Meirelles (Ueslei Marcelino/Reuters)
Ligia Tuon
Publicado em 25 de março de 2020 às 13h55.
Última atualização em 25 de março de 2020 às 21h33.
Em meio aos impactos trazidos pela pandemia de coronavírus, a economia brasileira deverá contrair 10% no segundo trimestre de 2020 e 3% no acumulado do ano, prevê Henrique Meirelles, secretário da Fazenda e Planejamento do estado de São Paulo. "O momento pelo qual passamos é, de fato, dramático e envolve ações urgentes e eficazes", disse nesta quarta-feira, 25, na estreia da série exame.talks.
Para a sua previsão, o ex-ministro da Fazenda no governo Michel Temer usa a estimativa oficial de infectologistas sobre a duração da crise, com o pico do número de casos em abril, seguido de um processo de recuperação que poderá ser visto na atividade ao redor de julho. "Essa hipótese básica de trabalho já tem uma piora bastante grande ante as que prevaleciam uma semana atrás", diz.
Meirelles conta também que recebeu o discurso que o presidente Jair Bolsonaro fez ontem, em rede nacional, muito mal: "Ele optou por entrar na chamada crise de negação, onde o doente recusa-se a ver o que está acontecendo, se nega a enxergar a realidade por uma conveniência de curto prazo. Todos estão errados, menos ele".
O importante, diz, é manter o direcionamento dos líderes do judiciário, da imprensa, seguindo a orientação de especialistas do Brasil e do mundo, que hoje dão uma direção clara para a população sobre a necessidade de confinamento. "Não adianta manter a atividade e as pessoas se adoecerem. Temos uma pandemia ameaçando grande parte da população. Temos que preservar a vida e depois tentar recuperar a economia".
Meirelles explica que, como boa parte da população deve seguir as orientações de isolamento social, os cofres públicos devem sentir uma queda acentuada de receita. Em abril, pior mês da crise, o recuo pode chegar a 30%: "O impacto em março será sentido na arrecadação de abril, que é quando as empresas pagam os impostos estaduais. Mas depois vai voltando a se recuperar durante o ano".
O bate papo sobre o que esperar da covid-19, nome oficial da doença causada pelo novo coronavírus, foi conduzido por Renato Mimica, head de investimentos da EXAME e Lucas Amorim, diretor de redação (veja vídeo completo no pé da matéria).
A última vez que o mundo viu uma crise global foi há pouco mais de 10 anos, durante o colapso do sistema financeiro mundial. Nessa época, Henrique Meirelles era presidente do Banco Central brasileiro e, portanto, estava na linha de frente do combate aos impactos na economia brasileira. O cenário, porém, era outro, segundo ele, pois naquela crise era possível atacar a causa, que era financeira, e se materializou no Brasil primeiro pelo colapso das linhas de crédito internacionais.
"Agora é diferente. Não temos causas econômicas ou financeiras, temos a causa que é uma pandemia. Essa pandemia não gera só o aumento da doença. Precisamos identificar o canal de transmissão na economia", diz.
Para fazer um paralelo, Meirelles conta que, após o colapso dos bancos europeus e americanos, verificou uma queda de 20% no volume total de crédito no Brasil. Desta forma, a estratégia do governo pôde ser mais direcionada na manutenção das necessidades do mercado porque o começo e o fim da crise eram mais fáceis de ser vistos:
"As informações preliminares dizem que o pico deve se dar dentro de 60 dias aproximadamente.. Estamos falando aí de um período de três ou quatro meses. Mas a pandemia está crescendo, e ainda iniciando no Brasil, onde os dados ainda são vagos. Felizmente o ministro da Saúde está tendo um comportamento responsável e, com o tempo, poderemos ter a duração certa dessa crise", diz.
Meirelles defende ainda que o governo invista o que for necessário para conter os efeitos da pandemia: "Não podemos tratar uma situação de crise como uma de normalidade. A saúde é fundamental. Depois de preservada, voltamos à normalidade, mas sem aumentar o tamanho da máquina", diz.
Sobre o mercado de câmbio, ele diz que o BC tem grande quantidade de reservas e pode assegurar liquidez no mercado. "Teremos um problema quando houver gente querendo comprar e ninguém querendo vender, mas o BC tem reservas para manter um mercado flutuante livre (cerca de US$ 300 bi). Isso não deve ser uma preocupação".
Durante a live, o secretário anunciou que o banco de desenvolvimento do estado de São Paulo prepara uma linha de crédito de R$ 2,5 bilhões a micro, pequenas e médias empresas, "com juro substanciamento mais baixo que o mercado e condições maiores de carência para que possam passar pela crise".
As ações que estão sendo desenvolvidas terão aporte do próprio governo, com participação de recursos que estão sendo negociados com o Banco Mundial e outros órgãos bilaterais, segundo o secretário.
Manter o mercado de crédito funcionando também é responsabilidade do setor privado, segundo ele. "Temos que ter o sistema financeiro mantendo suas linhas de crédito, abrindo linhas especiais, estendendo pagamentos que estão vencendo agora", diz.
O governo de São Paulo prepara uma reunião com os bancos, conta ele, para dar recomendações nesse sentido: "Os bancos têm que manter pleno funcionamento neste momento. Não só eles: cadeias de suprimento têm que funcionar, grandes empresas de transportes, o comércio fundamental. O setor privado é fundamental, toda sociedade tem que estar engajada nisso. Se deixar na mão do governo, vai dar problema", diz.