GAVAZZONI, DE SC: para ele, reduzir a dívida dos estados é questão de justiça / Divulgação/ AEC
Da Redação
Publicado em 27 de abril de 2016 às 12h28.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h28.
O secretário da Fazenda de Santa Catarina Antonio Gavazzoni é um homem de 300 bilhões de reais. Gavazzoni é o principal defensor da chamada “tese catarinense” sobre a dívida dos estados que será julgada pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quarta-feira. De acordo com a ideia, os débitos estaduais com a União devem ser corrigidos utilizando-se juros simples, em vez de compostos. Mais seis estados, entre eles Rio Grande do Sul e Minas Gerais, seguiram o exemplo de Santa Catarina e entraram com recursos que serão julgados hoje.
A medida já incendiou o debate econômico e a relação dos estados com a União. Se acatada pelo STF, pode causar um rombo de 313 bilhões de reais aos já combalidos cofres públicos federais caso seja aplicada pelos 27 estados, de acordo com estimativas da assessoria fiscal do Senado. Seria um caos para Dilma Rousseff ou para uma futura presidência de Michel Temer.
Para Gavazzoni, o que está em jogo é apenas fazer valer os termos da lei complementar 151, sancionada no ano passado pela presidente Dilma Rousseff, que pretende reduzir as dívidas dos estados com a União. A lei mudou termos da renegociação da lei anterior, de 1997. A principal mudança está no indexador dos contratos, que por 16 anos usaram o Índice Geral de Preços (IGP), que calcula inflação, pela variação acumulada da taxa Selic de 1998 a 2013. A ideia era a de que como o governo federal mantinha uma política de redução de juros para estimular a economia, os estados acabariam se beneficiando no longo prazo com saldos devedores menores.
Mas, pelas contas de Gavazzoni, devido aos altos e baixos da Selic desde os anos 90, se aplicado o juro composto sobre a variação da taxa, a dívida catarinense aumentaria em vez de diminuir – ao contrário do que prevê o artigo 3 da lei de 2015. No novo indexador, a dívida catarinense aumentaria um bilhão de reais – chegaria a 9,5 bilhões de reais. Com o juro simples, o saldo cai para três bilhões de reais. “A lei diz que os estados deverão ter desconto na dívida, independentemente do indexador”, diz ele. “Toda a renegociação só faz sentido se os estados conseguirem reduzir a dívida, em vez de aumentá-la.”
A ideia de recorrer ao STF veio de uma análise da equipe técnica comandada por Gavazzoni na Secretaria de Fazenda catarinense – conhecida como “gava boys” pela influência que exercem na administração do governador Raimundo Colombo (PSD). Embora o padrão em aplicações financeiras seja o juro composto, a argumentação de Gavazzoni é a de que órgãos da União, como a Receita Federal, utilizam o juro simples na cobrança de dívidas de seus contribuintes. Para ele, trata-se de uma injustiça. “Por que o governo federal quer colocar o indexador mais caro do mercado justamente sobre a dívida dos entes federativos responsáveis pela maioria dos serviços públicos”, diz ele.
Se a chamada tese catarinense for derrubada pelo STF, Gavazzoni prevê uma quebradeira geral nos estados. A recessão atual tem diminuído o volume de impostos sobre o consumo, como ICMS e IPVA, responsáveis pela maioria dos recursos à disposição dos estados – em Santa Catarina, eles representaram 90% dos 30 bilhões de reais em arrecadação bruta em 2015. Além disso, os estados são hoje os principais responsáveis por colocar em prática obrigações constitucionais como os repasses obrigatórios para educação e saúde.
A administração catarinense, embora tenha cortado gastos com pessoal, implantado regras mais rígidas para a previdência estadual e criado um sistema de monitoramento sobre as dívidas das empresas, o que aumentou a arrecadação de impostos em 45% desde 2011, enfrenta dificuldades. No ano passado, o orçamento fechou com déficit de 235 milhões de reais – o primeiro desde 2012.
O enxugamento das despesas do governo catarinense é uma causa pessoal de Gavazzoni. Nascido em uma família de descendentes de italianos de Xanxerê, no oeste catarinense, ele foi procurador do município de Chapecó nos anos 2000 e assumiu a primeira vez um cargo estadual em 2007, como secretário de administração na gestão de Luiz Henrique da Silveira. Em 2011, comandou a Celesc, empresa pública de energia, na qual implantou um programa de demissão voluntária que economizou 289 milhões de reais aos cofres públicos, e despertou a admiração de Colombo, que o chamou para comandar os cofres estaduais em 2013.
Em Santa Catarina, o zelo pelas contas estaduais lhe rendeu a fama de pão-duro. Mas o aproximou de Colombo, com quem costuma conversar sobre tomada de decisões nas demais secretarias – recentemente, um programa de pagamento de bônus por desempenho, implantado inicialmente na Secretaria da Fazenda, foi expandido para 1 600 servidores da saúde. Entre os secretários de fazenda de outros estados, é conhecido por sua articulação – é um dos poucos que mantém presença nas redes sociais para defender os pontos de vista.
Fazer seu ponto de vista prevalecer no Supremo será duro na visão de analistas e estudiosos de contas públicas. Se o pedido de Santa Catarina passar no STF, a lógica das aplicações financeiras em todo o país fica sujeita a mudanças. “Ela abre o precedente para uma empresa devedora entrar na Justiça para mudar o cálculo de sua dívida, dando um benefício muito grande para o devedor em relação ao credor”, diz Bernard Appy, ex-secretário de política econômica do Governo Lula e presidente do Centro de Cidadania Fiscal. “Vai ser uma grande confusão.” Para os “gava boys” é só questão de justiça.
(Leo Branco)