O risco de o governo Dilma ceder a essa tentação protecionista incomoda a maioria dos especialistas no mercado e na academia (Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr)
Da Redação
Publicado em 19 de março de 2012 às 15h15.
Apreensivo sobre os rumos da conjuntura econômica mundial, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse em novembro estar extremamente preocupado com a crise na Europa e cobrou uma atuação mais firme dos países da zona do euro para sanar as incertezas que pairavam sobre a região, temendo que elas alcançassem o Brasil. Ele prometeu na época que usaria todas as armas que lhe cabiam para evitar que a economia brasileira sofresse os efeitos das turbulências.
Pouco tempo antes, o ministro já havia dado uma pista do que estava por vir. Anunciara em setembro o heterodoxo decreto que aumentava em 30 pontos porcentuais o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sobre veículos importados. Era um prenúncio do caminho arriscado que o governo estava prestes a trilhar: o do protecionismo.
De lá para cá, o Planalto analisa pedidos de salvaguarda a setores diversos, como o têxtil e o vinífero; já sobretaxou os tênis de alta performance asiáticos e acaba de impor limites aos desembarques de carros mexicanos no país. A opção já se mostrou errada num passado nada distante, reservando ao Brasil ineficiências que até hoje persistem. O risco de o governo Dilma ceder a essa tentação incomoda a maioria dos especialistas no mercado e na academia, muitos dos quais testemunhas oculares do fracasso dessa opção.
Entre novembro e março, o novo presidente do Banco Central Europeu (BCE), o italiano Mario Draghi, liberou nada menos que um trilhão de euros às instituições financeiras da região para garantir que cumprissem com os níveis de capital exigidos para atravessar a crise. O montante, cuja última parte saiu dos cofres do banco no início de março, serviu para tranquilizar um mercado que questionava a real capacidade de atuação do BCE. Esse fluxo de capital europeu teve dois rumos distintos: parte voltou aos cofres do próprio banco, evidenciando o medo das instituições europeias em aplicar em qualquer outro tipo de título; e parte viaja o mundo em busca de bons retornos. Nos Estados Unidos, somente a segunda fase do chamado 'afrouxamento monetário' implicou a injeção de 600 bilhões de dólares na economia internacional.
A entrada dessa montanha de dinheiro nos países emergentes, por meio do mercado financeiro, faz com que moedas como o real se apreciem ante o dólar ou o euro. Essa dinâmica, comemorada pela classe média que viaja ao exterior, é o pesadelo do momento para o Palácio do Planalto.
É por isso que, desde o ano passado, o governo adotou uma sequência de medidas para conter a entrada de moeda estrangeira no país, utilizando o Imposto de Operações Financeiras (IOF) como arma. A tributação, contudo, é vista como medida paliativa, pois não impede que o Brasil continue atrativo para o investidor estrangeiro que está disposto a navegar em mares emergentes.
Por trás desse surto de preocupação com o câmbio, há duas razões que se entrelaçam: a indústria e o emprego. Com o real valorizado, os produtos industrializados brasileiros são derrotados em qualquer tipo de comparação com seus similares estrangeiros – e a crescente onda de importações é reflexo disso. Pouco competitiva, a indústria comporta-se como criança chorona de quem o brinquedo foi tomado pelo coleguinha mais forte – e esperneia para que os pais intercedam em seu favor.
O governo poderia ignorar a birra, mas aí se lembra que o setor industrial emprega mais de 8 milhões de brasileiros e financia – de norte a sul – a política nacional. Mais ainda: com uma indústria em crise aguda, possíveis demissões criariam um ambiente de pessimismo e insegurança entre a população, o que poderia afetar o consumo, o PIB (a nova vedete do Planalto) e os votos. Já os sindicatos ligados ao setor industrial representam apoio político. Sem traquejo para lidar com eles, à presidente Dilma resta a decepcionante tarefa de ceder às pressões.
