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Licença prévia para importações foi medida precipitada, afirma Ricupero

Para o embaixador, Brasil caiu em contradição com o discurso de livre comércio que vem pregando

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Da Redação

Publicado em 28 de janeiro de 2009 às 18h45.

O Brasil foi precipitado ao impor a exigência de licenças prévias para a importação de artigos que representam cerca de 60% de sua pauta. A avaliação é do embaixador Rubens Ricupero, ex-secretário geral da UNCTAD, o organismo da ONU para a promoção do comércio e desenvolvimento.A licença prévia foi determinada pelo Ministério do Desenvolvimento, nesta semana, sem aviso prévio, e pegou as empresas de surpresa. Alguns setores já relatam paralisação de linhas de produção por falta de componentes e insumos importados. A medida também repercutiu mal em parte do governo, como no Ministério da Fazenda.

Embora grave, a deterioração da balança em janeiro não justificaria essa medida, segundo Ricupero. Além disso, o país estaria contrariando todo o discurso de livre comércio pregado pelo governo Lula. Veja, a seguir, os principais trechos da entrevista.

EXAME - Como o senhor avalia a imposição, pelo governo, de licenças prévias de importação?
Rubens Ricupero -
É, sem dúvida, uma medida surpreendente. Ela foi tomada num momento em que se começa a perceber uma deterioração acentuada da importação. Mas ainda não houve um período suficientemente longo para sabermos se essa tendência vai se manter. A medida coloca uma interrogação muito grande para o mercado, porque evoca o passado. É uma situação muito grave.

EXAME - O governo alega que a medida é para monitorar, e não para barrar importações. O senhor concorda?
Ricupero -
Acho que está faltando transparência nesse caso. É difícil acreditar que as licenças sirvam apenas para monitorar as importações. Minha impressão pessoal é que a intenção do governo será conhecida em breve. Se as licenças servirem para reduzir importações - e isso será mostrado pelos números da balança -, e não apenas para fiscalizar, vamos ter problemas de contestação na OMC [Organização Mundial de Comércio]. Parece-me uma contradição do governo. O presidente Lula e o chanceler Celso Amorim têm sido enfáticos em pregar o livre comércio e retomar a Rodada Doha. E, para retomar as negociações, um dos compromissos é evitar qualquer protecionismo. O problema é que não tenho notícias de nenhum país do porte do Brasil que tenha adotado uma medida semelhante.

EXAME - O Brasil está sendo protecionista?
Ricupero -
É uma medida de cunho protecionista. O Acordo Geral [de Livre Comércio da OMC, conjunto de regras para o comércio mundial] admite medidas para a queda brusca da balança. As salvaguardas, por exemplo, são aplicadas mais para produtos específicos. Uma medida como a adotada pelo Brasil é para casos de deterioração geral da balança. Mas é uma absoluta incoerência com as posições que vêm sendo defendidas pelo Itamaraty no G-20 [grupo de países em desenvolvimento liderados pelo Brasil, Índia e África do Sul] e em Doha, e pelo Banco Central.

EXAME - Essa incoerência pode ser um sinal de que o governo está rachado?
Ricupero -
Não conheço esse governo tão bem para ter certeza. Mas a impressão que nos passa é de que há um nível muito baixo de coordenação nesse governo. As licenças prévias são incoerentes com tudo o que o presidente Lula disse sobre livre comércio.

EXAME - Como a licença prévia será recebida pelos outros países?
Ricupero -
Ela vai ser interpretada internacionalmente como muito séria. A impressão que isso passa é que há um descompasso no governo. O Brasil foi um dos mais ativos no G-20, nas duas últimas reuniões da OMC. Se você pegar o pronunciamento do G-20, a referência contra o protecionismo foi colocada lá por pressão do Brasil. Não deixa de ser um óbice. É claro que atrapalha. O grande problema dessas licenças é se transformarem em barreiras.

EXAME - Que tipo de retaliação o Brasil poderia sofrer?
Ricupero -
Se ficar claro que as licenças prévias são um obstáculo às importações, os países prejudicados poderão pedir uma consulta do Brasil na OMC. Em seguida, poderão solicitar a instalação de um painel contra o país. Nesse caso, se for confirmado que as licenças prévias são uma barreira quantitativa à entrada de produtos, e isso viola as regras do comércio mundial, o painel pode decidir contra o Brasil. A primeira decisão será que o país deverá abolir a licença. Se não eliminá-la, os países prejudicados poderão retaliar o Brasil comercialmente, impedindo a entrada de produtos brasileiros em valor equivalente ao que perderam no nosso mercado. É um processo longo.

EXAME - Mas o que poderia ser feito para conter as importações?
Ricupero -
É claro que, se a situação do Brasil ficar crítica, há remédios que são admitidos pela legislação internacional. O Acordo Geral da OMC prevê medidas que podem ser adotadas em casos graves de deterioração da balança comercial. Mas ainda não houve tempo para caracterizar isso no Brasil. É uma deterioração muito incipiente. Eu penso que as licenças têm caráter muito mais preventivo do que fiscalizador.

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