Economia

Mais riqueza, mas não para todos

Peter S. Goodman © 2016 New York Times News Service Roterdã, Holanda – Desde que os barcos se aventuraram a cruzar as águas, trabalhadores como Patrick Duijzers ligaram seus destinos ao comércio. Ele é estivador no maior porto europeu, e seu visual com camiseta preta Jack Daniel’s, brincos de argola e inúmeros anéis dão a […]

NAVIO METTE MAERSK: até o trabalho de estivadores começa a sumir por conta do uso de robôs no terminal de cargas de Roterdã / Ilvy Njiokiktjien/ The New York Times

NAVIO METTE MAERSK: até o trabalho de estivadores começa a sumir por conta do uso de robôs no terminal de cargas de Roterdã / Ilvy Njiokiktjien/ The New York Times

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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2016 às 15h33.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h16.

Peter S. Goodman © 2016 New York Times News Service

Roterdã, Holanda – Desde que os barcos se aventuraram a cruzar as águas, trabalhadores como Patrick Duijzers ligaram seus destinos ao comércio.

Ele é estivador no maior porto europeu, e seu visual com camiseta preta Jack Daniel’s, brincos de argola e inúmeros anéis dão a Duijzers um ar de pirata boêmio. Seu salário o coloca firmemente na classe média holandesa: ele ganhou o bastante para comprar um apartamento e tirar férias na Espanha.

Ultimamente, porém, Duijzers passou a ver o comércio global como uma força maligna. A empresa onde trabalha – uma unidade do grupo Maersk, o conglomerado dinamarquês de navegação – está preso em uma batalha ferozmente competitiva pelo mundo.

Ele vê as empresas de transporte rodoviário substituindo os motoristas holandeses por imigrantes do leste europeu. O estivador dá adeus a colegas mais velhos forçados a se aposentar precocemente à medida que robôs roubam seus empregos. Nas três últimas décadas, o número de integrantes de seu sindicato caiu de 25 mil para sete mil.

“Mais comércio global é bom se nós também ganharmos uma fatia do bolo. Mas esse é o problema: não estamos recebendo a nossa fatia do bolo”, diz Duijzers.

Muito além das docas do Mar do Norte, tais lamentos agora ressoam como a trilha sonora a uma rejeição cada vez mais vigorosa ao livre comércio.

Durante gerações, bibliotecas lotadas com livros didáticos de economia fizeram a promessa de que o comércio global aumentaria a riqueza nacional ao reduzir o preço dos bens, elevaria salários e multiplicaria o crescimento. As potências vitoriosas da Segunda Guerra Mundial defenderam a globalização como antídoto a conflitos futuros. Na Ásia, Europa e América do Norte, governos de toda linha ideológica se concentraram no comércio como principal força econômica.

Mas o comércio vem sem a garantia de que os despojos serão divididos equitativamente. Na maior parte do mundo industrializado, a parcela muito maior dos ganhos foi embolsada pelas pessoas com títulos superiores, opções de compra de ações e que necessitam de contadores. Os trabalhadores comuns arcaram com os custos e sofreram o desemprego e o aprofundamento da ansiedade econômica.

Esses custos se mostraram pesados demais em comunidades que dependem da indústria para se sustentar, ultrapassando em grande medida o que os economistas anteciparam. Políticos encantados com a filosofia da economia neoliberal dão crédito à noção de que se pode confiar aos mercados o estímulo ao bem-estar social.

Agindo assim, eles não se prepararam para o trauma que tem acompanhado os benefícios do comércio. Quando milhões de trabalhadores perderam os empregos por causa da concorrência estrangeira, eles perderam o apoio do governo para amortecer o golpe. Em resultado, a revolta está virando de pernas para o ar a política na Europa e na América do Norte.

Nos Estados Unidos, o candidato republicano à presidência, Donald Trump, explorou a ira das comunidades abaladas pelo fechamento de fábricas, denunciando o comércio com a China e o México como uma ameaça mortal à prosperidade norte-americana. A candidata democrata, Hillary Clinton, deu meia-volta, se opondo ao gigantesco acordo de livre comércio englobando o Pacífico que defendeu quando secretária de Estado.

