Economia

Marcelo Neri aponta novo cenário para a classe média

Em entrevista, o economista traça um panorama sobre as mudanças no país com a ascensão econômica e a população cada dia mais esclarecida

"(A classe média) é bastante heterogênea. São pessoas que subiram na vida e que esperam continuar subindo", disse o economista (Mario Miranda/Luz)

"(A classe média) é bastante heterogênea. São pessoas que subiram na vida e que esperam continuar subindo", disse o economista (Mario Miranda/Luz)

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Da Redação

Publicado em 14 de maio de 2012 às 11h50.

São Paulo - Muito já se falou sobre a Classe C, que traz ao Brasil um cenário cada dia mais otimista. Trata-se de uma população mais esclarecida, com um nível educacional mais alto e que vem mudando seus hábitos de consumo. Estudos apontam agora para um novo cenário brasileiro, com um crescimento de quase três vezes nas despesas com turismo diárias de hotéis e passagens aéreas.

As regiões Norte e Nordeste se mostram promissoras, com os maiores crescimentos de renda e uma grande concentração de Classe D que, em um curto período de tempo, migrará para a Classe C.

Este é o panorama apresentado por Marcelo Neri no livro A Nova Classe Média: O Lado Brilhante da Base da Pirâmide, lançado pela Editora Saraiva. Na obra, o autor traça um perfil de migração das classes sociais no Brasil, com uma população cada vez mais esclarecida, exigente e com renda cada dia maior.

Marcelo Neri é chefe do Centro de Políticas Sociais da FGV, Ph.D em economia pela Universidade de Princeton, mestre e bacharel em economia pela PUC-Rio. Suas principais áreas de trabalho são bem estar social, educação e avaliação de políticas públicas.

- Como as empresas entendem a nova classe média?

Marcelo Neri: As empresas estão começando a entender mais e mais. É um fenômeno complexo cujo entendimento é recente. As estruturas da sociedade não são as mesmas. A desigualdade mudou.

Quem está subindo na vida no Brasil são mulheres, negros, nordestinos, pessoas que vivem nas periferias, no campo. É preciso ter olhares novos. Não podemos nos guiar olhando pelo espelho retrovisor ou vamos sair da pista porque hoje em dia esse processo está bem desenvolvido.


- O que se pode enxergar além dos números dessa nova classe média?

Neri: Ela é bastante heterogênea. São pessoas que subiram na vida e que esperam continuar subindo. É uma classe positiva com relação ao seu futuro, mais até que o futuro do próprio país. Ela dá uma nota muito alta para a sua vida nos últimos cinco anos: 8.6, é a maior nota do mundo.

- Para onde essa nova classe média vai? Quais são as tendências que estão emergindo?

Neri: Ela está crescendo e exportando gente para a classe AB. Nossas projeções para os próximos três anos é que a classe AB cresça 29% e a C 11%. Já nos últimos oito anos a classe AB cresceu 54% e a C 46%. A AB já cresceu mais proporcionalmente.

Daqui para frente vai ser 2,5 vezes mais rápido porque as pessoas já subiram. É crescimento sobre crescimento. Em 2014, mais de 74% da população brasileira nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste vão estar na classe ABC.

- Muito tem se falado do Norte e Nordeste. Pelas pesquisas do senhor, não aparecem muito estas regiões dentro deste radar próspero de nova classe média. Isto procede?

Neri: É verdade. Em ambos os lugares, principalmente no Nordeste, que é uma região muito numerosa, ainda se tem muita classe D, que ainda vai se tornar C, no entanto, os maiores crescimentos de renda estão nestes lugares. A fotografia da classe média ainda é Sul e Sudeste, entretanto, quem está alçando voo é mais e mais Norte e Nordeste.

- O senhor também possui estudos sobre o consumo. Como está o comportamento de consumo dessa nova classe média?

Neri: O que mais que triplica são as despesas com turismo, diárias de hotéis, passagens aéreas. Também gastos com TI, ou seja, computadores, comunicação, combustível. Os itens que mais cresceram desde 2003 foram materiais de escritório e artigos de comunicação e informática que, na maioria das vezes, são de trabalho. Na verdade, a grande demanda dessa classe média é por serviços produtivos que venham permitir que estas pessoas continuem subindo na vida.


