Guedes: a equipe econômica, antes mesmo de retomar a pauta anterior de reformas, terá de se equilibrar na divisão de dois tipos de agendas que dominaram a cena nas últimas semanas (Adriano Machado/Reuters)
Estadão Conteúdo
Publicado em 1 de fevereiro de 2021 às 14h14.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, aposta suas fichas na troca dos comandos da Câmara e do Senado para destravar sua agenda liberal (reformas tributária, administrativa e fiscal, além de privatizações, entre outros pontos) no Congresso.
O governo trabalha nos bastidores para garantir a eleição dos seus dois candidatos, o deputado Arthur Lira (PP-AL) - chamado pelo presidente Jair Bolsonaro de segundo homem do Executivo -, e o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG).
Mas, independente dos candidatos que saírem vitoriosos na eleição marcada para hoje, a equipe econômica, antes mesmo de retomar a pauta anterior de reformas, terá de se equilibrar na divisão de dois tipos de agendas que dominaram a cena nas últimas semanas.
De um lado está a agenda de emergência para o enfrentamento da covid-19, que envolve além da prorrogação do auxílio emergencial (pago a informais, desempregados e beneficiários do Bolsa Família), a pressão para a renovação do BEm (o programa que garante um complemento de renda para os trabalhadores que tiveram salário e jornada reduzidos), a renegociação do Pronampe (voltado para o crédito de micro e pequenas empresas), um novo Refis (para pagamento de débitos tributários) e demandas setoriais, como a dos bares e restaurantes, que ganharam como padrinho o presidente Jair Bolsonaro, e a dos caminhoneiros para a redução do preço do diesel.
Na outra agenda, a pressão pelo pagamento da fatura dos compromissos assumidos para eleger os dois candidatos do governo que inclui emendas parlamentares para obras públicas e demandas por mais recursos no Orçamento de 2021, que ainda não foi votado.
De imediato, o ministro terá que reforçar a barreira para evitar a divisão do seu próprio superministério na reforma ministerial. Guedes não aceita essa repartição, mas nos bastidores apoia Lira (cujos aliados defendem a divisão) porque vê na união de Baleia com os partidos de oposição risco para o avanço da agenda liberal no Congresso.
O grupo do Centrão favorável a Lira tem defendido a cisão do ministério da Economia (com a recriação do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior) desde meados de agosto do ano passado, quando foi lançado o Plano Pró-Brasil, programa que previa ampliação de investimento com recursos públicos, mas que não avançou.
Na época, lideranças do Centrão queriam mais estímulos do governo para a retomada do emprego e crescimento mais rápido, o que incluía mudanças no teto de gastos, a regra constitucional que atrela o avanço das despesas à inflação.
Essa disputa do time político com o econômico representa um risco que o ministro pode enfrentar mais tarde entre os aliados do governo na agenda econômica de 2021. Um contratempo pode ser no apoio que o ministro espera de Lira para a nova CPMF, o imposto sobre transações para bancar a redução nos encargos que as empresas pagam sobre os salários dos funcionários, chamada de desoneração da folha de pagamento.
O adversário de Lira, o deputado Baleia Rossi (MDB-SP), em entrevista no programa Roda Viva, da TV Cultura, na semana passada, fustigou Guedes. "Recordo que quando o Centrão tentou derrubar ou pelo menos desestabilizar o ministro, quando queriam furar a qualquer custo o teto de gasto, o presidente Rodrigo Maia (da Câmara) e outros líderes o apoiaram na condução da economia", disse Baleia, que não fechou as portas para um diálogo mais tarde com Guedes, se eleito.
"O ministro tem de ter um pacote bem amarrado para os primeiros meses da gestão do novo presidente da Câmara porque depois fica mais difícil e questões políticas se sobrepõem", disse Marcos Mendes, pesquisador do Insper e consultor que acompanha a pauta econômica no Congresso. Mendes lembrou que Guedes tem ainda a batalha do Orçamento e o crédito especial para o cumprimento da chamada regra de ouro, que proíbe que o governo se endivide para pagar gastos de custeio, como salários.
Segundo Mendes, será importante observar se o Centrão vai mostrar afinamento com o governo ou se vai aumentar o custo como fez no Orçamento de 2020. O especialista diz que só vale o ministro insistir na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) emergencial se o texto, que prevê redução nas despesas obrigatórias, principalmente com servidores, for mais forte em corte de gastos do que o parecer do senador Marcio Bittar (MDB-AC). Ele sugere ainda foco na reforma tributária com empenho para votar a Contribuição de Bens e Serviços (CBS) para substituir o PIS/Cofins, que vem perdendo há anos arrecadação por causa da grande judicialização.
