Riacho que atravessa a favela Vietnã, sul de São Paulo, passa por desinfecção em 9 de julho de 2020 (Andre Lucas / picture alliance/Getty Images)
Ligia Tuon
Publicado em 2 de setembro de 2020 às 14h38.
Última atualização em 2 de setembro de 2020 às 15h03.
Uma forte expansão das classes D e E no Brasil, formadas por trabalhadores com até R$ 1974 de renda familiar, em detrimento de uma queda em todas as outras, será a principal consequência da crise do coronavírus a marcar o período pós-pandemia, alerta a MB Associados.
A distribuição de renda no país tem piorado desde 2014, no início da última recessão brasileira, mas o movimento foi intensificado pela pandemia. A MB estima que as classe D e E devem representar 57,5% dos domicílios em 2021, contra 51,9% em 2014.
Embora o pagamento do auxílio emergencial de 600 reais tenha melhorado a renda da parte mais pobre da população nos últimos meses, esse quadro deve se deteriorar rapidamente após o fim da ajuda governamental, diz a consultoria em carta divulgada a clientes nesta semana.
A MB calcula um aumento de 12% (11,9 milhões de pessoas) nas Classes D e E entre 2019 e 2021, ante uma redução de 2% na classe média. No período, a classe C deve ter queda de 1,36 milhão de pessoas, a classe B, queda de 723 mil e a classe A, de 590 mil.
Essa previsão conta com o fim do socorro do governo no fim do ano com o Renda Brasil, programa mais amplo que deve substituir o Bolsa Família no ano que vem, com possíveis parcelas ao redor de 300.
"Com a flexibilização do mercado de trabalho com jornadas parciais e intermitentes e o fim da redução da jornada acordada este ano, corre-se o risco de, primeiro, uma continuidade na queda do emprego ano que vem. Segundo, as novas regras podem permitir arranjos trabalhistas com renda menor, fazendo com que as classes D e E se mantenham elevadas", diz.
A queda de renda prevista para os próximos anos será mais sentida nos estados do Norte e do Nordeste do país, onde se concentram 50% das classes D e E do Brasil, e apenas 18% da classe A, segundo projeções da MB de 2021.
Esse movimento fará com que o PIB do Nordeste contraia 7,5% entre 2014 e 2021, calcula. Enquanto isso, o da região Centro Oeste pode crescer 3,2% nesse mesmo período, beneficiada pelo agronegócio.
Sobre o Nordeste, a consultoria destaca que, apesar de ser, historicamente, alvo de programas como o Bolsa Família, os números não mostram que a forte dependência de programas de renda e previdência na região não ajudaram a mudar o padrão de desenvolvimento.
Nesse contexto, o Nordeste, de novo, parece que será o centro da disputa política regional para 2022, assim como foi para o PT depois de 2003, ressalta o relatório. O que o Bolsa Família foi para o partido naqueles anos, o Renda Brasil poderá ser para o Bolsonaro:
"Quando o Estado falta, a crise surge de forma mais aguda no Nordeste em relação a do a outras regiões. Mas parece que não será dessa vez que a região será vista de outra forma além da disputa de interesses políticas pela eleição de 2022", diz.
Embora o crescimento regional das classes D e E seja mais concentrado no Nordeste, o Sudeste também vai registrar forte alta nesse sentido, provavelmente por conta das perdas no setor de serviços, com peso relevante na região, diz a MB.
A MB melhorou sua previsão para o PIB de 2020 nesta terça-feira, após divulgação do resultado do segundo trimestre pelo IBGE, de uma queda de 5,3% para contração de 4,8%. Para 2021, a consultoria espera avanço de 2,2% na economia:
"Segue sendo verdade que a tendência é de crescimento baixo nos próximos anos enquanto não se equacionar novamente a questão fiscal. Caso não seja feita, nova onda de instabilidade ocorrerá".