Economia

iFood e Boticário têm um ponto interessante em comum, diz professor da Insead

Felipe Monteiro, especialista em gestão, trouxe missão de empresários estrangeiros ao Brasil para aprenderem com o país

Felipe Monteiro, professor da escola de negócios Insead (Divulgação)

Felipe Monteiro, professor da escola de negócios Insead (Divulgação)

Rafael Balago
Rafael Balago

Repórter de macroeconomia

Publicado em 15 de outubro de 2025 às 06h01.

O professor Felipe Monteiro, da escola de negócios francesa Insead, faz pontes entre os países: leva empresários brasileiros para aprenderem no exterior e traz gestores e alunos de fora ao Brasil para ver as melhores ideias daqui.

No fim de setembro, ele trouxe um grupo deles a São Paulo, que visitou empresas como iFood, VTEX e Itaú. Para ele, o Brasil se destaca por ter um público consumidor muito aberto a novidades e empresários dispostos a testar ideias com rapidez.

“Aqui, em qualquer lugar, tem reconhecimento facial. Se fosse lá fora, haveria muito mais preocupações com a privacidade de dados. “Por que eu estou dando minha foto para você?” Aqui, o consumidor não se pergunta. Ele experimenta, gosta, é conveniente, usa, diz, em conversa com a EXAME.

Em um cenário internacional conturbado, ele destaca as estratégias das brasileiras iFood e O Boticário, que têm um ponto em comum: ambas optaram por focar no Brasil.

“As duas empresas são dominantes no mercado nacional e decidiram não investir no mercado internacional. Se você perguntar ao iFood e ao Boticário, vê que a decisão deles é a seguinte: vou crescer criando mais opções no Brasil”, afirma. 

Monteiro já foi professor e pesquisador em três das instituições mais prestigiadas do mundo: Harvard, London School of Economics e Wharton. Na Insead, ele também é diretor do Global Talent Competitiveness Index (GTCI), que mede a capacidade dos países de atraírem talentos. A próxima edição do ranking sairá em novembro. Veja a seguir mais trechos da entrevista. 

O que a missão de empresários estrangeiros veio ver no Brasil?

Há interesse no Brasil porque, mesmo com todas as deficiências, o país tem vários players digitais que são extremamente inovadores.

O Brasil é um dos principais mercados não apenas por causa da infraestrutura, mas do comportamento do consumidor brasileiro de querer experimentar. O Brasil é o terceiro maior mercado do ChatGPT. A estrutura necessária é apenas o celular, então não precisa de outros tipos de infraestrutura que no Brasil não funcionam bem, como a logística. E há um comportamento do consumidor brasileiro, que é predisposto a experimentar. Aqui, em qualquer lugar, tem reconhecimento facial. Se fosse lá fora, haveria muito mais preocupações com a privacidade de dados. 'Por que eu estou dando minha foto para você?' Aqui o consumidor não se pergunta. Ele experimenta, gosta, é conveniente, usa. 

Nesta viagem, vamos falar com umas 20 pessoas. Não só os nativos digitais, mas também as empresas de outros setores que estão se transformando. Os casos do Itaú e do Boticário são super interessantes. 

O que tem chamado a sua atenção nas conversas com executivos brasileiros?

Há uma rapidíssima adoção da inteligência artificial no Brasil. Os líderes estão experimentando e é algo que não vai voltar. Mas a inovação não está apenas na tecnologia, mas no modelo de gestão. O iFood, por exemplo, eles te entregam em 15 minutos, mas tem uma maneira de gerir a empresa que é muito diferente. 

É uma empresa muito científica, em que as coisas são decididas com testes. Eles fazem uma quantidade enorme. Por exemplo: se eu colocar o prato de maneira assim, isso muda a propensão de compra? Em vez da gente ficar debatendo, testa. Vamos colocar isso num grupo de 1.000 clientes e fazer o teste rápido e muito cientificamente, porque muita gente usa. Eles têm escala. É barato e eles fazem muitos testes. 

Tem também a ideia do jet ski. Eles reconhecem que são um transatlântico e que não conseguem mudar de rumo rapidamente. Mas tem várias iniciativas que são como jet skis, que são muito rápidas. Checam, testam e voltam. 

O iFood agora está enfrentando a concorrência de novos nomes, como o 99Food. Como reagir?

Eles vão ter que continuar inovando de uma maneira brutal. Competir por preço não faria sentido. Você vai dando um desconto, o desconto uma hora acaba. Você tem que competir por outras coisas. Eles crescem nas adjacências. O iFood está muito bem posicionado porque está oferecendo tudo ao redor. O iFood tem um paralelo interessante com o Boticário.

