Economia

O governo à espera de uma nota

No futuro, a gestão Lula será julgada por seus erros e acertos. Uma realidade, porém, é clara - e positiva: ele colocou o Brasil na rota do desenvolvimento capitalista. E isso não tem volta

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 18 de março de 2010 às 11h16.

Num momento qualquer do futuro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva começará a receber um julgamento mais sereno, mais técnico e mais ancorado nos fatos, quanto ao real desempenho de seus oito anos de governo, do que o julgamento que recebe hoje, no calor do dia-a-dia - por sinal, um calor de meter medo em qualquer efeito estufa que possa haver por aí. Mais cedo ou mais tarde, como acontece com qualquer presidente da República, esse momento acaba chegando. Passa a ser possível, então, separar o importante do menos importante, as palavras dos resultados e aquilo que é impressão daquilo que é realidade. Sobretudo, torna-se viável comparar perdas e ganhos e estabelecer o que, no fim das contas, realmente interessa: se no conjunto o país ficou melhor ou pior do que estava. Nessa hora sai o PAC e fica o resultado real do PAC, em estradas, pontes ou usinas. Saem as "políticas" disso ou daquilo e fica o que elas deixaram de concreto, ou não deixaram, para a população. Sai o que se dizia que o governo estava ou não estava fazendo e fica o que foi feito. Sai, enfim, a "popularidade" - quem é que vai se preocupar, lá adiante, se os índices de aprovação do governo eram de X% ou de Y% em tal mês ou tal ano do passado? - e fica o que o Brasil efetivamente recebeu em troca dos diversos trilhões de reais que terá pago em impostos durante esse tempo todo.

Em tudo isso existe, desde já, uma realidade clara, e ela é positiva: o governo do presidente Lula colocou o país, definitivamente, na estrada do desenvolvimento capitalista, e essa opção não tem volta. Não é o que seu partido gostaria, pelo menos naquilo que escreve em seus programas, não é o que a imprensa em geral (a começar por esta revista e por esta coluna) previa, e talvez não seja nem o que o próprio Lula tenha planejado, caso tenha mesmo planejado alguma coisa; isso só ele é quem sabe. Mas é o que aconteceu. As vendas das 500 maiores empresas brasileiras, só delas, chegaram perto de 1 trilhão de dólares no ano de 2007, e devem superar com folga essa marca em 2008. Nos últimos anos, e com capitais totalmente privados, o Brasil tornou-se o maior produtor mundial de etanol. O agronegócio brasileiro como um todo, que deveria estar extinto se o governo prestasse alguma atenção no que pregam o MST e os "movimentos sociais", bate a cada ano novos recordes de produção. Está no Brasil, hoje, a maior unidade industrial da Fiat, que vai investir 5 bilhões de dólares nos próximos dois anos em sua operação brasileira; como dezenas de outras multinacionais, não faz isso por imaginar que o país esteja empenhado na construção do socialismo. A inflação recebeu do governo, a cada um dos últimos cinco anos, o combate que receberia em qualquer administração conservadora da economia. Segundo os dados do anuário Melhores e Maiores, de EXAME, que acaba de ser publicado, 221 empresas brasileiras tiveram faturamento superior a 1 bilhão de dólares em 2007. As vendas de computadores devem passar dos 11 milhões de unidades em 2008, e a indústria automotora promete produzir acima de 3,5 milhões de veículos. Tudo isso, e muito mais ainda, pode não aparecer com freqüência nos discursos em que o governo faz elogios a si mesmo. Mas são os fatos.

Raramente se menciona que o presidente Lula, mais talvez que qualquer de seus antecessores, é um homem que não estranha o mundo da produção e do trabalho; entre a soja e a preservação do bioma do cerrado, como já disse seu chefe-de-gabinete, Gilberto Carvalho, fica com a soja. Ele mesmo, Lula, não diz isso com todas as letras, por prudência e quilometragem rodada. Mas não há hipótese de que alguém o convença a liderar uma cruzada antiprodução, de soja ou de qualquer outra coisa, seja no cerrado, seja onde for. "O fato é que temos 25 milhões de pessoas que moram na Amazônia", disse o presidente em sua última entrevista a EXAME. "Elas querem televisão, carro, estrada, ferrovia, celular, bicicleta." Não é preciso nenhum grande analista político ou econômico para determinar o que Lula acha do desenvolvimento. Quem diz o que ele disse nessa frase deixa perfeitamente claro de que lado está.