Em encontro online com representantes de 34 associações empresariais, o candidato Arthur Lira ouviu pedido para aprovação de projetos para atacar o Custo Brasil. Um dos organizadores do evento, o diretor-geral da Associação Brasileira da Indústria de Cervejas (Cerv Brasil), Paulo Petroni disse que há uns dez projetos no Congresso com potencial de reduzir em um terço o custo Brasil, se aprovados em 2021. "Trata-se de um trabalho contínuo, pois custo não para de crescer. Precisamos de celeridade para resolver os pontos prioritários", disse Petroni.
A pressão sobre a equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, hoje é quase um déjà-vu do que ocorreu no início da pandemia. A diferença, segundo assessores de Guedes, é que agora não há espaço para abrir mais gastos fora do teto, a regra que impede que as despesas cresçam mais que a inflação.
Às vésperas das eleições no Senado e na Câmara, o ministro tenta segurar ao máximo uma nova rodada do auxílio, mas a hipótese não está descartada com o agravamento da crise da covid-19. Como antecipou o Estadão, Guedes tenta atrelar a retomada do benefício pago a desempregados, informais e participantes do Bolsa Família a medidas mais duras de ajustes fiscal, como retirar a obrigatoriedade de dar reajustes em alguns gastos, como aposentadoria, usando a chamada desindexação do Orçamento.
O ministro buscou também apoio do presidente Jair Bolsonaro para as privatizações, depois que a fala do senador Rodrigo Pacheco contrária à venda da Eletrobrás provocou a saída do presidente da estatal, Wilson Ferreira Junior. Em reunião com investidores ao lado de Guedes e, em entrevista no sábado, o presidente defendeu a venda da Eletrobrás, dos Correios e o avanço das reformas.
Na Câmara, o deputado Arthur Lira (PP-AL), candidato do Planalto já disse que, se eleito, entrega a aprovação da reforma administrativa, que reestrutura o RH do Estado. No entanto, segundo ele, para ter aval dos deputados, o texto - que prevê mudanças na forma como os servidores públicos são contratados, promovidos e demitidos - deve ser modificado.
Lira também já sinalizou que deve trocar o relator da reforma tributária, atualmente na mão do colega de partido, o PP, o deputado Aguinaldo Ribeiro, aliado do atual presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ). Um dos cotados é o deputado Marcelo Ramos (PL-AM) que foi o presidente da comissão especial de reforma da Previdência na Câmara. Até outra proposta de reforma tributária, a PEC 128, do deputado Luiz Miranda (DEM-DF), passou a receber atenção. Isso porque o nome de Miranda foi sugerido por parlamentares do Distrito Federal para substituir Aguinaldo Ribeiro.
A costura para esses posicionamentos de Bolsonaro foi feita por Guedes, mas há dúvidas se a sinalização do presidente é para valer. Para seguir com a agenda anterior à pandemia, integrantes da equipe de Guedes e do Banco Central têm reforçado que o real é hoje uma das moedas mais voláteis e a que mais se desvalorizou uma evidência de que o Brasil precisa da credibilidade. O Congresso com os novos presidentes terá que lidar com esses desafios para reverter a trajetória de alta de gastos, afirmam.
Um dos pontos levantados pela área econômica é o de que a injeção de dinheiro na economia com o auxílio foi maior do que a queda da massa salarial e ainda existe um estoque de poupança relevante. O diagnóstico da equipe de Guedes é de que os problemas foram endereçados de forma rápida e, por isso, a "solução vai vir por si só", com a queda do dólar e o aumento da confiança para novos investimentos. O câmbio é uma variável hoje de atenção. Se o Congresso começar os trabalhos com foco, avaliam os assessores, o Brasil poderá estar numa situação muito melhor daqui a três meses.
Paralelamente, a equipe tem um plano de medidas de curto prazo como antecipação do abono salarial, do 13.º salário e liberação do FGTS. Essa última medida é mais difícil de ser empreendida por causa do grande volume liberado no passado e resistências do setor da construção civil, já que as retiradas do fundo diminuem o dinheiro disponível para o financiamento à casa própria. Com a piora da pandemia, muitos trabalhadores contam com essa rodada de medidas para desafogar a falta de dinheiro.
Para o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção Civil, José Carlos Martins, o saque constante do FGTS prejudica os trabalhadores e também a economia. Segundo ele, o FGTS não foi criado para complementar renda e ir para consumo. "O FGTS foi destinado para gerar empregos através do investimento. Isto ele tem feito muito bem. Os empregos gerados são contínuos, duradouros e se distribuem pela economia", criticou.
Martins relaciona os R$ 12 bilhões que não foram sacados em recentes liberações demonstra que muitos não querem retirar o dinheiro porque não teriam hoje rentabilidade melhor que o FGTS. "Se sacar, irá fazer investimento muito menos rentável", ponderou.