Economia

Hidrogênio verde e eólica offshore: Câmara aprovou parte da pauta verde. O que muda?

Marco legal do hidrogênio verde e regulação das eólicas em alto-mar foram aprovados e seguem para o Senado

Congresso Nacional: projetos aprovados pela Câmara agora seguem para votação do Senado (Leandro Fonseca/Exame)

Congresso Nacional: projetos aprovados pela Câmara agora seguem para votação do Senado (Leandro Fonseca/Exame)

Antonio Temóteo
Antonio Temóteo

Repórter especial de Macroeconomia

Publicado em 2 de dezembro de 2023 às 06h16.

Última atualização em 2 de dezembro de 2023 às 10h39.

Com o apoio do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), dois projetos de lei da chamada pauta verde avançaram no Congresso. O primeiro deles criou o marco legal do hidrogênio verde e reduziu benefícios fiscais previstos inicialmente na proposta. O segundo, que regula a instalação de usinas eólicas em alto-mar, também obriga a contratação de usinas térmicas a carvão e a gás. As propostas seguem agora para o Senado, onde poderão sofrer mudanças. Antes de chegarem lá, suscitam a dúvida: o Brasil está no caminho certo de políticas públicas que auxiliem a transição energética discutida em todo o planeta?

No caso do texto que prevê a geração offshore, o texto foi bastante alterado, com inserções de "jabutis" — fortemente criticados por especialistas do setor elétrico — que terão um custo de R$ 39,1 bilhões para os consumidores de energia.

Os incentivos às usinas a carvão terão um custo adicional por ano de R$ 5 bilhões à conta de luz por 20 anos, segundo estimativas da Abrace Energia. O texto aprovado prevê a prorrogação de 2029 para 2050 da operação das térmicas que serão contratadas pela Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional (EMBPar).

Também foi prorrogado por 36 meses o direito para uma empresa acessar o direito ao desconto de 50% pelo uso do fio de projetos de geração renovável. Essa medida tem custo adicional R$ 6 bilhões ao ano.

O texto também determina contratação obrigatória de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), de eólicas no Sul e térmica de hidrogênio verde à base de etanol, no Nordeste, ao custo de R$ 12,1 bilhões. Além disso, a proposta aumenta o preço para contratação de usinas a gás, com custo de R$ 16 bilhões.

Política pública ficará engessada, diz especialista

Juliana Melcop, advogada especializada em energia do escritório Veirano Advogados, afirma que a proposta aprovada na Câmara onera o consumidor, engessa a política pública e afeta a composição da matriz energética brasileira sem qualquer avaliação técnica.

“Existe uma interferência do Legislativo em pautas regulatórias que não deveriam ser definidas no Parlamento. Isso vai onerar o consumidor e, mais do que isso, os parlamentares acabam engessando a política pública. Tudo ficará engessado para 30 anos. A matriz energética das próximas décadas já está sendo definida pelo Congresso", diz. "Os parlamentares não são especialistas no tema e não estão fazendo esse dever de casa do que deve ser incentivado, além das consequências das decisões para a matriz energética.”

Melcop afirma não ser contrária às fontes de energia fósseis e que reconhece a necessidade de diversificar a matriz. Entretanto, ele afirma que a proposta cria incentivos equivocados e intervém diretamente no setor ao criar uma reserva de mercado para combustíveis fósseis.

A proposta também é criticada pela União Pela Energia, que reúne várias associações do setor de federações da indústria. Segundo a entidade, as medidas propostas oneram a conta de luz, com impactos negativos para a sociedade.

Custo de produção

Para Pedro Rodrigues, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), a geração de energia a partir de eólicas offshore tem o maior custo do mundo, superior à geração nuclear. Segundo ele, o Brasil ainda dispõe de espaço para produção on shore (em terra), a produção de hidrogênio verde não necessariamente depende de eólicas em alta-mar, mas sim de energia renovável.

“Ainda não sabemos o custo de geração da energia na ponta. Imagine produzir a energia cara das eólicas offshore, fazer a eletrolise da água para produzir hidrogênio, para depois produzir energia novamente. A eólica offshore não é ruim. Na Noruega, um país pequeno, não é possível fazer eólicas em terra. Não há espaço. Nessa lógica faz sentido a offshore”, disse.

O debate sobre a viabilidade das eólicas no mar não é novo. Um comentário comum ao avanço das eólicas offshore é o de que elas são caras e o Brasil tem muitos pontos on shore com excelente fator de capacidade. Nessa lógica, o custo de produzir energia a partir do vento no mar não seria atrativo —  nas contas do BTG Pactual, é pelo menos três vezes mais caro do que o Capex necessário para a geração em terra. Em conversa com a EXAME em setembro, Élbia Gannoum, diretora-executiva da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), reconheceu os custos mas rechaçou o argumento. "A idade da pedra não acabou porque acabou a pedra. Se não olharmos para novas tecnologias colocamos a sociedade em um grau de mediocridade grande", diz.

