Caminhoneiros: greve segue nesta quinta-feira (24), após negociações fracassadas entre motoristas e o governo federal (Gervásio Baptista/Agência Brasil)
Reuters
Publicado em 23 de maio de 2018 às 19h21.
Última atualização em 23 de maio de 2018 às 19h23.
Os impactos causados pelos protestos de caminhoneiros em todo o Brasil já se espalham por diversos setores da economia, provocam desabastecimento de produtos em algumas áreas e geram prejuízos com exportações não realizadas, situação que pode piorar com a decisão da categoria de seguir com as manifestações.
Um dos segmentos mais afetados é o agronegócio. A ABPA e a Abiec, associações que representam as indústrias de carnes, comunicaram que 129 unidades estão com as atividades suspensas em razão da falta de matérias-primas e insumos e que 90 por cento da produção nacional pode ser interrompida até sexta-feira, se os protestos continuarem.
"Deixaram de ser exportadas 25 mil toneladas de carne de frango e suínos, o equivalente a uma receita de 60 milhões de dólares que deixa de ser gerada para o país. No caso da carne bovina, são cerca de 1.200 contêineres que deixam de ser embarcados por dia", disseram as associações em nota.
O Brasil é um dos maiores produtores e exportadores de carnes do mundo e começa a sentir também problemas na oferta doméstica em virtude das manifestações.
"Os estabelecimentos menores e de cidades pequenas ou regiões metropolitanas --que mantém um ciclo de entrega de produtos a cada dois dias-- já estão com o abastecimento comprometido. Essa dificuldade pode atingir os grandes centros nos próximos dias."
Com efeito, cooperativas produtoras de carnes do Paraná e até empresas maiores, como BRF, Aurora e Marfrig, alertaram entre terça-feira e esta quarta sobre a suspensão de atividades em diversas unidades.
"A suspensão da operação de abate e industrialização tornou-se inevitável em razão dos efeitos do movimento grevista que impossibilita a passagem de caminhões com insumos necessários para abastecer as indústrias, aves vivas para o abate, expedição dos estoques para atender clientes e mercados a nível regional e nacional...", afirmou Irineo da Costa Rodrigues, presidente da cooperativa Lar, de Medianeira (PR).
Os protestos dos caminhoneiros, contrários à alta do diesel começaram na segunda-feira e ganharam corpo no decorrer dos dias, abrangendo mais de 20 Estados. Representantes do movimento se reuniram com autoridades do governo na tarde desta quarta-feira, mas não chegaram a um acordo e afirmaram que vão manter a greve.
Combustível mais consumido no país, o diesel acumula alta de mais de 45 por cento desde julho do ano passado nas refinarias da Petrobras, na esteira de uma nova política de formação de preços da estatal que visa seguir o mercado internacional e o câmbio, entre outros fatores.
A empresa adotou uma política mais agressiva após perder mercado para importadores.
Outro segmento da economia nacional fortemente afetado pelos protestos dos caminhoneiros é o de combustíveis, com muitas cargas não chegando aos postos em diversas cidades.
"Os postos têm capacidade de armazenamento em média de três dias, parece que já tem revendedor com os estoques no final, a partir de hoje provavelmente a situação se agrava", afirmou à Reuters o presidente da Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e de Lubrificantes (Fecombustíveis), Paulo Miranda Soares.
O diretor da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), Aurélio Amaral, acrescentou que há bloqueios em polos de distribuição, estocagem e mistura de diesel e biodiesel em alguns pontos do país, mas a situação é mais delicada no Rio de Janeiro.
Os protestos também começam a afetar as usinas de cana-de-açúcar, que deram início à safra 2018/19 no mês passado e estão focadas na fabricação de etanol, concorrente direto da gasolina e atualmente mais remunerador que o açúcar.
"Pontualmente, hoje, existem unidades paradas por falta de diesel e de peças, e unidades que começaram a reduzir o ritmo de moagem", afirmou a União da Indústria de Cana-de-açúcar (Unica). Uma eventual restrição na oferta de etanol adicionaria ainda mais pressão em um eventual cenário de falta de combustíveis.
No caso da soja, principal item da exportação brasileira, os sinais de alerta já acenderam, com diversas unidades processadores interrompendo as atividades, segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), que tem entre suas associadas gigantes como ADM, Bunge e Cargill.
A associação disse temer que a continuidade da greve "prejudique ainda mais" o abastecimento doméstico e a exportação de produtos, "impactando diretamente no cumprimento dos seus contratos".
Dado o atual cenário, a Abiove orientou suas associadas a se manifestarem junto a fornecedores e clientes, "explicando que atrasos podem ocorrer na recepção e expedição de produtos fruto da manutenção da greve, sendo estes motivos de força maior e fora do controle das empresas".
A situação é delicada porque o Brasil, maior exportador mundial de soja, acaba de colher uma safra recorde, de quase 120 milhões de toneladas, com previsão de embarques também históricos em 2018, acima de 70 milhões de toneladas.
A CitrusBR, que reúne exportadores de suco de laranja do Brasil, o maior exportador global da commodity, informou que conta com estoques em terminais no porto de Santos (SP) para manter os compromissos de exportação.
Já o Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé) destacou que, até o momento, não registra problemas nos embarques. O país também é o maior produtor e exportador global de café e prepara-se para uma safra recorde neste ano, de cerca de 58 milhões de sacas.
A Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma) informou que a paralisação de caminhoneiros gerou desabastecimento em farmácias e drogarias de todo o país.
Um dos principais problemas referem-se aos medicamentos termolábeis, que devem ser mantidos refrigerados e necessitam de temperatura estável até o seu destino final --algo impossível de ser garantido com um veículo travado nas estradas, disse a Abrafarma.
Já a Associação Brasileira de Supermercados (Abras) afirmou que, mesmo com o esforço do setor de supermercados para garantir o abastecimento, "alguns Estados já começaram a sofrer com o desabastecimento de alimentos, e isso poderá se estender para todo o Brasil nos próximos dias".