Ampolas de exame de sangue: objetivo é nada menos do que “tentar transformar toda oncologia”, diz especialista (Marion Berard/AFP)
Da Redação
Publicado em 6 de abril de 2016 às 22h56.
Se o câncer é um intruso indesejável no corpo, também é um vândalo descuidado, deixando vestígios de sua presença espalhados por todo o sangue.
E se você acredita em Jeff Bezos e Bill Gates, é aí que reside tanto uma revolução médica quanto um pote de ouro.
Cientistas sabem há décadas que os tumores deixam pedaços de DNA que acabam no sangue.
Agora, com avanços na tecnologia de sequenciamento genético, startups estão começando a identificar esses fragmentos de DNA com as chamadas “biópsias líquidas”, alternativas menos invasivas e menos caras às amostras de tecidos que podem rastrear mutações de tumores em pacientes com câncer.
Um prêmio ainda maior pode estar no horizonte: um teste de sangue simples de administrar e, mesmo assim, abrangente que iria mostrar cada tipo de câncer conhecido no corpo humano antes mesmo que uma pessoa mostrasse ou sentisse algum sintoma.
Bezos, Gates e outros estão investindo centenas de milhões de dólares para fazer desse teste super completo uma realidade. Se conseguirem, a oportunidade de mercado pode chegar a US$ 200 bilhões por ano em vendas, de acordo com quem desenvolve a tecnologia.
O objetivo é nada menos do que “tentar transformar toda oncologia”, diz Robert Nelsen, cofundador e diretor-gerente da Arch Venture Partners, que lidera a rodada de levantamento de fundos de US$ 100 milhões da startup Grail de biópsia líquida. “Talvez daqui a 10 anos, quando você tiver câncer, nunca vai ver um hospital”.
Longos testes
Os críticos dizem que tal conversa equivale a uma hipérbole e minimiza os riscos médicos e financeiros que estão por vir. Um exame de sangue de detecção precoce ainda vai demorar anos e exigir testes bem sucedidos para convencer médicos e seguradoras do seu benefício. Qualquer coisa menos do que a precisão impecável poderia significar erros de diagnóstico e tratamentos equivocados.
E mesmo os mais ardentes defensores da tecnologia percebem que podem estar perseguindo um objetivo médico fora do alcance de qualquer um.
Detecção precoce
Pelo menos 38 empresas estão desenvolvendo ou já vendendo alguma forma de biópsia líquida, de acordo com um relatório de setembro feito por William Quirk, analista da Piper Jaffray. A maioria, incluindo Guardant Health, Trovagene, Genomic Health e Foundation Medicine, está trabalhando nos testes de pacientes já diagnosticados, para ajudar os médicos a escolher os tratamentos que visam mutações específicas e prestar atenção na reincidência. Empresas mais ambiciosas estão atrás da detecção do câncer em estágio inicial. Muitos estão divulgando seus produtos como revolucionários, apesar de que os testes ainda não foram concluídos.
A Grail, fundada no início deste ano pela fabricante de máquina de sequenciamento genético Illumina, contratou Jeff Huber, um antigo executivo do Google, para dirigir a empresa. Para Huber, cuja esposa morreu em novembro de câncer de colo que só foi diagnosticado no estágio 4, o sucesso da tecnologia de testes da Grail é pessoal.
Tecido tumoral
A ciência está avançando e algumas empresas já estão apresentando testes preliminares ao mercado. Quando as células do corpo morrem – dezenas de bilhões por dia em humanos saudáveis – alguns fragmentos de DNA normalmente escapam para a corrente sanguínea. Células cancerosas que crescem rapidamente também deixam sua marca no sangue. Quanto mais avançado o câncer, mais dessas “DNA em células livres” tende a circular no sangue, facilitando sua detecção. O teste da Guardant, empresa de capital fechado, que é vendido por US$ 5.800, foi usado por quase 20.000 pacientes com câncer avançado até o momento.
Isto pode ajudar os pacientes que não têm tecido tumoral suficiente para fazer uma biópsia tradicional – entre 20 por cento e 50 por cento dos casos, de acordo com Helmy Eltoukhy, CEO da Guardant. Um exame de sangue é uma maneira fácil para os médicos monitorarem pacientes com câncer em rápida evolução, e também procurar reincidências, disse Michael Stocum, CEO Inivata – empresa de capital fechado –, que está desenvolvendo um teste de acompanhamento para pacientes com câncer de pulmão.