Economia

Idade mínima já é vitória imensurável, diz economista do Ibre/FGV

Embora seja difícil calcular o limite das concessões, o economista não considera que o governo cedeu demais na reforma da Previdência

Previdência: "Desde 1996 já era evidente que a ausência de uma idade mínima torna nosso sistema insustentável", diz o economista (Marcos Santos/USP Imagens/Fotos Publicas/Reprodução)

Previdência: "Desde 1996 já era evidente que a ausência de uma idade mínima torna nosso sistema insustentável", diz o economista (Marcos Santos/USP Imagens/Fotos Publicas/Reprodução)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 3 de maio de 2017 às 12h04.

Última atualização em 3 de maio de 2017 às 12h06.

Rio - Mesmo com as concessões feitas pelo governo em relação à proposta original da reforma da Previdência, a introdução de uma idade mínima para se aposentar será uma "vitória incomensurável", na visão do economista Fernando de Holanda Barbosa Filho, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).

Embora seja difícil calcular qual o limite das concessões seria aceitável para evitar estragos no equilíbrio das contas públicas, o economista não considera que o governo cedeu demais. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Após as mudanças na Câmara, a economia a ser gerada pela reforma da Previdência ficou em 75% da proposta original. Continua valendo a pena?

A introdução de uma idade mínima, por mais que a da mulher seja 62 anos e não seja igual à dos homens, como se pretendia, é uma vitória incomensurável. Desde 1996, quando se tentou fazer essa reforma, já era evidente que a ausência de uma idade mínima torna nosso sistema insustentável ao longo do tempo. Ter idade mínima, reduzir a distância entre homens e mulheres e incluir a contribuição, quase simbólica, dos trabalhadores rurais é um grande passo.

A idade mínima é o símbolo da reforma?

Ela derruba um ponto que está aí há anos e no qual a gente não quer tocar, sempre com a desculpa de proteger o mais fraco, a pessoa pobre, que entra antes no mercado de trabalho. Sempre usaram essa fumaça, que é mentirosa.

Na verdade, o cara que não estuda e entra antes (no mercado de trabalho), para o qual a informalidade é alta, já trabalha até os 65 anos. Mexer nisso, que de certa forma beneficia a classe média e média alta do País, é um ponto superpositivo.

Quais as principais perdas da proposta na Câmara?

A reforma tinha outras características bastante edificantes que foram derrubadas, como universalizar a regra de acesso.

Universalizar é acabar com as aposentadorias especiais?

Exatamente. Fui uma vez a um debate em que alguém, falando sobre a aposentadoria especial para professor, me perguntou se eu já havia dado aula para criança. Com certeza, não. Mas também nunca dirigi um ônibus lotado, engarrafado, na Avenida Brasil (via expressa que corta os subúrbios do Rio), sem ar-condicionado, oito horas por dia.

São duas coisas bastante difíceis, mas não vejo porque eu devo beneficiar um grupo e não beneficiar o outro. Tem uma coisa que pode ser diferente, porque é diferente no mundo, que são os militares e policiais. Aí, de fato, tem uma diferença que outras profissões não têm. Mas mesmo assim, tem de ter idade mínima - ela existe em outros países.

O que mais de importante foi mudado?

Uma coisa que tiraram, não entendo por que, é o ajuste automático da idade (mínima). Aquilo era fabuloso, porque nunca mais teríamos de ter essa discussão. O mesmo problema que temos hoje, daqui a 30 anos, vamos ter. Uma pessoa de 65 anos vai ser jovem e vai estar se aposentando. Vamos ter de mexer na idade mínima de novo.

O governo cedeu demais?

Acho que não. Se passar uma idade mínima e a extinção de diversos regimes especiais, é um passo adiante na direção correta.

Precisaremos fazer mais? Precisaremos. Essa reforma não resolve para sempre nosso problema previdenciário. Nunca achei que a reforma fosse passar da forma como foi mandada (ao Congresso), embora eu apoiasse, porque é brigar contra muitos grupos diferentes, simultaneamente, num País que durante mais de 20 anos não teve a coragem de tocar nesses pontos sensíveis.

Uma reforma só não bastará?

Não, como não basta em nenhum lugar do mundo. Na França, o (ex-presidente Nicolas) Sarkozy aumentou a idade mínima, teve um protesto danado, o (atual presidente François) Hollande ganhou, reduziu a idade mínima e depois voltou atrás. Isso faz parte do debate democrático, mas, apesar das brigas, as coisas andam.

A gente até hoje não tem idade mínima e tem regimes especiais para lá de benevolentes. Por mais complicado que seja dar aula para 15 crianças, é um absurdo que uma professora se aposente antes dos 50 anos de idade. Essa reforma não consegue acabar com o regime especial, mas impõe idade mínima para professores.

Novos ajustes serão necessários para corrigir distorções que ficaram de fora?

Por mais completa que seja a reforma, a gente continua tendo o aumento da população idosa, a redução da população ativa e o aumento da expectativa de vida. Isso vai fazer com que sempre se tenha de fazer ajustes. A demografia e a democracia vão exigir novas reformas. Assim que a reforma for aprovada, vai haver uma pressão danada da sociedade, das pessoas que perderam direitos, por igualdade.

Qual a importância da reforma?

A reforma nunca foi feita para gerar economia (de recursos). É feita para ajustar um problema estrutural de longo prazo, não para gerar receita amanhã. Estamos resolvendo um problema estrutural, e isso tende a reduzir o risco País. Aí, sim, facilita muito para este governo e para os próximos.

Este governo não vai se beneficiar de nenhum ganho fiscal, mas sim de ganho nas condições de financiamento. O risco despenca, o juro real de longo prazo cai e o Banco Central (BC) pode acelerar a queda do juro básico.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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