Economia

Governado pelo PT, Ceará vira exemplo de controle fiscal

Apesar do progresso recente, o Estado ainda está bem distante dos polos mais desenvolvidos do País

Praia do Vapor, em Paracuru, Ceará (Guilherme Almeida da Silva/Wikimedia Commons)

Praia do Vapor, em Paracuru, Ceará (Guilherme Almeida da Silva/Wikimedia Commons)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 11 de março de 2018 às 14h47.

Última atualização em 11 de março de 2018 às 15h26.

Fortaleza - A Escola Estadual de Educação Profissional Jaime Alencar de Oliveira, localizada numa área carente e marcada pela violência no bairro de Luciano Cavalcante, na zona leste de Fortaleza, é uma espécie de cartão de visita do governo do Ceará. É para lá que são levados os forasteiros interessados em conhecer o modelo desenvolvido pelo Estado para ser implementado nas escolas públicas profissionalizantes de nível médio, que se multiplicaram pelo Ceará nos últimos anos.

Inaugurada em 2013, a escola atende 520 alunos em período integral, das 7h10 às 16h, e serve café da manhã, almoço e lanche para a turma. Além das disciplinas do currículo regular, oferece cursos técnicos, como eletromecânica, manutenção automotiva e multimídia, e tem laboratórios bem equipados de biologia, química, física e informática, no padrão dos melhores colégios privados do País.

Os estudantes também têm aulas de empreendedorismo, nas quais montam um negócio próprio, e recebem orientações sobre o mundo do trabalho e projeto de vida, para ajudá-los a escolher o que pretendem fazer depois. No último ano, têm de fazer um estágio de, no mínimo, 300 horas, pelo qual recebem cerca de R$ 400 por mês, em empresas que firmaram parcerias com a escola. Nesse período, as aulas vão até 11h30, para que eles possam se dedicar ao estágio depois do almoço.

"Minha mãe queria muito que eu estudasse aqui", diz Samara dos Santos Coutinho, de 17 anos, que está no terceiro ano do curso de multimídia, no qual aprende a usar os programas gráficos Photoshop e Illustrator, entre outras atividades. "O que aprendi aqui tenho certeza de que não aprenderia em outras escolas. É como se fosse outro mundo."

Embora a EEEP Jaime Alencar seja uma exceção entre as escolas públicas cearenses, mesmo considerando que a educação no Ceará se tornou uma referência nacional, ela simboliza os crescentes investimentos que o Estado tem realizado na área social e em projetos de infraestrutura, com as polpudas sobras de caixa acumuladas recentemente. Com o setor público enfrentando enormes dificuldades em todo o País, com gastos que, em muitos casos, superam de longe a arrecadação, o Ceará exibe um resultado invejável em suas contas, o que lhe confere uma capacidade de investimento inusitada no Brasil de hoje.

Segundo o Ranking de Competitividade dos Estados de 2017, elaborado pelo Centro de Liderança Pública (CLP), com o apoio da Tendências Consultoria Integrada e da Economist Intelligence Unit (EIU), o Ceará ocupa o primeiro lugar no quesito "solidez fiscal", que leva em conta seis indicadores financeiros, entre as 27 unidades da Federação. Ocupa também a liderança no indicador "capacidade de investimento", um dos que influenciam a avaliação fiscal dos Estados. "O resultado obtido pelo Ceará não é algo ocasional", diz o economista Adriano Pitoli, diretor da área de análise setorial e inteligência de mercado da Tendências. "É um trabalho sério, que vem sendo construído ao longo dos anos."

"Equipe focada"

Em outro estudo sobre o cenário financeiro estadual, realizado pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) também em 2017, o Ceará aparece mais uma vez com a melhor situação fiscal, levando em conta os gastos com pessoal, a dívida pública, a disponibilidade de caixa e o volume de investimentos, em relação à receita corrente líquida. Ficou também em primeiro lugar na lista dos Estados com o maior volume de investimentos em relação à arrecadação, com índice de 11,1%, o dobro da média nacional.

"A gente tem uma equipe muito focada nessa coisa de controle e de eficiência do gasto", diz o governador Camilo Santana. "Agora, o mais importante é que, além de ter as contas controladas, o Ceará é o que mais investe, em especial nas áreas de educação, saúde, segurança e na melhoria dos serviços públicos, que é o que a população nos cobra."

Apesar do progresso recente, o Ceará ainda está bem distante dos polos mais desenvolvidos do País. O salto dado pelo Estado, porém, é notável e pode ser atribuído, em boa medida, à continuidade administrativa e à boa gestão fiscal realizada ao longo de vários governos, ligados a diferentes partidos. Desde o fim dos anos 1980, com o ex-governador Tasso Jereissati, do PSDB, até hoje, com Camilo Santana, do PT, passando pelos irmãos Ciro e Cid Gomes, atualmente no PDT, o Ceará tem mantido, com raros desvios pelo caminho, uma louvável política de gestão. Como, no Brasil, os governos que entram costumam desfazer tudo o que os governos que saem fizeram, independentemente do mérito dos projetos, trata-se de uma conquista e tanto.

