Ajuste fiscal: governo tem adiado a adoção de medidas impopulares na economia, como as reformas da previdência e trabalhistas. (thinkstock)
Da Redação
Publicado em 4 de abril de 2016 às 13h36.
Brasília - O compromisso continua o mesmo: fazer o ajuste fiscal. Mas, na prática, a equipe econômica sacrificou o ajuste no curto prazo e adotou medidas que retardam a recuperação fiscal e a reversão do rombo das contas públicas, que deve chegar perto de R$ 100 bilhões em 2016.
Além das medidas de crédito e redução de taxas de juros em operações do BNDES e de fundos constitucionais, o governo pediu um abatimento da meta em até R$ 120 bilhões para acomodar mais despesas, inclusive na área de defesa, e recursos não previstos para os Estados de R$ 1,95 bilhão como compensação pela Lei Kandir que desonerou as exportações.
Também estão sendo atendidos pleitos de renegociação agrícola, como ocorreu em 2014. Há pressão ainda para a liberação dos depósitos compulsórios pelo Banco Central.
O pacote de socorro aos Estados e alongamento da dívida com a União anunciado recentemente ficou muito maior do que o previsto, com impacto que pode chegar a R$ 45 bilhões em três anos.
Medidas impopulares, como as reformas da Previdência e trabalhistas, que chegaram a ser anunciadas pelo ministro da Fazenda Nelson Barbosa, foram engavetadas.
Na situação de rombo das contas públicas e atraso na votação da CPMF, medidas adicionais de alta de tributos já teriam sido adotadas.
O roteiro é semelhante ao seguido pelo ex-ministro da Fazenda Guido Mantega em 2014, ano de eleições presidenciais, quando foram adotadas "bondades" econômicas ou retardadas ações para não atrapalhar a campanha à reeleição da presidente Dilma Rousseff.
Para muitos economistas, essa foi a raiz do agravamento da crise que o País vive hoje.
Agora, na guerra contra o impeachment da presidente, o governo abriu espaço para mais despesas em nome do enfrentamento da recessão.
A decisão facilita, porém, o atendimento das demandas políticas de aliados e "neoaliados" e ajudaria a criar um ambiente mais favorável com a população, como tem cobrado o ex-presidente Lula. Novas medidas estão sendo preparadas para serem anunciadas nesta semana.
Barbosa tem vivido dias de "equilibrista fiscal", principalmente depois que virou alvo das críticas do PT. O quadro também se assemelha ao de 2014, quando Lula trabalhou nos bastidores para a substituição de Mantega no cargo.
A diferença com o que ocorreu há dois anos é que o cofre agora está vazio.
Com o pedido de revisão da meta fiscal, para poder registrar novo déficit, a equipe econômica buscou antecipar a solução de um problema, o que naquela época só aconteceu depois da vitória de Dilma nas eleições.
Mantega chegou a preparar medidas de ajuste, como mudanças nas regras de seguro-desemprego, que ficaram na gaveta até o final do segundo turno.
Além disso, o ex-ministro represou o aumento dos preços administrados, como gasolina e energia elétrica, que depois foram liberados, contribuindo com efeitos na escalada da inflação.
"Quanto mais demoramos a enfrentar os problemas estruturais, mais graves os problemas e a crise, mais custoso o ajuste. Essa é a natureza da crise", diz Marcos Lisboa, presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica do governo Lula.
Lisboa diz não ter visto até agora nenhuma medida do governo que realmente encaminhe uma solução estrutural para o problema fiscal. "O problema do crescimento do gasto primário não está resolvido", diz. Para ele, o governo voltou adotar medidas de estímulo feitas nos últimos anos que resultaram na crise fiscal de hoje.
No governo, ao contrário, a avaliação é de que não tem como cortar mais despesas, sob o risco de colapsar a máquina pública e empurrar mais a economia para a recessão.
"A realidade da economia não vai mudar no curto prazo com ou sem impeachment. O processo de recuperação é longo", diz um integrante da equipe econômica.
"O governo está no limite. Não tem mágica", acrescenta ele, lembrando que o abatimento maior permite o pagamento de despesas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), da Saúde e recursos para os Estados.
Na visão da área econômica, as medidas fiscais adotadas estão no caminho certo, mas a grande interferência na política fiscal é a aprovação de medidas pelo Congresso que aumentam despesas.
Como, exemplo, a fonte cita a aprovação de Proposta de Emenda Constitucional (PEC) na Câmara, que aumenta os gastos para a saúde.
Ex-secretário da equipe de Mantega, o economista Marcio Holland avalia que a política fiscal fracassou porque o governo não consegue mais originar superávits primários minimamente necessários para garantir um cenário de queda da dívida.
Segundo o economista, que está terminando o livro A economia do ajuste fiscal: Por que o Brasil quebrou, não é só no Brasil que ocorre um freio na adoção de medidas econômicas durante períodos de eleições e de fragilidade política.
Outros governos também já adotaram táticas semelhantes. Ele cita medidas cambiais represadas pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso durante sua campanha à reeleição.
"É o fenômeno político afetando a as decisões", diz.
Holland lembra que, em 2014, a equipe preparou uma série de medidas para diminuir gastos com pensões, seguro desemprego e abono salarial, adotadas só após as eleições.
"Em 2014, já havia a avaliação de que era preciso entrar em janeiro com um ajuste bem forte", avalia ele, que critica sobretudo o reajuste do salário mínimo. "Houve hesitação em 2015 e agora em 2016. Está havendo postergação e até falta de convicção."
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.