A esse cenário se soma a já conhecida simpatia da velha guarda petista pelo fechamento de mercado e proteção da indústria – e Dilma, neste aspecto, nunca se mostrou tão alinhada com a tradição do partido como agora. “Vamos proteger o mercado interno” tornou-se máxima tão comum quanto a “nunca antes na história deste país” proferida à exaustão por seu antecessor.
O ponto mais importante não é esquadrinhar as reais intenções da equipe econômica ao querer aplicar barreiras de importação a diversos setores da indústria – até mesmo aos menos relevantes economicamente, como a inexplicável salvaguarda ao vinho nacional que está sendo investigada pelo Ministério do Desenvolvimento e da Indústria (MDIC). O que é relevante para o país é saber que a escola Mantega está combatendo o inimigo errado.
Medidas de curto prazo para controlar o câmbio ocupam o lugar das merecidas – e há muito tempo esperadas – reformas tributária, trabalhista e política. Em vez de restringir a entrada de produtos estrangeiros, a opção de desonerar a indústria ainda é tratada com timidez por um governo que não pode se permitir um pouco de renúncia fiscal. Rever acordos bilaterais quando estes deixam de ser rentáveis, como ocorre com o caso do México, mostra as faces de um Brasil disposto a mudar as regras do jogo quando elas já não são mais úteis.
Contudo, a própria história econômica do país aponta que o protecionismo sempre foi uma escolha péssima. Dele herdou-se uma indústria automotiva sucateada até os anos 1990 (quando iniciou-se a abertura de mercado), o atraso tecnológico acarretado pela Política Nacional de Informática dos anos 1970 e um passado de hiperinflação que ainda permanece na memória da população adulta, e não foi completamente superado.
A década perdida de 1980, época em que o Brasil declarou moratória, também foi marcada pelo protecionismo. Para financiar os subsídios ao mercado fechado, o governo endividou-se no exterior ao longo de mais de três décadas para depois ver-se acuado, sem meios para pagar os juros de seu endividamento e sem uma indústria eficiente. Nas duas décadas seguintes, o país conseguiu uma segunda chance para se levantar. Pode não haver uma terceira.
O que dizem os economistas sobre o protecionismo
Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda
"Líderes da indústria deveriam fazer coro para que o governo ataque as causas estruturais da falta de competitividade. Em vez disso, resolveram fazer coro junto aos que pedem queda de juros, desvalorização cambial e reserva de mercado. Mas eles irão se decepcionar com os efeitos desse protecionismo. No curto prazo, veremos o encarecimento dos produtos, o aumento das pressões inflacionárias e a redução do ambiente competitivo. No médio e longo prazo, o Brasil está retrocedendo aos padrões do passado, da época do general (Ernesto) Geisel, em que a proteção do estado conduz à acomodação e inibe a busca de eficiência da indústria. Além disso, ela também limita o ganho em produtividade e conspira contra o crescimento do país"
Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central
"O recurso ao protecionismo é lamentável. Não apenas não se justifica como também é inconsistente. A solução para uma bonança cambial é gastar os dólares excedentes da maneira mais útil. Este é o pior momento possível para políticas de substituição de importações por meio da elevação de conteúdo nacional, por exemplo. Isso faria sentido, ainda que com restrições, em quadros de restrições de divisas. A situação que temos hoje é exatamente oposta. Não existe nenhuma guerra, nem crise cambial, nem nada disso. Existe o contrário: abundância de divisas, problema diferente que requer estratégias diferentes com as quais, ao que tudo indica, as autoridades não estão familiarizadas ou não têm simpatia".
Kenneth Rogoff, ex-economista-chefe do FMI e professor de Harvard
"Na próxima década o mundo poderá testemunhar um aumento considerável no protecionismo financeiro. O endividamento público e privado nas economias desenvolvidas estão em níveis recordes e, assim que as taxas de juros se normalizarem (pois estão próximas de 1% ao ano há muito tempo), os países terão dificuldades em financiá-las. Desta forma, o fluxo de dinheiro dos países desenvolvidos em busca de retornos maiores nos mercados emergentes irá aumentar, e certamente as medidas de controle de capital irão continuar. Mas é preciso esclarecer que nada disso é resultado das ações do BCE ou do Fed. E sim de efeitos acumulados de anos de déficit orçamentário e empréstimos insustentáveis junto ao setor privado".
