Economia

Homens e mulheres devem ter a mesma idade de aposentadoria?

O que duas economistas pensam sobre idades mínimas diferentes de aposentadoria entre os gêneros, ponto da reforma da Previdência que deve ser flexibilizado

Questão divide a opinião de economistas

Questão divide a opinião de economistas

João Pedro Caleiro

João Pedro Caleiro

Publicado em 18 de abril de 2017 às 10h22.

Última atualização em 18 de abril de 2017 às 12h06.

São Paulo - A reforma da Previdência enviada inicialmente pelo governo previa a mesma idade mínima de aposentadoria para homens e mulheres, de 65 anos.

A mudança “não está na pauta”, afirmou recentemente o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles.

O governo já havia cedido em vários pontos, como as regras de transição e as aposentadorias dos trabalhadores rurais, professores e policiais, e esse ponto seguia na proposta.

Até que ontem, o relator da reforma, deputado Arthur Oliveira Maia (PPS-BA), disse que era "muito grande a chance de mudar a idade da mulher" para algo 62 e 63 anos.

O líder do governo no Congresso, deputado André Moura (PSC-SE), confirmou hoje a informação.

A resposta final será dada amanhã, quando o relatório for lido para a comissão que analisa o tema. A questão mexe com a bancada feminina no Congresso e divide a opinião de economistas.

Para Maria Lúcia Pádua Lima, economista da FGV, a expectativa de vida mais alta das mulheres justifica a mesma idade mínima, mas o maior problema do sistema é a desigualdade entre setor público e privado.

Para Joana Mostafa, pesquisadora do Ipea, as mulheres estão em desvantagem no mercado de trabalho e acumulam mais afazeres domésticos, o que justifica uma regra diferente.

Veja o que elas dizem sobre o tema:

A FAVOR: Maria Lúcia Pádua Lima, docente da Fundação Getúlio Vargas (FGV)

"Em momentos de crise fiscal como o presente, com a dificuldade imposta ao conjunto das contas públicas nacionais e subnacionais, a percepção de problemas relacionados ao Sistema de Previdência Nacional se torna mais aguda.

No entanto, a assimetria desse sistema constitui-se em fato inegável por ser composto por regras que induzem a desigualdades injustificáveis de tratamento entre cidadãos.

A mais gritante diferença de tratamento no Sistema de Previdência Nacional é a dicotomia entre setor público e privado. Os dados são alarmantes e comprovam uma assimetria muito difícil de ser justificada e menos ainda aceita pela sociedade brasileira.

Basta mencionar que o pagamento de aposentadorias para cerca de 1 milhão de inativos da União teve um déficit de cerca de R$ 100 bilhões em 2015.

Já o setor privado do INSS teve um déficit similar, mas para pagar a aposentadoria de 33 milhões de pessoas.

Outros problemas estão presentes nesse sistema de previdência como, por exemplo, a diferença de tempo de contribuição e idade de aposentadoria entre homens e mulheres.

Do meu ponto de vista, essa diferença não faz sentido pela singela razão que a esperança de vida feminina é mais elevada do que a masculina.

Mas, francamente, mesmo que a diferença entre gêneros não se justifique, acredito que não se deva perder o foco da principal discrepância existente no Sistema de Previdência Nacional que é a absurda e injustificável desigualdade entre setor público e privado."

CONTRA: Joana Mostafa, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)

"As normas de gênero oprimem a todos.  É notório, por exemplo, que são os homens as maiores vítimas de homicídios, acidentes de trânsito e alcoolismo.  Os homens enfrentam, mais que elas, a esfera pública extremamente violenta de nossas cidades e relações sociais.  Tal situação exige políticas públicas com um olhar especial, o olhar de gênero.

Na Previdência Social ocorre o contrário.  A mulher que participa do mercado de trabalho se depara com uma taxa de desemprego 50% maior que a dos homens desde 1995, ganha 24% a menos que eles e, desde o início da série do IBGE, trabalha 8 horas a mais por semana, somando-se a jornada de trabalho fora e dentro de casa.  Este trabalho de cuidados com idosos, pessoas com deficiência, filhos e afazeres domésticos, não é remunerado, não gera proteção social.

Uma forma de reconhecer esse trabalho, que é útil para toda a sociedade, é diferenciar idades mínimas e o tempo de contribuição para aposentadoria.  Isto dá valor econômico ao sobretrabalho das mulheres e facilita seu acesso a uma renda na velhice, apesar de ainda haver desproteção de 22% entre as mulheres idosas, frente a 13% entre os homens.

Acumulando as 8 horas semanais ao longo da vida laboral, as mulheres trabalham em média 5,4 anos a mais que os homens.  Portanto, está adequada a regra atual que diferencia em 5 anos as idades mínimas e os tempos de contribuição para aposentadoria.

Mas, se a proposta for bem sucedida em elevar para 25 anos a carência para acesso à aposentadoria, hoje de 15 anos, estimamos que 56% das mulheres que contribuem não vão conseguir se aposentar.  Esse percentual é de 27% para os homens.  Segue-se uma masculinização da Previdência Social, reproduzindo a divisão sexual do trabalho.

Além da previdência, outras políticas são necessárias para reduzir a desigualdade de gênero no mercado de trabalho: expansão das creches, que só cobrem 26% das crianças de zero a três anos; acolhimento e cuidado de idosos e pessoas com deficiência; licença parental, compartilhando o cuidado das crianças entre os sexos.  Mas esse futuro é cada vez mais incerto.

Se o presente ainda é muito desigual e o futuro é incerto, o caminho mais promissor é atrelar a aproximação da regra de homens e mulheres a um indicador que funcione como um gatilho.  Ao se verificar uma redução na desigualdade de gênero dispara-se um aumento da idade e carência para a aposentadoria das mulheres.  Assim, a igualdade formal poderá andar junto com a igualdade real."

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