Agronegócio (Edwin Remsburg/Getty Images)
João Pedro Caleiro
Publicado em 22 de agosto de 2019 às 06h00.
Última atualização em 22 de agosto de 2019 às 06h00.
Uma audiência pública na Comissão de Agricultura do Senado (CRA) nesta quarta-feira (21) contou com com representantes de órgãos ligados à exportação da produção agrícola.
Segundo os participantes da reunião, cada vez mais o Brasil tem sido associado a desmatamentos, abuso de agrotóxicos e descaso com a pauta ambientalista pela mídia e movimentos sociais internacionais, e é preciso que o Estado brasileiro reaja a esta situação.
Para o secretário de política externa comercial do Itamaraty, o diplomata Norberto Moretti, o Brasil está "perdendo a guerra da informação" para movimentos articulados internacionalmente, que tem o interesse comercial de prejudicar nosso agronegócio.
Ele avalia que a situação está "degenerada" e por isso o Brasil precisa realizar um esforço unificado para recuperar o prejuízo e reverter percepções "distorcidas" que vêm se cristalizando.
"A imagem de nosso país no exterior tornou-se uma preocupação de todos, no governo e no setor privado. Virou um tema de crucial relevância. Uma percepção equivocada sobre nosso agronegócio vem se sobrepujando, resultado em parte de ignorância, em parte de má-fé e interesses inconfessáveis. Várias forças se conjugaram visando consolidar uma imagem equivocada sobre a sustentabilidade ambiental e a segurança social de nosso agro", disse.
Boicotes
Sem citar um país especificamente ou grupos comerciais, Moretti informou que recentemente o Parlamento de um país europeu chegou a interpelar o CEO de uma empresa por produzir no Brasil.
Também citou o boicote liderado pela rede de supermercados sueca Paradiset, a maior da Escandinávia, contra produtos brasileiros.
A Paradiset já retirou das suas prateleiras todas as marcas de café, águas-de-coco, chocolates, limões e mangas produzidas aqui, alegando que o Brasil virou "o paraíso dos agrotóxicos".
A audiência foi presidida pela senadora Soraya Thronicke (PSL-MS), que também disse estar "muito preocupada" com o que está ocorrendo.
Sem citar o nome do grupo econômico, informou que uma rede de supermercados da Nova Zelândia também começou a boicotar os produtos importados do Brasil.
Buscando responder a este quadro, Moretti acrescentou que o Itamaraty juntou-se ao Ministério da Agricultura e a outros órgãos governamentais visando reverter a "guerra de narrativas".
"Monitoraremos o que vem sendo feito e disseminaremos as informações certas. O Estado brasileiro precisa de uma narrativa integrada, baseada em dados científicos sólidos publicados por instituições respeitadas aqui e lá fora. Isso é uma guerra travada em diversas batalhas, e nós precisamos vencer. No momento estamos perdendo. Uma notícia equivocada num jornal pode sim gerar prejuízos. Parte de nossa estratégia será usar as redes sociais para disseminar as informações corretas e recompormos nossa imagem", revelou.
Colaboração com a União Europeia
Thronicke também considera "injusta" a má imagem do Brasil no exterior, pois entende que nosso país não negligencia a pauta ambiental.
Ela chegou a sugerir ao presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Celso Moretti, também presente à audiência, que exporte a tecnologia brasileira de reflorestamento para a União Europeia.
"O Brasil é agro, mas também é verde. Que a Embrapa ajude a União Europeia, já que eles desmataram todas as suas florestas e emitem tanto CO². Estou muito preocupada, precisamos ajudá-los. A Embrapa precisa levar a eles a tecnologia de reflorestamento que implantou aqui. Eu conheço produtores de grãos brasileiros interessados em exportar as sementes. Convido as mais de 100 ONGs milionárias do Fundo Amazônia a também aderirem a esta causa, vamos criar um fundo mundial de reflorestamentos", pediu.
Acordo Mercosul-UE
O acordo do Mercosul com a União Europeia também foi tema de preocupação na audiência. O senador Luiz Carlos Heinze (PP-RS) confessou que o acordo recentemente firmado entre Mercosul e União Europeia (UE) lhe traz temores.
Para ele, o próprio Mercosul, "um acordo mal concebido", mostrou-se danoso aos estados do sul do Brasil, pois avalia que Argentina e Uruguai oferecem uma concorrência "quase desleal" na agricultura.
Já sobre o acordo Mercosul-UE, chama atenção a brutal diferença de subsídios, quando comparamos a produção nacional com o resto do mundo.
"O subsídio brasileiro para a agricultura é algo em torno de U$ 1,2 bilhão. Já dados de 2018 mostram que o governo dos EUA subsidiou sua produção em mais de U$ 90 bilhões no ano passado. No mesmo período, a União Europeia subsidiou seus produtores em U$ 126 bilhões, e a China, em U$ 230 bilhões. E com um agravante, nossa carga tributária sobre os alimentos é a maior do mundo. Tudo isso distorce a competitividade, por isso o acordo Mercosul-UE tem que ser discutido com muita profundidade pro nós" defendeu.
Já Flávio Campestri, do Ministério da Agricultura, defendeu o acordo Mercosul-UE. Reconheceu que diversos setores produtivos brasileiros serão desafiados caso o acordo se consolide.
Por isso são previstos períodos de transição para algumas culturas, que não serão totalmente desgravadas num primeiro momento, levando até 15 anos para que a importação livre seja possível.
Ele garantiu que o governo está plenamente atento a estas pautas, mas está convicto que o acordo e outros que o Brasil ainda vai fechar, "abrirão grandes janelas de oportunidades" ao agronegócio, e que é preciso que o Brasil entenda que "para recebermos, também temos que dar alguma coisa", finalizou.