Governo justificou os vetos não alteram o mérito do que foi decidido pelos parlamentares e têm como foco evitar a judicialização com interpretações dúbias no texto aprovado pelo Congresso (CanaGov/Youtube/Reprodução)
Repórter
Publicado em 16 de janeiro de 2025 às 17h00.
Última atualização em 16 de janeiro de 2025 às 20h26.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou, nesta quinta-feira, 16, o principal projeto de lei de regulamentação da reforma tributária com vetos apontados como "pontuais" por "questões técnicas" e sem derrubar trechos pedidos por alguns setores econômicos desde a aprovação do texto pelo Congresso Nacional, em dezembro.
Os vetos da agora Lei Complementar 214 serão agora analisados pelo Congresso, que pode mantê-los ou não.
A sanção ocorreu em solenidade no Palácio do Planalto, com a presença do primeiro escalão do governo federal e autoridades da Câmara dos Deputados e dos Senado. Entre eles, os ministros Geraldo Alckmin e Fernando Haddad, o secretário extraordinário da Reforma Tributária, Bernard Appy, e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Lula não atendeu, por exemplo, ao pleito de entidades do setor de energia, petróleo e gás, como o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), que pediam o veto integral do artigo 441 do Projeto de Lei Complementar (PLP) 68/2024.
O trecho, incluído pelo Senado e mantido pela Câmara dos Deputados, promove benefício fiscal para a gasolina e o diesel da indústria de refino de petróleo localizada na Zona Franca de Manaus (ZFM). A manutenção dessa e outras vantagens para o polo industrial foi elogiada pelo senador Eduardo Braga (MDB-AM) que relatou a proposta na Casa Legislativa.
O parlamentar justificou que, sem as medidas, "boa parte dessa população estaria destinada à fome ou a miséria, ou coisa pior, entregue ao narcotráfico e às facções". "Presidente disse 'não' a essa hipótese e sim para um futuro digno a esse povo [da região amazônica]", declarou Braga na cerimônia.
Lula reuniu integrantes de sua equipe nesta quarta, 15, para discutir a sanção e os vetos. O texto foi aprovado pelo Congresso no fim do ano passado, pouco antes do recesso. O prazo para a assinatura do presidente se esgotava hoje.
O artigo estabelece as atividades que não são contribuintes do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS).
O quinto inciso vetado trata dos fundos de investimento. Também ficou de fora os fundos patrimoniais instituídos nos termos da Lei no 13.800, de 4 de janeiro de 2019 e a possibilidade de opção pelo regime regular do IBS e da CBS.
O artigo 36 estabelece que o "adquirente de bens ou de serviços que seja contribuinte do IBS e da CBS pelo regime regular poderá pagar o IBS e a CBS incidentes sobre a operação caso o pagamento ao fornecedor seja efetuado mediante a utilização de instrumento de pagamento que não permita a segregação e o recolhimento nos termos dos artigos 32 e 33 desta Lei Complementar".
O presidente vetou o segundo parágrafo que estabelecia que o adquirente fosse solidariamente responsável pelo valor do IBS e da CBS incidentes sobre a operação.
Houve também vetos na Seção X do texto, que trata dos insumos agropecuários e aquícolas.
Foram derrubados dois parágrafos do artigo 138, que estabelece a redução em 60% das alíquotas do IBS e da CBS incidentes sobre o fornecimento dos insumos agropecuários e aquícolas relacionados na lei.
O governo retirou, por exemplo, a previsão de que o regulamento "disciplinará a forma de ajuste anual pelo produtor rural não contribuinte do IBS e da CBS diferidos na forma dos §§ 2o e 3o em relação à parcela de sua produção vendida para adquirentes que não têm direito à apropriação dos créditos presumidos estabelecidos pelo art. 168 desta Lei Complementar, hipótese em que não se aplicarão quaisquer acréscimos legais até o prazo de vencimento do ajuste", dizia o trecho vetado.
Já no artigo 183, que trata do regime dos serviços financeiros prestados por pessoas físicas e jurídicas supervisionadas pelos órgãos governamentais que compõem o Sistema Financeiro Nacional e pelos demais fornecedores como, observado o disposto no artigo 184, foi vetado o quarto inciso.
O trecho estabelecia que "não estão sujeitos ao regime especial aplicável aos serviços financeiros
as organizações gestoras de fundos patrimoniais constituídas nos termos da Lei no 13.800, de 4 de janeiro de 2019, cujas receitas, previstas no art. 13 da referida Lei, não sofrem a incidência do IBS e da CBS".
Na seção que trata dos serviços financeiros foi derrubado a hipótesesem que o importador dos serviços financeiros seja contribuinte que realize as operações de que tratam os incisos I a V do caput do art. 182, será aplicada alíquota zero na importação, sem prejuízo da manutenção do direito de dedução dessas despesas da base de cálculo do IBS e da CBS, segundo o disposto no art. 192 desta Lei Complementar.
O governo também vetou a incidência de IBS e CBS sobre as operações com bens imóveis de locação, cessão onerosa e arrendamento.