- O crescimento da nova classe média é sustentável?

Neri: É mais sustentável do que eu acreditava. Está muito baseado nas mulheres terem menos filhos. Antes a brasileira tinha uma média de seis filhos, hoje tem menos de dois. Isso de 1970 para 2010, o que representa uma grande revolução. Em 1990, 16% das crianças de sete a 14 anos estavam fora da escola, hoje são menos de 2%.

O grande símbolo dessa nova classe média é o emprego com carteira assinada. Esse processo de ascensão se dá muito mais por trabalho, educação e uma família mais equilibrada. Até no Nordeste hoje em dia as mulheres têm, em média, dois filhos.

- E a questão do envelhecimento da população, vai interferir nesse cenário?

Neri: Isso vai gerar um grande bônus demográfico até 2024, depois vai começar a jogar contra. Por outro lado, temos o que podemos chamar de bônus educacional, que é essa melhora vegetativa desde um nível muito baixo de educação. O que quero chamar a atenção é que, enquanto o bônus demográfico adiciona meio ponto percentual do PIB por ano até 2024, o bônus educacional é 4,5 vezes maior e não vai parar em 2024. Acho que o Brasil está com uma melhora na educação.

- A questão do endividamento da Classe C pode ser um atravancador?

Neri: O nível de endividamento no Brasil é alto porque a taxa de juros é muito alta, gerando uma despesa relativamente grande no orçamento das pessoas. O que vem acontecendo no Brasil é que as empresas estão ficando maiores, com as fusões e aquisições, e isso tende a gerar um desafio no que diz respeito à defesa do consumidor.

- De que forma estas empresas e governos internacionais têm olhado para o Brasil? O que eles têm visto de oportunidade aqui?

Neri: O Brasil possui algo simbólico que é o Soft Power, ou seja, o brasileiro é admirado. É um povo exótico, interessante, atraente, mas não era levado a sério. Há algum tempo o Brasil vem dando certo sem perder esse exotismo. As pessoas querem o caminho do meio e esse é o caminho do Brasil. É o caminho de moderação.


- Que pontos de atenção o senhor acha que devem ser chamados para esse positivismo brasileiro? Ele é exagerado ou realista e o que devemos tomar cuidado para não perdermos o que ganhamos?

Neri: Esse positivismo atrapalha no sentido de que, por exemplo, não fazemos reformas, não investimos em educação, não poupamos, talvez em função de acharmos que Deus é brasileiro, que a vida vai dar certo, o que é parte da nossa cultura e eu acharia terrível morar num país onde as pessoas são pessimistas.

Por outro lado acho que precisamos fazer uma campanha de poupança, fazer reformas, investir em infraestrutura e em educação de qualidade. O Brasil está sofrendo uma transformação, mas acho que falta ter um comportamento mais coletivo.

- A infraestrutura é muito importante e agora teremos dois grandes testes. O senhor acha que se alguns problemas não forem resolvidos tendemos a perder esse bom olhar internacional?

Neri: Acho que é uma aposta do mundo fez no Brasil. Somos no único país desde o México em 68 e 70 a sediar os grandes eventos mundiais um depois do outro. Isso mostra a capacidade do Brasil de seduzir o mundo com todas as nossas dificuldades.

Acho que há uma questão de infraestrutura que vai ser testada ao nível crítico nesses eventos, mas, mesmo em um nível crítico a estrutura está numa situação crônica hoje em dia.

- O que pode frear esse crescimento e o que pode acelerar e termos um país rico?

Neri: Acho que o país rico vai demorar. Na verdade, o fundamental é saber de onde a gente parte. Não podemos queimar etapas muito rápido. O Brasil não está sendo o país do futuro, mas o país do passado, que está recuperando déficits antigos. É a renda dos negros aumentando mais que a dos brancos, das mulheres. O Brasil está saindo da sociedade arcaica e temos que começar a olhar para o futuro

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