Como diz nosso companheiro Bill Emmott, jornalistas gostam muito de lembrar aos leitores as previsões corretas que fizeram; têm um entusiasmo bem menor para lembrar as previsões em que erraram. O mais prático, assim, é não fazer previsão nenhuma sobre a nota que o presidente vai receber no futuro. O governo Lula ainda tem muito chão pela frente e, com o passivo que carrega em tantas áreas, sabe-se lá onde tudo isso pode acabar. Na economia, porém, há fatos que estão aí e vão ficar. É bom, desde já, não perder de vista essa realidade.


Ficou no lucro

A experiência mostra que raramente acontece algo de bom quando o público ouve falar em "mesa do Senado" ou em "mesa da Câmara". O mais comum, nessas ocasiões, é que o grupo de senadores que ocupam os cargos de direção da casa esteja utilizando suas prerrogativas para aprovar alguma coisa sem passar pelo aborrecido e incerto processo de votação no plenário - e quando agem dessa forma é praticamente certo que o Erário vai levar na cabeça. Estaria, no momento, aparecendo algum sinal de modificação nessa escrita? É difícil ser otimista em qualquer situação em que as palavras "Senado" e "Erário" aparecem juntas, mas o fato é que a última decisão da mesa não foi, no fim das contas, o que se esperava. Ou melhor: começou exatamente do jeito que se esperava, mas desandou no meio do caminho e acabou dando em nada. A decisão original da Mesa Diretora era criar mais 97 cargos "comissionados" no Senado - ou seja, cargos que são preenchidos sem concurso público, não exigem que o nomeado compareça ao local de trabalho e para os quais os senadores indicam parentes, amigos ou qualquer nulidade que lhes passe pela cabeça. Cada um desses novos servidores da República custaria aos contribuintes quase 10 000 reais por mês - um salário que a maioria dos brasileiros jamais terá em toda a sua vida de trabalho.

A mesa do Senado pode muito, mas não pode tudo. Não pode, por exemplo, fazer uma coisa dessas em segredo - e quando a imprensa divulgou o que estava sendo armado a disposição de levar adiante o projeto foi sumindo, até desaparecer. Não daria para os integrantes da mesa assumir em público, sozinhos, a autoria da manobra; a proposta teria de ser submetida à votação do plenário, e aí ficaria muito difícil aprová-la. Para não criar mais um problema, além de todos os que já têm, o presidente do Senado e seus companheiros de direção acharam melhor arquivar a idéia. É um bom sinal. Mostra que trens da alegria desse tipo, hoje em dia, tornaram-se mais complicados. Já não se pode levá-los em frente sem a participação do plenário - e já não se pode contar com o plenário para aprovar tudo, como de costume. No caso, a maioria teria de concordar com um disparate em estado puro: criar mais 97 empregos numa casa que já tem 6 200 funcionários e gasta em pessoal aproximadamente 1,5 bilhão de reais por ano para atender 81 senadores. É rigorosamente impossível, por qualquer raciocínio que se faça, demonstrar que qualquer Senado, em qualquer lugar do planeta, tenha serviço para justificar a presença de 6 200 cidadãos em sua folha de pagamentos. Que diabo toda essa gente estaria fazendo lá? Somando-se a eles os 14 000 funcionários da Câmara, resulta que o Congresso Nacional paga todos os meses a 20 000 empregados o equivalente ao quadro de pessoal de uma Volkswagen, uma AmBev ou uma Embraer.

A mesa do Senado recuou no caso dos 97 "comissionados", mas a vontade de empregar cada vez mais gente continua a mesma. O presidente da casa, senador Garibaldi Alves, acha que a multidão atual de funcionários não é suficiente e pretende abrir 150 novas vagas - que serão disputadas em concurso público, segundo nos assegura Sua Excelência. O contribuinte, em todo caso, deve mais é se dar por satisfeito. Se a mesa não tivesse voltado atrás, acabaria pagando duas vezes, pelos "comissionados" e pelos concursados. Estamos no lucro.


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