Vera Thorstensen, ex-assessora da Missão do Brasil e professora da FGV
"O Brasil tem todo o direito de proteger seu câmbio. Existe na Organização Mundial do Comércio (OMC) o artigo 15 do GATT (Acordo Geral de Tarifas e Comércio) que prevê que um país pode se proteger de desalinhamentos cambiais. O problema é que esse é um tema novo e nenhum país ainda está familizado com ele. O governo está tentando. Mas é claro que o problema por trás da situação do país é o câmbio somado ao custo Brasil, juros altos e alta carga tributária. Por enquanto, o país está atacando apenas juros e câmbio".
Samuel Pessoa, sócio da Tendências Consultoria
"Há duas coisas que podem ser feitas sem desarrumar a arquitetura macroeconômica que o Brasil tem. O governo pode salvar ou não salvar a indústria. Se ele não salvar, o câmbio se mantém e o real irá se valorizar. Com isso, o país irá se especializar em bens primários e pode virar uma grande Austrália com a economia voltada para serviços. A outra alternativa é salvar a indústria por meio de medidas microeconômicas. O país então poderá criar novos impostos para outros setores da economia e dar um enorme subsídio à indústria. Esse subsídio pode ser amarrado a metas de desempenho exportador. Trata-se de uma alternativa para desenvolver a indústria. E é uma decisão política que custará dinheiro. A sociedade irá querer arcar com isso?"
Roberto Rigobon, professor da Sloan School of Management, do MIT
"O Brasil não pode usar apenas a política monetária para controlar o câmbio, pois, se um país imprime muito dinheiro, terá um aumento enorme de inflação imediatamente. Se retiram dinheiro da economia, os juros sobem e atraem mais capital estrangeiro, o que faz com que o real se valorize. As duas consequências são ruins e é por isso que o país está usando controle de capital – e também é por isso que o Fundo Monetário Internacional (FMI) concorda com isso. Contudo, controle de capital gera distorções e produz custos para a economia. Então, aqueles que pensam que essa política não terá ônus, estão bebendo a caipirinha errada. A forma de lidar com isso seria seguir o exemplo de países como Chile, Noruega e Cingapura: fazendo um enorme superávit fiscal de 8% a 9% do PIB."
Luiz Carlos Bresser Pereira, ex-ministro da Fazenda
"Os países ricos, que estão em grandes dificuldades, estão certos em emitir moeda e em procurar desvalorizar suas moedas. Errados estamos nós que reagimos a essas medidas de maneira tímida, apenas com um pequeno IOF. Precisávamos de IOF maior e de estabelecer um imposto variável sobre as commodities que o Brasil exporta e que são a fonte da doença holandesa (jargão econômico para explicar a exploração de recursos naturais em detrimento da indústria)."
José Marcio Camargo, professor da PUC-Rio
"A história econômica do Brasil mostra que, quando se adotam medidas protecionistas, o resultado de longo prazo tende a ser muito negativo em termos de ganho de produtividade, custo dos bens produzidos e bem-estar da população. No curto prazo, pode haver alívio, pois você diminui a concorrência, cria monopólio e dá incentivo. Depois, o consumidor tem de arcar com aumento de preços. A solução para essa questão é ter políticas que gerem ganho de produtividade. E isso exige mais abertura de mercado, e não o fechamento, como estamos vendo. É preciso investir em educação da mão de obra e mudar a legislação trabalhista para desestimular a rotatividade e a informalidade que vemos hoje. É preciso direcionar esforços para a criação de um sistema educacional mais eficiente e criar incentivos para a incorporação de tecnologia moderna, em vez de barrar essa tecnologia, como o governo pretende fazer ao aumentar o protecionismo".