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Indústrias ameaçam não comprar energia de Belo Monte

Para presidente da Abrace, modelo do leilão não permite que a usina ajude os grandes consumidores, e vice-versa

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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h10.

São Paulo - A pouco mais de um mês do leilão da usina hidrelétrica de Belo Monte, os grandes consumidores industriais aumentaram a pressão sobre o governo. O grupo afirma que os riscos do modelo elétrico brasileiro impedirão a compra de energia de Belo Monte no chamado mercado livre - aquele em que o preço não é regulado. "Os riscos dos subsistemas inviabilizam a participação das indústrias", afirma Ricardo Lima, presidente da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace). Entre seus associados, estão pesos-pesados do capitalismo brasileiro, como a Vale, Gerdau, Braskem e Votorantim.

O principal problema apontado por Lima é o risco dos subsistemas. No Brasil, o setor elétrico é dividido em quatro subsistemas: Norte, Nordeste, Sul e Sudeste/Centro-Oeste. Cada área conta com uma infraestrutura de geração, transmissão e distribuição relativamente autônoma. Quando o consumo de uma região atinge seu limite, parte da energia gerada por outra região é encaminhada para suprir a demanda. A questão, segundo Lima, é que cada região possui um custo próprio de produção de energia, chamado de custo marginal de operação. A conta é um valor médio entre o custo da energia gerada por hidrelétricas, termelétricas etc. Por isso, quando uma região já ocupou toda a sua capacidade hidrelétrica, cujo custo é menor, e aciona suas térmicas, o custo marginal sobe.

Pelas regras do mercado livre, quando uma grande indústria compra energia de outra região, precisa arcar com a diferença entre o preço praticado na sua região e o daquela de onde a energia está vindo. A usina de Belo Monte será construída no Rio Xingu, no Pará. O subsistema Norte, do qual fará parte, é o que mais preocupa as grandes indústrias, porque é o que gerou a maior diferença de preços de energia já registrado pela Abrace entre o Norte e o Sudeste, no qual a maior parte das empresas está instalada. Em março de 2009, quando os clientes do Sudeste precisaram "importar" energia do Norte, a diferença chegou a 65,91 reais por megawatt/hora (MWh). "Os picos de preço podem prejudicar muito as empresas", diz Lima.

   <hr>  <p class="pagina"><strong>Modelo atrapalha</strong>

Outro ponto criticado pela Abrace é o próprio modelo de leilão. Como nas licitações das usinas de Jirau e Santo Antônio, em construção no Rio Madeira, o governo optou por estabelecer um preço máximo para a tarifa que o vencedor poderá cobrar do mercado cativo - o formado pelas distribuidoras de energia. Para Belo Monte, após uma revisão do Tribunal de Contas da União, o preço-teto foi elevado de 68 reais para 83 reais por MWh. O vencedor deverá vender pelo menos 90% da energia no mercado cativo. A estratégia dos consórcios nesses leilões tem sido cobrar a menor tarifa possível do mercado cativo, e aumentar ao máximo o preço do mercado livre.

O problema é que, para equilibrar as contas e gerar o retorno desejado pelos sócios, os projetos acabam colocando o preço do mercado livre em níveis rejeitados pelos consumidores industriais. "Não houve contratação de energia no mercado livre das usinas do Madeira, porque o preço era de até 145 reais por MWh", afirma Lima. Ele lembra que lá, para viabilizar as usinas, o governo permitiu que até 30% da energia fosse escoada dessa forma - três vezes mais que o autorizado para Belo Monte.

O presidente da Abrace prefere não estimar a que preço a energia da usina do Rio Xingu será ofertada aos grandes consumidores, mas afirma que, dificilmente, o mercado conseguirá absorvê-la se as atuais condições persistirem.


Alívio

A saída para o impasse seria a criação de uma câmara de compensação para o mercado livre, semelhante à Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), criada para as distribuidoras. A CCEE reduz o risco de variações de preços entre os subsistemas elétricos, ao ratear os custos entre os participantes. No final de 2009, por exemplo, as distribuidoras que operam na CCEE tinham uma exposição financeira de 640.000 reais, referentes a essas flutuações de preço. A soma foi rateada entre os associados, seguindo sua participação de mercado. "Foi uma quantia bem razoável, que não atrapalhou ninguém", afirma Lima.

Ele defende a implantação de uma câmara semelhante para as grandes indústrias. Isso depende, porém, de mudanças na legislação do setor - algo que esbarra na resistência do governo, para quem os consumidores industriais teriam poder suficiente para negociar preços e pressionar os fornecedores de energia. "Na prática, não temos esse poder que o governo imagina", afirma.

Belo Monte terá investimentos estimados de 19 bilhões de reais e capacidade instalada de 11.233 megawatts. Sua primeira turbina deve entrar em operação em 2015. Será a segunda maior usina hidrelétrica do país, atrás apenas de Itaipu. Mas, por ora, os consumidores industriais vêem poucos benefícios. "Do jeito que está, Belo Monte não ajudará os grandes consumidores, nem eles poderão ajudar a usina", diz Lima.

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