As duas empresas são dominantes no mercado nacional e decidiram não investir no mercado internacional. O Boticário tem alguma operação internacional, mas muito pouco comparado com a Natura, que foi ao exterior, mas agora tá voltando porque não deu certo. A Natura não tinha capacidade de gerir o tamanho do que ela comprou. 

Se você perguntar ao iFood e ao Boticário, vê que a decisão deles é a seguinte: vou crescer criando mais opções no Brasil. O Boticário começou tendo uma loja lá em Curitiba. Ainda tem loja, mas agora tem também revendedora; tem e-commerce próprio. Eu tenho a plataforma multimarcas. Eu deixei de ser “mono brand” para ser “multi brand”. Enquanto na Natura é tudo Natura, o Boticário é dono de sete marcas diferentes. 

O cenário externo complexo, com as tarifas de Trump, tem afetado os planos internacionais das empresas?

Há duas coisas. Quem já tem uma presença internacional está se preparando para um mundo em que mover mercadorias não será tão rápido e tão fácil. Então, tem muitas empresas reconsiderando seu global supply chain. Ao mesmo tempo, é um processo demorado. Se eu configurei uma cadeia global, não consigo mudar de um dia para o outro. No longo prazo, vai ter uma mudança, um redesenho nas cadeias globais de suprimentos. No curto prazo, muitas empresas estão trabalhando com redundâncias. Eu já sei que não posso contar 100% com isso, então vou ter mais opções. 

Se eu não tenho uma pegada global ainda, começo pensando sobre quais países. Se eu quero ir para os Estados Unidos, há um motivo a mais. Se eu exportar do Brasil, pago tarifa de 50%. Se eu produzir lá, tenho zero. Um caso interessante é o da Weg. Ela tem um footprint global, mas está na China para atender à China e competir no mercado local e,de lá, vender para o resto do mundo. 

Como vê as perspectivas para a economia da Europa? 

A Europa tem uma crise de identidade, que é encontrar seu espaço numa economia onde há essa polarização entre os Estados Unidos e a China. Há um questionamento que hoje está muito forte na Europa: como encontrar um meio-termo? Se a Europa regula tanto, pode ser que ela se atrase na corrida da IA, por exemplo. 

Por outro lado, talvez a Europa seja o único ponto central do mundo que é um continente dominado por democracias, dado o nível de instabilidade institucional nos Estados Unidos e a condição da China. De alguma forma, a Europa conseguiu resistir. 

Dos meus filhos hoje, um está na Itália, outro na Holanda. Nós somos franceses e é como se eles tivessem se mudado do Rio para São Paulo. Mesmo telefone, mesma conta de banco. Enquanto os Estados Unidos estão brigando com o Canadá e o México, [a Europa] é um outro mundo, bem mais estável. 

Como as restrições a alunos estrangeiros nos EUA trazem reflexos para as universidades na Europa?

Com os dados atuais, não consigo enxergar nenhuma mudança que já se tenha se manifestado. No longo prazo, se ficar muito difícil ir para os Estados Unidos, as pessoas poderão buscar outras escolas de negócios, como a Insead. 

Além disso, fica cada vez mais importante preservar e defender um mundo multilateral. A escola [Insead] foi fundada depois da Segunda Guerra Mundial para ajudar a Europa a se reconstruir, por meio de uma escola de negócios. Eram países que estavam lutando e começaram a estudar juntos novamente. 

Um segundo ponto interessante é que a gente não tem nenhuma nacionalidade predominante. É a política da escola não ter turmas predominantes de americanos, de franceses ou de Singapura. Eu trabalhei em Harvard, na London Business School, e em Wharton. Três escolas ótimas, mas com centro de gravidade, que é anglo-saxão. Há uma discussão no grupo e há um pensamento predominante ali. A gente procura um modelo que valoriza a mistura e os pontos de vista diferentes. 

Neste momento, o governo Trump tem pressionado as universidades americanas a mudarem suas diretrizes, como a inclusão de minorias. Quais serão os efeitos disso?

A gente tem que separar o que são os Estados Unidos, o que é o Trump e o que é a universidade americana. É uma potência impressionante, que tem muitos centros de pesquisa. Eu não diria que as universidades americanas estão adotando um pensamento de uma só visão. Mas tem a pressão financeira [do governo Trump] e não é fácil você manter uma independência. Isso ocorre também em outras partes do mundo. 

Mas tirando qualquer política, eu acho que há mais um sentimento de um mundo polarizado. Na França não seria diferente. Quando você tem maioria, você polariza. E fica com campo A contra campo B. Quando você está em ambientes multilaterais, essa formação de maioria não é fácil. O mundo, afinal, é multipolar. 

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