Rodrigues, do CBIE, também defende a diversificação da matriz energética, com energia térmica, seja gás ou a carvão. Segundo ele, mesmo que o tema seja controverso, diversos municípios, sobretudo na região Sul, dependem economicamente das minas de carvão. “O sistema precisa de térmicas, diante da demanda de energia. Nada mais justo do que a discussão ser feita no Congresso. O Legislativo é o local ideal para isso”, disse.

Passado versus o futuro

A economista Joisa Dutra, ex-diretora da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e diretora do Centro de Regulação em Infraestrutura (Ceri), da FGV, afirmou que garantir subsídios para tecnologias já competitivas, como geração de energia por carvão e a gás, é fazer simples transferência de renda indevida.

“Não consigo imaginar uma razão para incluir nessa proposta para suporte para uma nova tecnologia um incentivo para contratação de usinas a carvão até 20250. Custo a acreditar que se forem feitas contas sérias haverá mérito nesses incentivos aos combustíveis fósseis”, disse.

Joisa afirma que o governo brasileiro tem sinalizado que quer incentivar a produção de energia limpa, um passo importante para a descarbonização. Segundo ela, a aprovação do marco legal do hidrogênio verde e das eólicas offshore vão nesse sentido e já há no Ibama pedidos de licenciamento para geração de 200 GigaWatt.

“O governo precisa incentivar tecnologias de energia limpa que ainda não são competitivas. Isso foi feito no passado. O problema é que a dinâmica do setor é disfuncional. Ela agrega, mistura interesses do futuro com os do passado. Isso não nos permite fazer uma análise cuidadosa dos méritos efetivos dos incentivos da tecnologia que o país quer embarcar", diz. "O Brasil quer atrair capital para energia limpa ou para carvão?”

Repositório de jabutis

Laura Souza, sócia do escritório Machado Meyer e especialista em energia, afirma o projeto de lei que regulamenta as eólicas offshore deveria ser um marco para a transição energética, tópico no qual o Brasil poderia há muito ter assumido posição de protagonista.

“O projeto se transformou num repositório de 'jabutis', muitos deles absolutamente contraditórios à política de transcrição, como é o caso do incentivo à geração à carvão e a prorrogação de subsídios para setores já desenvolvidos, quando se poderia fazer uma alocação mais eficiente”, afirma Souza.

Tiago Lobão, sócio do LCFC+ Advogados, avalia que o Brasil deve aproveitar a janela de atração de investimento em energia. Segundo ele, investidores de todo o mundo têm procurado se informar sobre o país em busca de projetos no setor, com segurança jurídica e regulatória. “O projeto das eólicas offshore garante essa segurança. Não ter uma lei que regule essa atividade é pior. Há espaço para o aperfeiçoamento do texto, mas perder essa janela de investimentos seria pior do que está sendo aprovado”, diz.

Lobão também defende que a energia térmica ainda é essencial para o país, mesmo com o forte debate sobre transição energética. “As térmicas não têm intermitência na geração. Geram energia imediatamente quando são acionadas. Tendo intermitência com fonte renovável, as térmicas são acionadas. É a segurança do país", afirma. "Não podemos demonizar as térmicas porque garantem segurança energética."

Hidrogênio verde

Além do hidrogênio verde, criado por meio da eletrólise da molécula da água com uso de energia renovável, o marco legal considera hidrogênio de baixo carbono todo aquele que, na produção, emita até quatro quilos de CO2 para cada um quilo de hidrogênio.

O texto aprovado na Câmara também excluiu uma série de incentivos e subsídios específicos para a produção de hidrogênio no país, que havia sido incluída nas versões preliminares da proposta.

Os textos prévios indicavam a isenção de tributos como Cofins e PIS/Pasep, além de outros incentivos envolvendo a apuração de IRPJ e CSLL. A versão aprovada também excluiu as fontes de recursos da União para o Programa de Desenvolvimento do Hidrogênio de Baixo Carbono (PHBC).

Entretanto, ficou prevista a criação do Regime Especial de Incentivos para a Produção de Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono, o Rehidro, que permitirá a desoneração de impostos federais sobre investimentos.

Eólicas offshore: quais os países que mais investem?

Um boletim da Abeeólica mostra que os investimentos em eólicas no mar ao redor do mundo cresceram significativamente nos últimos anos. A China desponta como o país que mais ampliou a base de GW gerados a partir de eólicas offshore.

Com isso, é natural que o gigante asiático seja o país com maior capacidade instalada no mundo.
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