Na Grã-Bretanha, o voto no referendo de junho a favor de abandonar a União Europeia foi em parte uma censura ao sistema, feito por trabalhadores que culpam o comércio pelos salários em queda. Em toda a União Europeia, movimentos populistas ganharam adeptos como uma resposta revoltada à globalização, colocando em risco o futuro dos principais acordos comerciais, incluindo um pacto com os EUA e outro com o Canadá.

“A política comercial da União Europeia está paralisada. É uma situação trágica”, diz o ministro italiano do desenvolvimento econômico, Carlo Calenda.

O Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (Nafta, na sigla em inglês) expôs os trabalhadores dos Estados Unidos à concorrência com o México, mas sua aprovação se deu em meados da década de 1990, quando o investimento jorrava na internet, criando demanda por uma série de produtos manufaturados – móveis de escritório para os programadores do Vale do Silício, caminhões que transportam os frutos do comércio eletrônico. A entrada da China da Organização Mundial do Comércio (OMC), em 2001, resultou em um choque muito maior, mas o surto de construção absorveu muitos funcionários demitidos.

A explosão pontocom agora é uma lembrança distante. A bolha da habitação estourou. Boa parte da economia global está operando sem estímulos artificiais. Trabalhadores sem qualificação enfrentam perspectivas sombrias e concorrência intensa, principalmente nos EUA. Ainda que os dados recentes mostrem que os norte-americanos de classe média estejam finalmente começando a ganhar sua parte da recuperação, a receita de muitos continua abaixo do que era há uma década.

“Os debates que vemos agora sobre globalização e o custo do ajuste deveriam ter sido feitos quando a Nafta foi criada e quando a China entrou para a OMC”, diz Chad P. Bown, especialista em comércio do Instituto Peterson para Economia Internacional, Washington. “Havia pessoas falando nessas coisas, mas elas não eram levadas a sério naquela época. Existe muito arrependimento político”, assegura.

Ainda segundo ele, “precisamos desses acordos comerciais, mas é preciso estar ciente de que teremos perdedores e que é necessário ter políticas para cuidar deles”.

A extensão dos danos sofridos por esses “perdedores” acelerou a erosão da fé nos poderes criadores de riqueza do livre comércio. O ceticismo fincou raízes em algumas das maiores potências comerciais, principalmente Estados Unidos, França, Itália e Japão.

Por causa disso, os EUA mantiveram limites aos benefícios concedidos aos desempregados, deixando os trabalhadores vulneráveis à fortuna em queda. Os sistemas de bem-estar social limitaram os danos na Europa, mas o crescimento econômico tem sido fraco e, os empregos, escassos.

Enquanto isso, a automação ampliou sua sofisticação e alcance. De 2000 a 2010, os Estados Unidos perderam cerca de 5,6 milhões de empregos na indústria, segundo dados do governo. Somente 13 por cento desses empregos perdidos podem ser explicados pelo comércio, de acordo com análise do Centro para Pesquisa Econômica e Comércio da Universidade Estadual Ball. O resto é fruto da automação ou resultado dos ajustes em operações industriais que aumentaram a produção com menos trabalho.

Nos terminais da APM, onde Duijzers trabalha, o movimento orquestrado saúda a chegada de todo navio de contêineres. Os guindastes aceleram, levantando contêineres. Os caminhões se dirigem sozinhos. Mas as pessoas são poucas. “Robôs cuidam das coisas em Roterdã”, afirma reportagem no site da empresa. “Das 74 máquinas em operação no estaleiro, 63 operam sozinhas, sem intervenção humana.”

Mas se os robôs são uma ameaça mais importante aos salários, também é mais difícil culpá-los do que as hordas de trabalhadores mal pagos em fábricas no exterior.

“Nós temos uma política pública em relação ao comércio. Não temos uma política pública em relação à automação”, afirma Douglas A. Irwin, economista da Faculdade Dartmouth.

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