Economia

Macri, o vizinho que “serve de exemplo” para Temer

Macri conseguiu em 2 meses reformar a Previdência do país. Mas os desafios econômicos da Argentina são ainda maiores que os nossos

TEMER E MACRI: com reforma da Previdência aprovada, presidente argentino teve tratamento de estrela pelo colega brasileiro (Adriano Machado/Reuters)

TEMER E MACRI: com reforma da Previdência aprovada, presidente argentino teve tratamento de estrela pelo colega brasileiro (Adriano Machado/Reuters)

Raphael Martins

Raphael Martins

Publicado em 23 de dezembro de 2017 às 09h37.

Última atualização em 23 de dezembro de 2017 às 09h37.

O presidente argentino Mauricio Macri iniciou a semana com uma batalha dentro e fora do Congresso, para a aprovação da reforma da Previdência em seu país, e terminou festejado pelo presidente vizinho, Michel Temer. “Ele aprovou a Previdência lá na Argentina, viu?”, disse Temer aos jornalistas na abertura da 51ª reunião de cúpula do Mercosul na quinta-feira, apontando para o encabulado colega que posava para fotos. “Serve de exemplo”.

Assim como o Brasil, a Argentina passa por uma correção de rumos macroeconômicos que depende de rígidas reformas fiscais. Cada país conseguiu dar um passo. O Brasil aprovou no fim de 2016 a PEC do teto de gastos públicos e uma reforma trabalhista em julho, cujo texto precisou de retoques finais editados de forma impositiva pelo presidente, por meio de medidas provisórias, e, ainda assim, deixou lacunas a serem decididas caso a caso por juízes do trabalho. Desde que entrou em vigor, no início de novembro, não foi possível mensurar ainda se o efeito prometidos pelo governo de criação de empregos se concretizou.

Na Argentina, Macri anunciou no fim de outubro um pacote de reformas nas esferas tributária, trabalhista e eleitoral. A primeira a ser pautada foi a Previdência. Depois de passar pelo Senado, foi aprovada na última terça-feira por margem apertada de votos na Câmara. Foram 128 votos a favor e 116 contra a mudança nas aposentadorias, em sessão que durou mais de 17 horas.

Fora do Parlamento, contudo, o cenário foi de protestos da oposição com confrontos violentos entre policiais e manifestantes, além de greves em setores como transporte público. O grau de resistência foi tamanho que o jornal El País descreveu os protestos desta semana “como não se via desde 2001, quando a crise do corralito deixou como herança 38 mortos e a renúncia do presidente Fernando de la Rúa, que abandonou a Casa Rosada de helicóptero”. Segundo o jornal, foram 162 feridos.

A impopular proposta altera a base de cálculo do benefício de 17 milhões de aposentados argentinos, deixando de ser vinculados aos salários no país, e consequente aumento da contribuição previdenciária, para ser ajustado de acordo com a inflação trimestral e uma parcela menor relacionada aos ganhos de trabalhadores formais. Críticos da mudança apontam que o reajuste semestral cairia de 15% para quase 6% com a fórmula nova. O problema, segundo os críticos, é que a Argentina flutua em índices de inflação anual perto dos 25% ao ano. Nos planos de Macri, a redução estaria de acordo com a previsão de inflação para os próximos meses, que espera-se que chegue à casa dos 12%. No primeiro ano de sua gestão, o índice fechou em 41%.

“Precisamos esperar pelos próximos passos da reforma já que o Cambiemos não tem maioria no Congresso e os episódios de violência nas ruas podem impactar a imagem do presidente. Mas a Previdência era a maior pedra no caminho, o que dá certo otimismo”, diz a economista do banco BNP Paribas para a Argentina, Florencia Vazquez. “Ainda esperamos ouvir nova proposta para idades mínimas de aposentadoria próxima entre homens e mulheres e que a reforma tributária seja aprovada ainda esse ano na Câmara. Será um 2018 muito mais interessante para o país”.

Difícil de engolir

Os déficits fiscais, a infraestrutura capenga, a alta carga e a complexidade de impostos, a corrupção e o ambiente difícil de negócios são características comuns entre Brasil e Argentina. Mas a forma de atacar cada problema é bem diferente. A vitória em ambiente inóspito de Mauricio Macri é o sonho de consumo para Michel Temer. Sancionar uma reforma da Previdência em menos de dois meses seria digno de sonho, considerando que a proposta brasileira foi apresentada há um ano e pouco andou em apenas uma das casas legislativas.

“É possível que exista uma aparência de que Macri está fazendo mais porque começou de um ponto muito mais baixo da economia. Ele herdou do governo de Cristina Kirchner uma economia muito mais fechada e com muito mais intervenções econômicas por parte do governo”, afirma Thomas O’Keefe, economista especializado em América Latina e professor da Universidade de Stanford. “No caso da Argentina é necessário uma transformação da economia. Para o Brasil, o desafio é estabelecer um ambiente que seja mais favorável aos investidores”.

De acordo com O’Keefe, é determinante na condução de uma agenda reformista o apoio político. A agenda Macri, de fato, tem algo que a agenda Temer nunca teve: referendo das urnas. Michel Temer e sua popularidade no chão não ajudam a agenda impopular a sair do papel (apesar de o presidente insistir em dizer que a impopularidade é seu trunfo). Operação Lava-Jato e delação de Joesley Batista deixadas de lado, a ingerência sobre a base política no Brasil é muito mais difusa que na Argentina, o que dificulta a articulação política.

A reforma da Previdência argentina foi apresentada em momento friamente calculado. O presidente Macri detalhou seu plano de reformas logo após ter o seu mandato reforçado nas urnas pelas eleições legislativas de outubro. O partido do presidente, o Cambiemos, venceu em 13 das 23 províncias do país, incluindo nas cinco maiores. “Vencemos o medo e a resignação”, disse o presidente na ocasião.

Nota-se, assim, que o capital político de Macri é crescente, enquanto o de Michel Temer, no Brasil, com um ano de mandato pela frente, não vai sair de onde está. O peemedebista teve também de esperar as eleições em 2016 para apresentar o texto de mudança das aposentadorias. Seu partido tem uma máquina de mais de 1.000 prefeituras em todo o país, cujos votos são decisivos também para manter a forte bancada de 66 deputados federais e 20 senadores. A oportunidade, contudo, pode ter passado nesse tempo. Foram meses de intensificação da crise econômica e do desemprego, minando o capital político (ao menos em Brasília) que o governo tinha logo após o impeachment.

“O governo Macri tem uma agenda muito mais ambiciosa e de melhores possibilidades de concretizá-lo, mas vale lembrar que a Argentina está lutando para voltar a ser um país normal”, afirma Thomaz Favaro, diretor da consultoria Control Risks. “Existe uma questão de escala que coloca o Brasil como um mercado em que poucas multinacionais podem se dar ao luxo de não estar presentes. Mesmo em seus piores momentos, o Brasil manteve níveis altos de investimento direto estrangeiro. Sou um pouco cético com relação à possibilidade de o Brasil virar um patinho feio ou ter a sua atratividade muito limitada pela performance dos vizinhos”.

Em relatório recente, feito pela Control Risks em parceria com a consultoria Oxford Economics, dados de risco comparam o ambiente econômico entre Brasil e Argentina. Na escala de zero a 10 (sendo 10 o máximo de risco), o Brasil tem índices melhores em sete de 14 índices, empata em cinco e perderem dois: risco de demanda de mercado e segurança. Mesmo os riscos políticos são menores, o ambiente de negócios é melhor e o custo país é mais baixo.

Os desafios de Macri são maiores que os nossos. As oportunidades, também.

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