(Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Agência O Globo
Publicado em 19 de abril de 2022 às 10h32.
Última atualização em 19 de abril de 2022 às 13h00.
A possibilidade de um dinheiro extra sempre é bem-vinda. Mas o saque extraordinário do FGTS de 2022, que permitirá que cada trabalhador retire da sua conta até R$ 1.000 a partir desta quarta-feira, vai ter um impacto bem menor para as famílias brasileiras.
A disparada da inflação, que supera os dois dígitos há sete meses, corroeu o poder de compra dos brasileiros. Com isso, o valor de R$ 1.000 de hoje compra bem menos do que os R$ 1.045 do resgate anterior do FGTS, liberado pelo presidente Jair Bolsonaro em abril de 2020, no início da pandemia.
Em itens básicos do dia-a-dia, como gasolina e óleo de soja, dá para pagar com esta quantia apenas metade do que era possível dois anos atrás.
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Em 2020, com R$ 1.045, dava para pagar 257 litros de gasolina, ou 5,14 tanques de um HB20, um dos carros mais vendidos na época. Este ano, R$ 1 mil serão suficientes apenas para 137,6 litros de gasolina, ou 2,75 tanques.
Em 2020, era necessário acrescentar R$ 44 para comprar um Galaxy A01, celular de entrada da Samsung. Hoje, quem estiver interessado em comprar o Galaxy A03, atual smartphone de entrada da marca coreana, terá que usar todo o saque do fundo e complementar com R$ 299.
André Braz, economista da Fundação Getulio Vargas (FGV), lembra que a inflação dos últimos dois anos subiu bastante, sobretudo no grupo de alimentos, energia elétrica e combustíveis:
— São aumentos que não dá para driblar. Ninguém pode economizar na comida, a gente precisa comprar arroz e feijão. Para quem é mais dependente da gasolina, esse é um problema, mas o diesel, que é responsável pelo escoamento da produção agrícola, transporte nas rodovias e transporte interurbano, tem um impacto grande e indireto no custo de tudo que a gente compra.
Essa inflação corroeu o poder de compra e fará com que o dinheiro renda menos.
— A inflação está maior agora, está pegando uma velocidade maior e mais persistente e está mais rapidamente destruindo o valor do dinheiro. Isso vai penalizar bastante aquelas pessoas que usarem esse dinheiro para complementar o orçamento do mês ou pagar uma dívida — alerta o economista.
E não é só a inflação que fará os efeitos do saque extraordinário serem menores para a economia agora. O cenário econômico como todo mudou. Hoje, há bem mais famílias endividadas, o que deve levar muitos a usarem os recursos extras para colocarem as contas em dia, em vez de ampliarem o consumo e movimentar o comércio e o serviços.
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Segundo dados da Confederação Nacional do Comércio (CNC), em fevereiro 76,6% das famílias tinham algum financiamento em fevereiro e 27% estavam com alguma conta atrasada, contra 66,6% de pessoas com financiamentos em abril de 20202 e 21,6% das famílias com contas atrasadas na data do último saque livre do FGTS.
Assim, embora o saque de agora deva beneficiar, segundo contas do governo, 42 milhões de pessoas com R$ 30 bilhões, ele deverá ser menos sentido que em abril de 2020, quando 31,7 milhões de brasileiros, juntos, sacaram R$ 24,2 bilhões.
O saque do FGTS começou no governo de Michel Temer, que em 2017 liberou saques integrais de contas inativas do fundo. Quando assumiu a presidência, Jair Bolsonaro repetiu a fórmula em 2019, criando duas modalidades de saque: imediato (limitada a R$ 500) e aniversário (em que o trabalhador poderia fazer uma retirada anual).
Em 2020, mais uma vez ele liberou o saque de até R$ 1.045 das contas para aquecer a economia. O problema é que o que o brasileiro comprava com R$ 1.045 há dois anos não cabe mais no atual valor.
O economista-chefe na Austin Rating, Alex Agostini, lembra que, além da diminuição do valor nominal do saque do FGTS, o custo de itens da cesta básica aumentou muito nesse período: 36%, considerando as pesquisas do Dieese.
— A medida de liberar o FGTS é muito boa no sentido de que se não houvesse essa ajuda, as camadas com menos renda da sociedade sofreriam muito mais, porque elas não têm nenhum mecanismo de proteção do aumento da inflação — observa.
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Para Camila Abdelmalack, economista chefe da Veedha Investimentos, o consumo, principalmente das famílias mais pobres, vem sendo bem comprometido e está restrito a itens de subsistência.
— A gente tem o poder de compra da população comprometido pelos gastos de subsistência. O contexto de conflito no leste europeu acentuou essa preocupação com a inflação não só dos combustíveis, mas também da alimentação por conta dos preços agropecuários — avalia.
Esse contexto diminui o otimismo para o aquecimento da economia pelo incentivo ao consumo:
— O que me parece, dado esse contexto do cenário inflacionário, é que isso vem como complementação de renda nesse momento em que os preços de produtos e serviços essenciais estão mais caros.
Para ela, ainda que o endividamento das famílias tenha subido, esses recursos não serão usados para quitação de dívidas porque serão complemento do orçamento familiar.