André Lahóz, de EXAME, Cristiane Olivieri, advogada, Ricardo Piquet, do Museu do Amanhã, Luiz Gustavo Barbosa, da FGV e José Paulo Martins, da FGV (Flávio Santana / Biofoto/Exame)
Guilherme Dearo
Publicado em 14 de dezembro de 2018 às 17h25.
Última atualização em 27 de dezembro de 2018 às 20h46.
São Paulo - Muita gente não conhece os mecanismos e funcionamentos da Lei Roaunet, abrindo caminho para fake news e desinformação. A lei é acusada de "financiar artistas de esquerda" e de "tirar impostos" da sociedade brasileira. A matemática, contudo, mostra o oposto: a lei retorna mais dinheiro à sociedade que a renúncia fiscal "toma". Além disso, financia, em 90% dos casos, projetos pequenos, de menos de R$ 100 mil, não de artistas famosos.
Um novo estudo da FGV, por exemplo, que pela primeira vez mapeou os gastos de 27 anos da lei federal de incentivo à cultura, mostrou que a lei retorna 59% mais à sociedade que o valor captado.
Entre 1993 e 2018, a lei gerou R$ 31,22 bilhões em renúncia fiscal, em valores reais corrigidos pelo IPCA. Esses R$ 31,22 bilhões não só retornaram à economia brasileira como geraram outros R$ 18,56 bilhões. No total, o impacto econômico da lei foi de R$ 49,78 bilhões.
Especialistas concordam que a lei deve ser mantida e protegida pelo governo federal. Se há mudanças, deve ser no aumento da eficiência da gestão dos projetos e da divulgação dos resultados positivos. Além disso, a lei não pode suportar o peso do incentivo cultural sozinha: precisa da ajuda de um fundo nacional de cultura funcionando adequadamente, por exemplo.
O debate aconteceu durante o EXAME Fórum Cultura e Economia Criativa, nessa sexta-feira (14) em São Paulo. Participaram do painel Ricardo Piquet, presidente do Museu do Amanhã; Cristiane Olivieri, advogada e autora do livro “Cultura Neoliberal - leis de incentivo como política pública de cultura”; Luiz Gustavo Barbosa, coordenador Fundação Getúlio Vargas; e José Paulo Martins, secretário de Fomento e Incentivo à Cultura do Ministério da Cultura .
"Sou contra todas essas críticas à lei, por uma questão matemática. Os números mostram que ela funciona", disse Ricardo Piquet. O diretor do Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro, citou uma certa "perseguição" em torno da lei e da cultura. "Cultura representa apenas 0,6% de toda a renúncia fiscal do País, enquanto outros setores como agricultura e automobilístico têm muito mais renúncia de impostos. Mas, por algum motivo, a única área em que se cobra tanto cada centavo da prestação de contas, onde se esmiúça tanto, é a área cultural. Ninguém cobra a transparência dos recursos das outras indústrias, não sabem onde o dinheiro de fato está sendo investido ou qual foi o retorno social", analisou.
"A lei está sendo explorada politicamente. Há desconhecimento sobre seu funcionamento e seu impacto. Colam sua imagem aos grandes artistas, mas na verdade é uma lei que viabiliza projetos na maioria gratuitos e acessíveis. Exposições, novos museus, shows", analisou Cristiane Olivieri.
Falha de comunicação
Os próprios membros do setor cultural fazem uma mea-culpa e admitem que falharam em informar melhor a sociedade sobre os mecanismos e benefícios da lei. A falta de uma estratégia de divulgação abriu espaço para as bravatas e a exploração oportunista em discursos políticos.
"Ela ganhou a culpa de todos os males, coitada. Uma pesquisa como essa da FGV permite que as pessoas comecem a receber mais informação, entendam que o que falam por aí é fake news", disse Cristiane.
"A sociedade tem uma visão distorcida. E na época da eleição vira questão ideológica. Claro que há falhas. Entre três mil projetos no ano, uns três podem sim cometer erros. Isso não impede de qualificar a lei como grande ferramenta de fomento à cultura. Nós comunicamos mal seus resultados", analisa Piquet.
José Paulo Martins contou uma história que vivenciou em um aeroporto no Rio de Janeiro. "Na fila da terceira idade, antes do embarque, uma senhora viu meu broche, onde estava escrito Ministério da Cultura. Ela reagiu na hora, dizendo 'Mas lá é tudo ladrão'. Ela disse que tinha visto no programa do Ratinho que no MinC só tinha artista que roubava dinheiro".
"Nessa última eleição o debate foi pedestre em todas as áreas. Fizeram críticas a uma lei sem fundamento nenhum. Estamos sendo vítimas de um debate pobre", disse Luiz Gustavo Barbosa, da FGV.
Para Ricardo Piquet, a lei deverá continuar sem ataques. "Não acho que haverá desastres nessa área. A lei incentiva uma indústria que beneficia qualquer governo", disse.
Sem citar nomes, mas falando do presidente eleito Jair Bolsonaro, Cristiane falou da exploração da desinformação em torno da lei durante a eleição em outubro. "Há apreensão sim no setor cultural, já que falaram que iam acabar com a Lei Rouanet. Mas não foi o primeiro candidato nem o primeiro presidente eleito a falar que a lei ia acabar. Entendo que ele estava reproduzindo o que seus eleitores queriam ouvir", disse.
Para Martins, a lei precisa de apoios adjacentes. "Faltam recursos para a cultura. Não bastam os recursos das renúncias fiscais. O orçamento da União precisa contemplar as políticas culturais. Assim projetos podem atuar em áreas não assistidas pelos projetos de incentivo à cultura. Precisamos estabelecer uma política clara nesse sentido", disse Martins.
"Temos que ir pela lógica econômica. Se faz sentido economicamente, precisa manter a lei", concluiu Barbosa. Para ele, o novo governo tem um perfil que, teoricamente, condiz com a lei. "É um governo liberal, da Escola de Chicago. Na lógica desse liberalismo, faz sentido manter a política da Lei Rouanet, onde setor privado atua com força ao lado do setor público", disse.