Bolsonaro: governo depende do aval do Congresso para pagar benefícios sociais com emissão de dívida (Ueslei Marcelino/Reuters)
Ligia Tuon
Publicado em 8 de maio de 2019 às 13h12.
Última atualização em 17 de maio de 2019 às 10h32.
São Paulo - O governo Bolsonaro está diante de um dilema.
O Orçamento aprovado para o ano de 2019 não prevê receitas recorrentes suficientes para pagar pensionistas do INSS, idosos em situação de miséria e beneficiários do Bolsa Família já a partir de julho.
A solução encontrada pela equipe econômica foi enviar em março ao Congresso um pedido para a emissão de créditos suplementares no valor de 480 bilhões de reais.
Mas a Constituição Federal tem um dispositivo chamado "regra de ouro", que proíbe que a União se endivide para pagar despesas correntes - o que incluí os benefícios citados
"A constituição diz que há uma exceção para que isso seja desrespeitado, que é quando um crédito suplementar ou especial for encaminhado para o Congresso com finalidade precisa", explica Juliana Damasceno, pesquisadora da área de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV).
Se não conseguir a aprovação e pagar as despesas mesmo assim, o governo poderia estar incorrendo em crime de responsabilidade, passível de impeachment.
Segundo o deputado Hildo Rocha (MDB-MA), relator da proposta que está sendo analisada pela Comissão Mista de Orçamento (CMO) da Câmara, a solução do governo não foi adequada: "Querem usar a fonte errada para quitar a obrigação", disse o deputado a EXAME.
A sugestão do relator é que o governo considere usar outros tipos de recurso para reduzir a necessidade de financiamento, como o lucro do Banco Central com administração das reservas internacionais e operações cambiais ou o cancelamento de restos a pagar.
Dos 248 bilhões de reais requeridos, 201,7 bilhões de reais seriam para quitar benefícios do INSS, 30 bilhões de reais para o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e 6,5 bilhões de reais para o Bolsa Família.
O governo admite, no entanto, que os valores necessários hoje são menores do que no momento do pedido:
"(Precisamos de) algo entre R$ 120 bilhões e R$ 140 bilhões, em grande medida por causa do resultado positivo obtido pelo Banco Central no ano passado", disse o ministério da Economia a EXAME por meio de nota.
Segundo Hildo Rocha, o novo número precisa estar formalizado e será necessária uma audiência pública para rever a proposta inicial, prevista por ele para essa semana ou a próxima.
"O governo espera sensibilizar o Congresso, por meio de um diálogo aberto e transparente, para resolver a situação", disse o Ministério da Economia em nota.
Prevendo a saia justa pela qual passaria o próximo governo, a gestão Temer condicionou o pagamento de benefícios sociais (em especial da previdência) à aprovação de créditos adicionais pelo Congresso Nacional.
A definição da regra de ouro é que as operações de crédito (operações de endividamento, como emissão de títulos da dívida) não podem superar as despesas de capital (investimentos, inversões financeiras e amortização de crédito).
A lógica é que não faz sentido colocar um fardo sobre as gerações futuras, através da criação de dívida, se não for para criar capacidade de geração futura de crescimento, através de investimento.
O risco de descumprimento na regra de ouro foi se tornando cada vez mais premente nos últimos anos diante dos sucessivos déficits fiscais e do engessamento do Orçamento.
Mais de 90% das despesas são obrigatórias, incluindo aí a Previdência, cujos gastos crescem a um ritmo de R$ 50 bilhões por ano.
"Estamos vendo pela segunda vez seguida o governo recorrer a um mecanismo que deveria ser usado apenas em caráter de exceção", diz Juliana sobre o pedido do governo de emitir títulos da dívida para quitar despesas correntes. "Não podemos normalizar isso", alerta.
No meio de 2018 já se falava que o lucro do Banco Central no primeiro semestre, impulsionado pela valorização do dólar frente ao real, ajudaria no cumprimento da regra de ouro em 2019.
Uma lei sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro na semana passada, no entanto, define que, em vez de transferir seus resultados positivos para o Tesouro, o Banco Central faça sua própria reserva. Isso limitaria a margem de manobra do Tesouro para cumprir a regra de ouro nos próximos anos.
"O governo está contando com um dinheiro que pode não ser mais uma fonte possível pra ele", diz a economista da FGV.