Economia

Mal-estar econômico se instala na Argentina e consumo despenca

Salários perdem corrida contra inflação turbinada pelos aumentos nas tarifas de serviços públicos e por uma constante alta do dólar ante o peso argentino

Argentina: com crise cambial, governo pediu empréstimo ao FMI (Sergei Karpukhin/Reuters)

Argentina: com crise cambial, governo pediu empréstimo ao FMI (Sergei Karpukhin/Reuters)

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AFP

Publicado em 3 de julho de 2018 às 17h19.

Última atualização em 3 de julho de 2018 às 17h21.

Encurralados por uma inflação que se imaginava que seria contida, mas avança em ritmo acelerado, os argentinos expressam seu mal-estar crescente e reduzem seus gastos - em um ciclo vicioso que eles temem que seja a reprise de um pesadelo.

"Há dias em que não entra nenhuma cliente", diz a cabeleireira Mónica Pesce em Belgrano, bairro abastado de Buenos Aires.

"Vim para cá pela densidade populacional. Tenho na minha frente um prédio de 37 andares. Mas agora, apesar de tudo, tenho um salão vazio", lamenta a mulher, viúva, cuja filha é estudante universitária.

Pesce aluga o imóvel onde fica o salão e sua casa - e as duas locações têm correções semestrais. "A inflação traz a angústia e o medo", resume.

Os salários perdem a corrida contra uma inflação turbinada pelos aumentos nas tarifas de serviços públicos e por uma constante desvalorização da moeda diante do dólar, que impacta os preços.

Os pequenos comerciantes são os primeiros a sentir o golpe das contas a pagar, as cargas trabalhistas e um panorama econômico que desperta desconfiança.

Luis Miranda tem uma pequena padaria em Villa Urquiza, no extremo norte de Buenos Aires, onde emprega oito pessoas. Em março, deu aumentos de 15% nos salários, em linha com a meta de inflação anual daquele momento.

Mas, no fim de abril, teve início uma corrida cambial que levou a uma depreciação de quase 35% da moeda somente neste ano e levou o governo a pedir um empréstimo ao Fundo Monetário Internacional (FMI).

Depois disso, o Banco Central projetou a inflação de 2018 em 27%, e o governo abandonou sua meta anterior.

"Achava que a economia ia seguir avançando como tinha sido nos dois anos de (governo do presidente Mauricio) Macri, mas em março começou a ir mal, com preços altos, e não para", lamenta Miranda.

"Neste momento, a economia é muito instável. O preço da farinha aumentou 300%, ou 400%", queixa-se.

Diferentemente de Pesce, Miranda garante que não perdeu clientes. "Mas o consumo caiu. Ninguém compra um quilo de pão. Os clientes gastam o mesmo, mas levam menos", relatou.

Para compensar a queda de receita, a padaria oferece agora pratos feitos - vendidos principalmente para pedreiros e mecânicos que trabalham nas redondezas.

De acordo com a Confederação Argentina da Média Empresa, as vendas a varejo caíram 2,5% nos primeiros cinco meses de 2018.

Promessas descumpridas

"Foi quebrada, em um período curto, uma promessa de que ia haver uma recuperação econômica", diz o sociólogo Ricardo Rouvier para explicar a irritação dos argentinos.

"As pesquisas mostram uma queda na imagem do governo. A maioria da população não vê no horizonte uma certeza de que sua situação vá melhorar", acrescenta Rouvier.

A Argentina sofreu com níveis elevados de inflação durante décadas. Atualmente, o país é uma exceção na região: é a única economia da região com um índice de preços ao consumidor de dois dígitos.

O desemprego chega a 9%, e a taxa de juros foi elevada a 40% em uma tentativa de frear a evasão de divisas.

Em junho, o FMI concedeu um crédito de 50 bilhões de dólares em três anos, encarado com receio pelos argentinos, que lembram com amargura de acordos anteriores com o organismo multilateral.

A firma Ecolatina destaca que, para superar a situação, será "central que o novo influxo de dólares que o acordo com o FMI vai gerar se oriente para estimular a produção, e não para asfixiá-la".

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