Economia

Marcello Dantas: a exposição de 50 anos de EXAME

O curador da Examinando o Brasil, que comemora os 50 anos da revista EXAME fala que o objetivo da mostra é aumentar, e não virtualizar, a realidade

MARCELLO DANTAS: "tirei o protagonismo humano e trouxe para as coisas" (Germano Lüders/Exame)

MARCELLO DANTAS: "tirei o protagonismo humano e trouxe para as coisas" (Germano Lüders/Exame)

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Da Redação

Publicado em 15 de dezembro de 2017 às 16h05.

O curador Marcello Dantas, de 49 anos, tem feito 25 exposições por ano em todo o mundo. Desde 1990, quando começou na área, já foram 250. O segredo de tanto trabalho? Ele une tecnologia às mostras. “O que me move é criar uma linguagem nova”, diz. Segundo Dantas, os brasileiros são ávidos consumidores de museus, mas essa realidade está concentrada em São Paulo e Rio de Janeiro. Dantas é o curador da exposição Examinando o Brasil, que comemora os 50 anos da revista EXAME. Ela será aberta ao público neste sábado no Shopping JK Iguatemi, em São Paulo.

Os brasileiros visitam museus com frequência?

O Brasil sempre está entre os 10 países em que as pessoas mais visitam museus. A visitação dos franceses aos museus na França é menor do que a de brasileiros aos museus no Brasil. Isso porque a maioria das pessoas que visita os museus franceses é formada por turistas: eles são 92% dos visitantes do Louvre. No Brasil, a visitação do estrangeiro é de apenas 5% do público dos museus. Esse processo ocorreu porque conseguimos cativar uma geração pós-redemocratização. É mérito das instituições, da linguagem e do esforço de trazer o brasileiro excluído para os museus, com as visitas das escolas e as gratuidades.

Essa é a realidade para todo o país?

Não, porque os museus estão pesadamente localizados no Rio de Janeiro e em São Paulo, onde residem cerca de 30 milhões de pessoas. Nesse universo, o percentual que vai a museus é alto. Agora, quando somados os 200 milhões de brasileiros, a maioria está desprovida de museus, pela falta de oferta. Há um problema da capacidade econômica de outros lugares em priorizar o museu. Às vezes, são lugares que nem resolveram o saneamento básico ainda, então é errado que o museu esteja em primeiro lugar mesmo. É mais uma questão de desenvolvimento. Mas, se você for ver, por outro lado, foram abertos nos últimos anos centros culturais em Fortaleza, no Recife, em Porto Alegre. Ainda é uma coisa aqui ou outra ali. Para ter uma onda, precisa de mais.

Como é o processo de criação de uma exposição que usa a tecnologia?

O que me move é criar uma linguagem nova. No mundo todo, as histórias são sempre as mesmas: sobre a traição, o orgulho, a paixão e etc. Temos o Édipo, o Rei Lear, Romeu e Julieta e as grandes histórias que se repetem em várias culturas. E meu trabalho tem sido nos últimos anos o de mudar a linguagem de museus para contar histórias. Jamais me interessei por uma coisa que fosse apenas sobre apertar botões. A gente nunca vai revogar a fisicalidade: o toque, o envolvimento e o sentido de presença. Não existe nada que substitua a escala humana. E essa é uma máquina de percepção riquíssima. Sempre me preocupei em não fazer uma experiência que fosse tão virtual que negasse a corporeidade das pessoas. É isso que torna a interatividade muito intuitiva. Quero aumentar a realidade. Não virtualizar a realidade.

Como a tecnologia evoluiu nos últimos anos nesse campo das exposições?

No início, a questão era como importar, quais impostos pagar e os limites técnicos dos equipamentos. A primeira grande instalação que fiz em 1995, sobre os 100 anos de cinema, tinha uma parede de laser disks com um controle remoto que dava play em todos ao mesmo tempo para iluminar um painel. Hoje, a coisa mais barata de um projeto é a tecnologia. Os equipamentos são praticamente descartáveis. A outra coisa que mudou foi que no passado a gente dava para a tecnologia certa atenção porque ela era muito nova. Você via uma tela iluminada e seus olhos se entregavam. Hoje, isso já é dado como certo. Então, não dá para usar a tecnologia pela tecnologia. É mais desafiador. Ganha importância o que está sendo servido.

De que forma surgiu a ideia de unir a tecnologia às exposições?

Eu sou do Rio de Janeiro, mas já morei na Europa, nos Estados Unidos, em Brasília, Belo Horizonte, São Paulo. Saí muito cedo para a vida. Nunca me senti mais brasileiro do que terráqueo. Quando cheguei de volta ao Brasil, em 1990, havia um país que estava recém-descobrindo a democracia e sem entender como criar a própria história — àquela época, nos Estados Unidos, já havia o museu do Holocausto, que contava os fatos com relatos e não objetos. Na mesma época, existia uma tecnologia audiovisual desprovida de conteúdo. E um conteúdo precisando de linguagem. Eu puxei a barra dessas duas coisas. Por que isso aconteceu fortemente no Brasil? Havia carência de acervo no país. Então, o plano museológico normal de pegar e trabalhar uma coleção com os objetos não estava funcionando. Por outro lado, tinha um olhar jovem virgem, que estava pronto para uma nova linguagem. Esse casamento foi interessante.

Como a exposição da Revista EXAME o desafiou?

Se você olhar pelo lado economês, é a coisa mais árida que existe. Por outro lado, a economia se baseia na realidade. Na exposição, tirei o protagonismo humano e trouxe para as coisas: a comida, o petróleo, o produto industrializado, a infraestrutura, usando a linguagem do jogo. O desafio final é melhorar a educação. Se a gente resolver esse problema, todo o resto resolve. Essa exposição tem um objetivo importante que é os jovens entenderem que não chegamos aqui à toa. Foi uma estrada cheia de nuances, passagens, problemas, mas que devemos nos orgulhar de que estamos numa nação decente. E isso não é pouca coisa.

Como o senhor interpreta as polêmicas recentes nos museus, quando exposições que retratavam temas como a pedofilia foram alvo de protestos?

Interpreto como um jogo político. Não acho que as pessoas que jogaram pedra são o público dos museus. Essas pessoas não fazem parte da comunidade que consome cultura nos museus. Elas pegam a inquietação das pessoas para ocupar um espaço dentro do jogo democrático. Veja um exemplo: falar pedofilia não é fazer pedofilia. Assassinato no cinema não é um crime perante a lei. Existe um limite claro

Por que o senhor acredita que esse tipo de situação tem ocorrido?

É um momento de eleição, com um vazio de liderança grande. Isso faz com que os players se manifestassem da pior maneira possível para angariar voto. Esse fenômeno acontece principalmente por causa das redes sociais, que são instrumento de empoderamento de opinião. Se fosse um louco sozinho na porta do museu, ninguém ia dar bola. Mas há audiência na rede social. Os fundamentos políticos precisam de uma reforma brutal no país.

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