Economia

Fim do boom da classe média de Putin transforma poupança em luxo

A capacidade de economizar é a mais recente linha a separar os russos e menos de um quinto da população se considera de classe média

Visitantes caminham na "ponte flutuante" no parque Zaryadye para ver as torres do Kremlin no pôr-do-sol (Andrey Rudakov/Bloomberg)

Visitantes caminham na "ponte flutuante" no parque Zaryadye para ver as torres do Kremlin no pôr-do-sol (Andrey Rudakov/Bloomberg)

João Pedro Caleiro

João Pedro Caleiro

Publicado em 22 de junho de 2018 às 15h44.

Última atualização em 22 de junho de 2018 às 15h56.

Até mesmo economizar dinheiro está se tornando um luxo acessível para poucos russos em uma economia com renda estagnada e dificuldade para se recuperar.

A capacidade de economizar é a mais recente linha a separar os russos que têm dos que não têm após a mais longa recessão do país neste século, e menos de um quinto da população se considera parte da classe média.

A parcela de renda mantida como poupança agora está perto da menor desde que o presidente Vladimir Putin chegou ao poder em 2000, apesar de pesquisas sugerirem que uma em cada quatro pessoas diga que este é o momento certo para guardar dinheiro.

"As pessoas entendem que é bom economizar, mas elas simplesmente não têm recursos suficientes", disse Marina Krasilnikova, chefe do departamento de pesquisa sobre consumo e padrões de vida no Levada Center, em Moscou. "A renda é destinada ao consumo, que havia sido adiado por um longo tempo."

Para piorar a situação, dados que serão publicados nesta quarta-feira mostrarão que o crescimento nos salários reais e na renda disponível desacelerou em maio, forçando as pessoas a se endividarem para manter os gastos depois de anos cortando custos.

No último trimestre, o comércio atacadista e varejista contribuiu com zero para a expansão de 1,3 por cento do produto interno bruto.

A difícil situação das famílias russas chamou a atenção de Putin. Reeleito em março para um quarto mandato no Kremlin, um recorde, o presidente ordenou que seu governo reduza a pobreza pela metade até 2024 e proporcione um "avanço decisivo" nos padrões de vida.

Em um sinal de disparidade crescente, apenas depósitos de 1 milhão de rublos (US$ 15.700) ou mais cresceram em volume durante o primeiro trimestre, segundo dados da Agência de Seguros de Depósitos, órgão estatal. Isso se compara com uma conta de poupança média de 167.600 rublos até 1º de abril.

Quase dois terços dos russos dizem que suas famílias não têm poupança, mas mais da metade dos entrevistados ainda quer economizar dinheiro, de acordo com uma pesquisa realizada para o banco central em maio.

Embora a crescente desigualdade persiga a Rússia desde o colapso da União Soviética, há mais de um quarto de século, a riqueza que se espalhou durante os anos do boom do petróleo foi suficiente para dobrar a classe média para mais de 60 por cento da população e transformar a demanda do consumidor no motor da economia.

No entanto, atualmente apenas 19 por cento da população se considera de classe média, o que significa que eles têm dinheiro para comprar produtos como móveis e eletrodomésticos, segundo o centro de pesquisas da NAFI.

Cinto apertado

Os russos precisam ganhar pelo menos 60.000 rublos por mês - quase 40 por cento mais que o salário nominal médio em abril - para serem considerados de classe média, de acordo com a empresa de classificação doméstica ACRA.

Pressupõe-se que as pessoas desse grupo possam comprar todos os bens necessários, viajar para o exterior, economizar dinheiro e conseguir um empréstimo para um carro e uma hipoteca, afirma a empresa.

"Qualquer crescimento nos salários provavelmente não irá para a poupança", disse Svetlana Misikhina, vice-diretora do Centro de Desenvolvimento da Escola Superior de Economia da capital russa. "Parece que quem apertou o cinto e recorreu a suas economias para sobreviver nesses anos ainda não conseguirá começar a poupar dinheiro."

Nível de poupança na Rússia

Na barra laranja, a porcentagem de quem considera um bom momento para guardar dinheiro. A linha branca mostra a proporção da poupança em relação à renda. (Gráfico/Bloomberg)

 

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