Garman, da Eurasia: diante do aumento da aprovação de Bolsonaro, o ministro Paulo Guedes começa a calcular que pode ter mais seis anos à frente do Ministério da Economia (Flávio Santana / Biofoto/Exame)
Fabiane Stefano
Publicado em 18 de agosto de 2020 às 14h28.
Última atualização em 18 de agosto de 2020 às 14h44.
Os rumores de uma possível saída do ministro da Economia, Paulo Guedes, alarmaram o mercado financeiro nos últimos dias, mas para o cientista político americano Christopher Garman, diretor executivo para as Américas da consultoria de risco político Eurasia, o cenário é outro: Guedes fica e sua agenda fiscal está fortalecida, apesar das imensas dificuldades que o tema enfrentará nos próximos meses.
“As condições para a permanência do ministro estão provavelmente aumentando, não piorando”, diz Garman. Ele argumenta que, como as pesquisas mostram o aumento da aprovação do presidente Jair Bolsonaro e o tornam um candidato forte à reeleição de 2022, a situação favorece Guedes.
“Um Bolsonaro forte facilita a necessidade da equipe econômica de barganhar o teto de gastos. Algumas despesas devem ser liberadas para 2021 em troca de uma reforma fiscal, que tornaria o teto de gastos mais crível para 2022 e 2023”, diz.
Outro ponto que reduz a chance de saída de Guedes é que, diante do aumento de chances do presidente ser reeleito, o atual ministro teria para si não apenas mais dois anos à frente do Ministério da Economia, mas seis anos.
Leia trechos da entrevista à EXAME:
Nos últimos dias, uma possível saída do ministro da Economia, Paulo Guedes, tem agitado o mercado. Na sua avaliação, Guedes fica ou sai?
Estamos entrando em um período tenso no qual o debate fiscal vai ser bem difícil e a equipe econômica vai ter dificuldade de manter todos os gastos abaixo do teto. Já vínhamos alertando nossos clientes há algum tempo dessa dificuldade para 2021. A expectativa é que esse debate aconteceria para valer entre setembro e dezembro.
Essa pressão por mais gastos veio antes do que a gente imaginava. E nesse contexto, as brigas internas ao governo e as pressões externas ao governo afloraram. Se o Bolsonaro tivesse de contemplar a saída da recessão com mais demanda social, investimento e ainda manter o ministro no cargo, o risco para o Guedes seria maior.
Mas, uma vez que esse período difícil ia acontecer de qualquer jeito, estamos mais confiantes na capacidade do ministro Guedes negociar algo construtivo hoje, em comparação ao que era um mês atrás. É melhor que o presidente entre nessa fase difícil fortalecido politicamente e sem que a permanência no cargo esteja em jogo.
A probabilidade de Guedes conseguir um acordo razoável melhorou. O barco se fortaleceu antes de entrar na tempestade. A alta da popularidade do presidente ajuda Guedes. E as condições para a permanência do ministro estão provavelmente aumentando, não piorando.
Por quê?
Há quem veja que a aprovação em alta do presidente daria voz aos que querem gastar mais e, uma vez que Bolsonaro tem maiores chances de se reeleger, portanto, não precisaria mais de Guedes.
Minha leitura é que ocorre o contrário. Com o presidente bem colocado nas pesquisas e sem risco de mandato, Bolsonaro está numa posição mais confortável para navegar essas múltiplas questões.
Mas há uma pressão por flexibilização do teto de gastos...
Não é fácil resolver a questão do teto. Creio que uma grande barganha esteja sendo construída. Se a equipe econômica colocar na pauta uma reforma fiscal e conseguir reduzir os gastos obrigatórios, isso torna o teto do gasto mais crível ao longo do tempo.
É importante lembrar que o desafio de cumprir o teto só aumenta ao longo do tempo. Em tese, daria para cumprir o teto neste ano, mas vai ser difícil em 2022 e quase impossível em 2023.
Se passar uma reforma fiscal que facilita o cumprimento do teto lá na frente e, em troca, aceitar um gasto extraordinário no ano que vem, é possível que o mercado compre essa ideia.
A equipe econômica vai tentar defender o teto a todo custo nos próximos meses e negociar uma reforma fiscal simultaneamente.
Qual negociação é possível em relação ao teto de gastos?
É um cenário que chamamos de a “âncora fiscal estica, mas não quebra”. O problema é que ao dar um gasto extra ano que vem pode-se criar o risco de quebrar a referência. O que impede de repetir isso novamente? A expectativa do cumprimento em relação ao teto é prejudicada.
Como solucionar isso? Apertar as regras permanentes do gasto obrigatório. Nesse processo de negociação, dias quentes virão pela frente. Temos de esperar também quando o governo apresenta o programa Renda Brasil e quais suas implicações para a questão fiscal.
As pesquisas mostram que Bolsonaro recuperou a aprovação que havia perdido nos últimos meses. Como isso impacta a disposição de Guedes em permanecer?
O fator principal é que o ministro sinta que o presidente apoia a agenda dele, mas na margem o ministro começa a calcular que ele pode ter mais seis anos no cargo — e não apenas mais dois pela frente.
O horizonte do ministro se estica mais. Logo, ele deve negociar mais mirando essa possibilidade. Mas desde que o fiscal não seja desmantelado.
Como fica a relação com o Congresso?
A relação melhora à medida que o presidente passa a ser visto como um candidato forte para a reeleição. O Centrão tem menos poder de barganha sobre o presidente. E os parlamentares querem ficar associados a um presidente que possa ajudá-los nas suas respectivas reeleições. Tudo fica mais fácil se o presidente é visto como um ator político forte.
Mas estamos no auge do impacto fiscal do auxílio emergencial. Quando esse auxílio for retirado da população, aí veremos a sensação térmica da covid-19. A aprovação tende a cair no final do ano e no começo de 2021 com a retirada do auxílio. Creio que não será uma queda forte, mas gradual.
As pesquisas também mostram que boa parte da população isenta o presidente das mortes por covid-19. Qual sua leitura desse momento?
Ninguém estava antecipando a alta da aprovação. O presidente pagou um preço no manejo da pandemia. O que aconteceu é que nos últimos dois meses a pandemia se estabilizou e passou a impressão que parou de piorar.
Além disso, a composição do auxílio emergencial teve um impacto muito forte no Brasil comparado a outros emergentes. Os recursos impactaram 43% dos domicílios no país. No começo da pandemia, o Brasil reagiu mal, mas a resposta fiscal à covid-19 foi bem estruturada e progressiva.
Então, a combinação da sensação sobre a evolução da pandemia e um agressivo pacote de auxílio ajudou o presidente.
Ainda assim, Guedes pode cair. Significaria uma vitória da ala do governo que quer gastar mais?
No fundo, ainda vivemos um momento politicamente muito difícil que é lidar com a responsabilidade fiscal e as demandas sociais de uma recessão profunda. Nesse ambiente, se Guedes sair, o presidente deve escolher alguém com um perfil semelhante ao dele. Não haverá uma mudança na política econômica.
Surgiu o nome do Roberto Campos, presidente do Banco Central, que é muito próximo ao Guedes, como possível substituto. Não acho que ele toparia. Mas o mero fato de o nome de Campos ter sido aventado é um sinal de que mesmo a ala que está querendo gastar mais sabe da necessidade de ter alguém amigável ao mercado e com credibilidade no Ministério da Economia. Não seria uma reviravolta.