Fazendeiros trabalhando na colheita de trigo em uma fazenda próxima da cidade de Santo, na Argentina (Diego Giudice/Bloomberg)
Da Redação
Publicado em 25 de junho de 2014 às 20h25.
São Paulo - O Ministério da Agricultura defendeu nesta quarta-feira como "técnica" a decisão de isentar a importação de 1 milhão de toneladas de trigo, e prometeu intervir no mercado caso os preços para agricultores do Sul do país caiam abaixo do preço mínimo.
Do início desta semana até o dia 15 de agosto, importadores que comprarem trigo de fora do Mercosul estarão isentos da Tarifa Externa Comum (TEC), de 10 por cento, dentro da cota de 1 milhão de toneladas.
A medida foi recebida com surpresa por especialistas, porque ocorre num momento de ampla oferta no Sul e no Sudeste do país e tem potencial para derrubar os preços do produto, prejudicando a rentabilidade dos produtores rurais que se preparam para uma nova safra.
"O Nordeste iria fazer essa importação de qualquer maneira, dos Estados Unidos ou do Canadá", disse à Reuters nesta quarta-feira o secretário de Política Agrícola, Seneri Paludo.
"Por que não liberar? Simplesmente pelo fato de pagar 10 por cento mais caro?" Ele admitiu que a inflação teve certo peso na decisão da Câmara de Comércio Exterior, a pedido do Ministério da Fazenda, mas disse que a relevância de indicadores de inflação é "menor".
"Vínhamos há mais de 60 dias de postergação por ponto de vista técnico, por entender que não precisava fazer (redução) naquele momento. Agora entendeu-se que era preciso fazer, principalmente por causa do abastecimento do Nordeste."
Por questões de infraestrutura e custos de transporte, é mais barato para os moinhos do Nordeste trazerem trigo da América do Norte, sobre as quais habitualmente incide a TEC, do que de regiões produtoras como Rio Grande do Sul e Paraná ou da Argentina e do Uruguai, grandes fornecedores para o resto do Brasil.
O presidente do Moinho Pacífico, um dos maiores do país, criticou o momento escolhido pelo governo para isentar a importação. "É inoportuno esse momento.
O governo isenta a TEC agora, no momento da colheita do trigo nacional", disse Lawrence Pih, presidente do moinho localizado em Santos (SP).
O governo federal reconhece que as cotas de isenção de importação precisam ser distribuídas em todo o país, entre importadores tradicionais, sem poder direcionar esses volumes mais baratos apenas para o Nordeste.
Na avaliação de Pih, será uma oportunidade para moinhos do Sul e do Sudeste realizarem compras de baixo custo, para estoque.
"Eu sou beneficiado, mas sou contra (a isenção), analisando o quadro como um todo. Foi uma decisão equivocada, porque o governo vai ter que intervir para sustentar o preço", disse o executivo do Moinho Pacífico. Na avaliação do analista Élcio Bento, da consultoria Safras & Mercado, as indústrias haviam pedido que a isenção de TEC fosse retirada da pauta da Câmara de Comércio Exterior.
"Foi uma decisão totalmente dos ministérios, do governo, e a única motivação que eu consigo ver são os indicadores de inflação", disse ele. "As indústrias estão bem abastecidas e não haveria necessidade dessa medida agora."
"A medida ... é vista com uma iniciativa para evitar pressão sobre a inflação", disse a Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo), em nota.
Os especialistas ouvidos pela Reuters estimam que, apesar de uma restrição no início do ano, a Argentina tem hoje um bom volume de trigo disponível para a exportação, sem incidência do imposto de importação.
A Safras & Mercado projeta que o Brasil terá que importar não mais que 6,4 milhões de toneladas de trigo em 2014, contra 7 milhões em anos anteriores, devido à colheita recorde no Paraná e no Rio Grande do Sul.
Os dois Estados do Sul estão em processo de plantio da safra de trigo 2014, que deve ser colhida a partir de setembro e outubro.
Para os produtores gaúchos, que ainda não se desfizeram de todo o volume da safra antiga e reclamam de preços baixos, a isenção da TEC pode desestimular o plantio das últimas lavouras.
"A premissa é que (a isenção de TEC) vai reduzir o preço, e para a próxima safra, que a ideia era ampliar a área, fica em dúvida", disse o presidente da Federação das Cooperativas Agropecuárias (Fecoagro RS), Rui Polidoro Pinto.
"É mudar a regra do jogo no meio do jogo." O secretário de Política Agrícola entende que os preços no segundo semestre devem cair por uma questão sazonal, da entrada da safra, e não pela chegada de produto mais barato, isento de TEC.
"Vamos ter um aumento da oferta no mercado interno", disse o executivo.
Os preços ao produtor em Passo Fundo (RS) estão no menor patamar em 1 ano e acumulam perdas de 25 por cento desde um pico de outubro de 2013, segundo o Cepea. A cotação, de 30,54 reais por saca, está praticamente equiparada ao preço mínimo.
O Ministério da Agricultura garante que está preparado para intervir no mercado.
"Toda vez que os preços do mercado ... caírem abaixo do preço mínimo, o governo tem por obrigação de entrar fazendo a correção", disse Paludo.
Ele afirmou que eventuais intervenções serão feitas por meio de prêmios para escoamento e não com compras para estoques estatais. Por outro lado, nenhuma decisão está tomada quanto ao uso destes mecanismos e o ministério monitora a situação do mercado.