Ironicamente, a boa gestão fiscal do Ceará desenrolou-se, quase toda, em governos de esquerda e manteve-se agora no governo do PT, que costuma fazer oposição cerrada à responsabilidade fiscal e defender o aumento sem lastro dos gastos públicos, para alavancar a economia. Não por acaso, Jereissati, hoje senador pelo PSDB, diz que o atual governador "é o mais tucano dos petistas". "A União, quando tem déficit, pode emitir moeda e títulos públicos, e aprovar uma lei no Congresso para avalizar o resultado negativo", diz Santana. "Aqui, isso não é possível."

De acordo com o secretário da Fazenda, Mauro Benevides Filho, que está no cargo desde 2007 e antes foi secretário de Administração e do Planejamento e chefe da Casa Civil em diferentes gestões, a fórmula do sucesso é simples, embora poucos a coloquem em prática no País: maximizar a receita, sem subir impostos, e controlar com rigor os gastos.

Previdência

Em 2016, o Ceará aprovou a sua PEC dos Gastos para limitar as despesas públicas, por um período de cinco anos, em vez dos 20 aprovados pelo governo federal. Além disso, a PEC do Ceará, embalada como Emenda Constitucional do Crescimento Sustentável, estabeleceu o controle das despesas de pessoal e de custeio da máquina administrativa, mas deixou de fora o investimento, a educação e a saúde. O governo do Estado ainda conseguiu aprovar na Assembleia Legislativa a elevação da alíquota previdenciária dos servidores de 11% para 14%, além de ter reduzido os incentivos fiscais e não ter implementado o Refis (programa de refinanciamento de dívidas tributárias), como outros Estados.

Surpreendentemente, o Ceará fez tudo isso sem enfrentar greves de servidores. Na visão de alguns analistas, o governo do Estado, por ser ligado ao PT, conta com a complacência dos chamados "movimentos sociais". O governo cearense, porém, diz que a razão para a trégua está no "diálogo" mantido com as entidades. "Procuramos mostrar que o ajuste é bom e gera recursos para investimento", afirma Benevides Filho. Segundo ele, o ajuste fiscal não deve ser um fim em si mesmo. "É fácil parar o investimento, em vez de cortar gastos com pessoal e custeio, mas o investimento é a mola propulsora do crescimento econômico."

Pente fino

Uma das principais ferramentas usadas pelo governo do Ceará para controlar os gastos é um órgão chamado Comissão de Gestão Fazendária (Cogef), criado em 2005. O Cogef, composto por Benevides Filho e mais quatro secretários de Estado, é o responsável pela aprovação de todas as despesas de custeio da "máquina". No Ceará, de acordo com ele, os secretários não despacham com o governador para tratar de custeio, mas para definir políticas públicas e investimentos. Ainda assim, a Fazenda só libera os recursos para investimento depois de Santana informar que a ação é prioritária por meio de um sistema batizado de Monitoramento de Ações e Projetos Prioritários (Mapp), que liga os gestores das diferentes áreas do governo em rede.

Para Benevides Filho, foi esse modelo de gestão que permitiu ao Ceará promover um corte significativo nas despesas correntes, que ele prefere chamar de "otimização de gastos", da ordem de R$ 400 milhões (12% do total) em 2015. Ele afirma que a redução atingiu gastos com energia, combustível, telefonia fixa e móvel e foram complementados pela renegociação de contratos com fornecedores.

Ao mesmo tempo, o Ceará conseguiu aumentar a arrecadação ao promover o corte de impostos, porque a sonegação diminuiu, em outra política que, como o ajuste fiscal, vai contra a pregação tradicional da esquerda no Brasil. O Estado reforçou também a fiscalização, por meio de um sistema que avalia 61 indicadores das empresas e aponta possíveis incongruências nas informações e pagamentos ao Fisco local.

Metas de crescimento

Benevides Filho conta que o Estado reduziu a alíquota de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) de vários setores, como alimentação e computadores, em troca da imposição de metas de crescimento nas contribuições das empresas. Aquelas que não cumprem a meta têm de pagar a alíquota original como penalização. Além disso, em setores como o de calçados, que tem 30 mil pontos de varejo, nos quais a fiscalização é mais complicada, a retenção do imposto passou a ser feita pelos grandes distribuidores, que não chegam a meia dúzia.

Com o ajuste feito nas contas públicas e o rigor fiscal praticado em vários governos e pela atual gestão, o Ceará conseguiu alcançar uma posição de destaque entre os Estados - muitos dos quais estão "quebrados" ou em situação pré-falimentar. Em meio à resistência a controlar os gastos, o Estado mostra que, independentemente da ideologia dos governantes, a responsabilidade fiscal traz benefícios palpáveis para a população. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Acompanhe tudo sobre:CearáCorrupçãoFortaleza

Mais de Economia

China e Brasil: Destaques da cooperação econômica que transformam mercados

'Não vamos destruir valor, vamos manter o foco em petróleo e gás', diz presidente da Petrobras

Governo estima R$ 820 milhões de investimentos em energia para áreas isoladas no Norte

Desemprego cai para 6,4% no 3º tri, menor taxa desde 2012, com queda em seis estados