SHARRON MCPHERSON: "O atraso na infraestrutura da África é superior a 150 bilhões de dólares. Se as mulheres capturassem apenas 10% desse gasto, o crescimento em toda a economia africana seria exponencial" (foto/Divulgação)
Filipe Serrano
Publicado em 5 de fevereiro de 2018 às 20h33.
Última atualização em 5 de fevereiro de 2018 às 20h34.
Antes de se mudar para a África do Sul, no fim dos anos 1990, a americana Sharron McPherson trabalhou por mais de 20 anos como advogada em bancos de investimentos de Wall Street. Na África, ela descobriu um novo caminho, como consultora, investidora e empreendedora social. Seu trabalho mais recente é a criação em 2017 de um grupo de mulheres empresárias que trabalham no setor de infraestrutura e energia – um segmento que é dominado principalmente por homens. Chamado de WINDE, sigla para Mulheres em Infraestrutura, Desenvolvimento e Energia, em inglês, o consórcio reúne mais de 5.000 membros, que trabalham para melhorar a participação das mulheres no setor.
Para a empreendedora, quando há mais mulheres bem-sucedidas nesta área, maior é o impacto positivo para a sociedade. “As mulheres donas de empresas tendem a reinvestir em suas comunidades a uma taxa três vezes maior do que os homens”, diz McPherson, que veio ao Brasil para fazer uma palestra na Campus Party, em São Paulo. Abaixo, confira a entrevista.
A senhora criou um grupo de empresárias mulheres que trabalham especificamente na área de infraestrutura. Por que é importante aumentar a participação das mulheres neste segmento?
Em todo o mundo, é imperativo aumentar a participação de mulheres empresárias no setor de infraestrutura, mas isto é ainda mais necessário na África. Poderia listar alguns motivos para isso. Em primeiro lugar, a África perde mais de 93 bilhões de dólares por ano devido à exclusão de mulheres no setor formal da economia, de acordo com o Banco Mundial. Em segundo, o gasto número um entre os governos na África nos próximos 10 anos será em infraestrutura. De acordo com a consultoria McKinsey, o atraso na infraestrutura da África é superior a 150 bilhões de dólares. Se as mulheres capturassem apenas 10% desse gasto, o crescimento em toda a economia africana seria exponencial, porque as mulheres donas de empresas tendem a reinvestir em suas comunidades a uma taxa três vezes maior do que os homens. Esse investimento na comunidade tem um impacto social positivo: mais meninas vão à escola quando suas mães possuem negócios bem-sucedidos; e a incidência de doenças é reduzida quando as mulheres têm negócios bem-sucedidos e participam de forma significativa na economia. Em resumo, os países mais bem-sucedidos são aqueles que incorporaram as mulheres de forma significativa no setor formal. Na África, o investimento em infraestrutura irá desbloquear um potencial incrível. E é um investimento extremamente necessário, pois a África tem a população mais jovem do mundo e a que mais cresce. Temos hoje mais de 200 milhões de pessoas com idades entre 15 e 24 anos. Isso vai dobrar até 2050.
Num país como a África do Sul, quais são as maiores barreiras para as empresárias mulheres, no setor de infraestrutura?
Os desafios que as mulheres enfrentam na África do Sul são os mesmos que as mulheres enfrentam em países de todo o mundo, incluindo o Brasil. Há uma percepção de mulheres e homens de que infraestrutura, construção, energia e setores relacionados são apenas para homens. Isso significa que existem enormes barreiras emocionais e psicológicas para a entrada. Além disso, as mulheres que trabalham nesses setores enfrentam o assédio físico, pois sua presença geralmente faz com que homens que não reconheçam os benefícios da diversidade fiquem desconfortáveis. Quando as mulheres no setor buscam financiamento para expandir seus negócios, elas são frequentemente discriminadas por banqueiros e investidores que não acreditam que elas deveriam estar nesses setores. Além disso, muitas vezes as mulheres são mantidas fora dos grandes projetos sofisticados. Elas lutam para ganhar a experiência e o conhecimento que lhes permite competir efetivamente.
Essas barreiras vêm diminuindo?
Estão mudando, sim. Políticas de compras governamentais que exigem a participação de mulheres em licitações e concursos estão ajudando. Há também outras políticas que exigem que as empresas se diversifiquem para obter certos negócios. Além disso, há mulheres que decidiram dar um basta e que agora estão tomando as coisas com suas próprias mãos. Elas são realmente a força motriz da mudança que estamos vendo.
Como a experiência do seu grupo pode servir de exemplo para outros países em desenvolvimento, como o Brasil?
Na África do Sul, estamos realmente à frente de muitos países da Europa e da América em termos de participação de mulheres em setores em que elas são historicamente sub-representadas. Na África do Sul, o foco nas pequenas e médias empresas como o motor do crescimento econômico já está em vigor há mais tempo. As mulheres são a maioria entre as proprietárias de pequenas e médias empresas em todo o continente africano. No entanto, no passado, elas foram relegadas a certos setores, como varejo, serviços e bens de consumo. Hoje, a África do Sul está liderando o caminho do aumento da participação de mulheres nos setores em que elas não eram maioria. Estamos sendo forçados a mudar por causa da pressão para criar novos empregos e novas riquezas. Eu acredito que o Brasil se beneficiaria muito ao tomar medidas concretas para incorporar de forma mais significativa as proprietárias de pequenas e médias empresas em setores como o de infraestrutura. Isso possibilitaria que um novo e melhor Brasil emergisse.