As mudanças nesses artigos tratam do Domicílio Tributário Eletrônico – DTE e das Intimações.
O presidente Lula vetou a não incidência do Imposto Seletivo sobre as exportações para o exterior de bens e serviços de que trata o artigo 409 da Lei Complementar.
Houve uma mudança também no artigo 429 da reforma tributária, que traz ressalva em "caso de exportação, o tabaco em folhas tratadas, total ou parcialmente destaladas, aparadas ou não, mesmo cortadas em forma regular ou picadas, somente será vendido ou remetido a empresa industrializadora de charutos, cigarros, cigarrilhas ou de fumo desfiado, picado, migado ou em pó, em rolo ou em corda".
O veto diz respeito à "venda, remessa ou comercialização dos bens em desacordo com a determinação do caput e do § 1o deste artigo sujeita o infrator à multa em montante equivalente ao valor do imposto devido na operação".
Caiu a permissão para apropriação de crédito do IBS ao contribuinte habilitado na forma do artigo 442, que trata de incentivos fiscais na Zona Franca de Manaus, e sujeito ao regime regular ou ao Simples Nacional crédito presumido de IBS relativo à importação de bem material para revenda presencial nesse polo industrial.
O governo também alterou um dos entendimentos sobre a redução das alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), a partir de 1o de janeiro de 2027. A medida prevê a redução a zero para produtos sujeitos a alíquota inferior a 6,5% prevista na Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados – Tipi vigente em 31 de dezembro de 2023.
Mas foi vetado o trecho que estabelecia a redução desde que fossem obedecidos dois critérios: sido industrializados na Zona Franca de Manaus no ano de 2024; ou projeto técnico-econômico aprovado pelo Conselho de Administração da Suframa (CAS) entre 1o de janeiro de 2022 e a data de publicação desta Lei.
O artigo 162 concede ao contribuinte habilitado na forma do artigo 460 e sujeito ao regime regular ou ao Simples Nacional crédito presumido de IBS relativo à importação de bem material para revenda presencial na Área de Livre Comércio.
Lula vetou o trecho que estabelecia nos termos do quarto parágrafo a apropriação de crédito do IBS, exceto em relação aos acréscimos legais, observadas as regras previstas nos artigos 47 a 56 desta Lei Complementar.
O parágrafo mencionado diz que o importador deverá recolher IBS corresponde ao valor do crédito presumido deduzido do valor devido na importação com os acréscimos legais cabíveis, na forma dos § 2o do art. 29, desde a data da importação, seguindo alguns critérios.
O presidente vetou integramente o artigo 494.
O trecho estabelecia que "em relação aos atos conjuntos do chefe do Poder Executivo da União e do Comitê Gestor do IBS de que tratam os arts. 131, § 2o, 132, § 2o, 134, 138, § 10, 144, §§ 2o e 3o, 145, § 2o, e 146, §§ 3o e 4o, deve-se observar o disposto no § 2o do art. 126 desta Lei Complementar e no art. 14 da Lei Complementar no 101, de 4 de maio de 2000, quando da revisão prevista no art. 475 desta Lei Complementar".
A lista de vetos enviada à EXAME pelo Planalto inclui também a anulação do artigo que previa recriação da estrutura básica do Ministério da Fazenda, a Escola de Administração Fazendária – ESAF.
Também foram incluídos o artigo 517 (na parte em que inclui a alínea 'b' ao inciso XII-A, do §1º, do artigo 13, da Lei Complementar 123/2003; o Artigo 536 e o itens 1.4, 1.5, 1.8 e 1.9 do Anexo XI.
Ontem, Haddad justificou "que os vetos não mexem com as decisões de mérito do Congresso. Mexem com questões técnicas que podem afetar a Reforma Tributária", afirmou.
Na cerimônia de sanção, o ministro acrescentou que o novo sistema tributário, apesar de não ter impactos imediatos, será o "maior legado" de Lula "para a economia". Todos os vetosserão detalhados na edição desta sexta, 17, do Diário Oficial da União (DOU).
O principal efeito do novo sistema tributário é a unificação de cinco tributos — ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins — em uma cobrança única que será dividida entre os níveis federal – com a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) –, e estadual e municipal, com o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Esses dois tributos compõem o Imposto de Valor Agregado (IVA).
O PLP, que agora se torna lei, detalha como o IVA funcionará, assim como o Imposto Seletivo, também conhecido como "imposto do pecado", regimes diferenciados e exceções como os alimentos da cesta básica, que terão o imposto zerado.
A legislação estabelece ainda o funcionamento de mecanismos como o cashback – de devolução dos impostos – e split payment – que permite a segregação automática dos tributos devidos (IBS e CBS) durante as transações de compra e venda de bens e serviços.
Isso significa que, no momento do pagamento, parte do valor destinado aos tributos é direcionada diretamente ao Comitê Gestor do IBS e à Receita Federal.
Nos próximos meses, o Senado também deve analisar o PLP 108/2024 que institui o Comitê Gestor do IBS, e dispõe sobre o processo administrativo tributário relativo ao lançamento de ofício desse imposto e o de Transmissão Causa mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD).