latina, com quase metade do estoque de investimentos na região. O Brasil é o quarto maior destino de IED da UE, que se distribui em setores de alto valor estratégico.

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