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Da Redação
Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h11.
O leilão para privatizar a Cesp, a geradora de energia controlada pelo estado de São Paulo, deveria ser o maior desde a privatização do Banespa, ocorrida no já distante ano 2000. Acabou, ao fim, não sendo nada. No dia marcado, na verdade, não houve leilão algum, pois simplesmente ficou faltando um elemento essencial: os compradores, que não apareceram para comprar. Diante do preço mínimo de 6 bilhões de reais estabelecido pelo governo do estado, desistiram de fazer qualquer proposta, calculando que iriam pagar caro demais por um negócio incerto -- teriam de desembolsar ao todo entre 20 bilhões e 22 bilhões, incluindo oferta obrigatória aos acionistas minoritários, pagamento de dívidas e outras obrigações, por uma empresa que tem dois terços de sua energia gerada em duas usinas cuja concessão expira em 2015. Até a véspera, as autoridades garantiam que a resistência demonstrada pelos interessados diante do preço era apenas um movimento especulativo para levar o governo a alguma proposta com cifras mais modestas; PT, MST, grupos de "excluídos" por barragens e outros inimigos da privatização exibiram seus ruídos de costume, ameaçando impedir a venda seja qual fosse o preço. Nada disso teve efeito prático. A Cesp continua estatal porque, nas condições em que é oferecida, não há interesse de empresas privadas em ficar com ela.
"O importante é que o governo não cedeu", disse o governador José Serra após o não-leilão. É curioso, pois até agora pensava-se que o importante era vender a empresa; aparentemente, foi com esse propósito que o governo do estado a colocou à venda. O governador, que sempre teve mais dúvidas do que entusiasmo em matéria de privatização, não aceita vender a Cesp. por um preço que julga baixo; ao mesmo tempo, queria muito aqueles 6 bilhões para aplicar em obras, por estimar que seria mais eficaz para o estado resolver problemas de infra-estrutura urgentes do que continuar acionista majoritário de uma empresa produtora de eletricidade. Não foi o que aconteceu, e agora não se sabe quando acontecerá. É um problema, pois o fracasso do leilão da Cesp está longe de ser uma questão paulista ou de troca de patrimônio estatal por bens mais úteis para o público. Na mesma situação da Cesp, em diversos outros pontos do Brasil, há companhias de geração energética com concessões a vencer também em 2015. Não há nenhum sinal mais preciso de que o governo da União esteja perto de uma definição a respeito do tema. A Agência Nacional de Energia Elétrica diz que haverá uma solução e que ela será a mesma para a Cesp e todas as demais. Quando e como, exatamente, isso será feito? É coisa que não se sabe. Também não está claro como serão definidas as regras do jogo na área, a começar pela questão das tarifas -- outro item essencial na equação toda.
O que se sabe, com toda a certeza, é que o consumo de energia elétrica está aumentando ao ritmo de 5% ao ano, que a oferta atual não é suficiente para dar segurança aos consumidores e que o crescimento da economia vai exigir mais produção de eletricidade. Não se vê, na esfera federal ou nos estados, onde há dinheiro disponível (e suficiente) para os megainvestimentos que o setor exige para sustentar o desenvolvimento do país. Os investidores privados na área, que por qualquer conta que se faça são indispensáveis, estão muito menos ansiosos para colocar dinheiro nesse negócio do que se imagina que pudessem estar -- como acaba de ficar claro com o fracasso da venda da Cesp. É algo que deixa o PT e os "movimentos sociais" muito felizes, mas não acende uma lâmpada a mais. Se o que aconteceu em São Paulo levar o governo a pensar e decidir com mais urgência sobre a questão, aí, sim, terá ocorrido alguma coisa de fato importante.
Passeio ao acaso
Sempre é bom, quando o ministro Guido Mantega vem a público dizer alguma coisa, esperar um pouco para ver realmente do que se trata. É comum o ministro da Fazenda dizer que vai, depois não vai, dali a pouco acaba indo e no fim diz que não foi -- ou faz, passo por passo, o exato contrário disso tudo. Arrisca-se a perder tempo à toa, assim, quem leva essas coisas ao pé da letra. O prazo de validade das declarações de Mantega é um item em aberto; só mesmo deixando passar uns dias para saber com um grau razoável de segurança o que vale e o que não vale daquilo tudo que se ouviu. No episódio mais recente do gênero, o ministro afirmou que o número total de prestações nos financiamentos para a compra de carros estava alto demais -- era de seu conhecimento que havia na praça crediários com até 90 meses de pagamento, imaginem só, ou mesmo de dez anos. Assim não pode ficar, informou ele. Não disse, precisamente, quantas prestações o deixariam satisfeito, mas não ficou dúvida de que a Fazenda estava pensando em reduzir seu número -- se não estivesse, por que falaria que os prazos atuais são excessivos?
Mas o ministro, logo em seguida, disse que não estava -- assim que soube do desagrado que suas idéias sobre o assunto tinham causado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que atribui ao alongamento do crédito, justamente, o atual dinamismo na venda de carros. Se não pretendia limitar a quantidade de parcelas, como acabou dizendo -- e se, obviamente, também não pretendia aumentá-la --, que diabo, no fim das contas, estaria pretendendo? A única conclusão possível é que Mantega queria deixar tudo como está; se alguém entendeu coisa diferente, é porque não soube ouvir o que ele disse. O fato é que nessa, como em outras histórias da mesma família, o ministro sai andando atrás de uma idéia qualquer, sem saber exatamente aonde vai chegar; tenta ir por aqui, depois por ali e, quando não chega a lugar nenhum, dá o passeio por encerrado. No caso do crédito para a venda de veículos, o ponto de partida parece ter sido algum tipo de ansiedade com a inflação: prestações demais levam a procura demais, procura demais leva a vendas demais e vendas demais levam a aumento de preços. Ou, então, havia preocupação com a economia em geral. O crédito conduz a mais produção, que pressiona a demanda de matéria-prima, que por sua vez leva a escassez e daí, de uma coisa a outra, chega-se ao fim do mundo.
Notou-se no episódio, igualmente, a habitual tendência das autoridades brasileiras em interpretar como os cidadãos devem gerir sua vida pessoal; em vez de limitar-se a informar o que é ou não permitido fazer de acordo com a lei, atribuem a si próprias o papel de decidir o que é bom, mais ou menos ou ruim para as pessoas. Ficar pagando um carro durante 70, 80 ou 90 meses, por exemplo, é considerado ruim pelo Ministério da Fazenda. Ruim por quê? Porque é muito tempo. E daí, o que o governo tem a ver com isso? É possível que a prestação de número 90, a ser paga lá pelo final do ano 2015 em um financiamento feito hoje, tenha valor superior ao preço total que o proprietário obteria pelo carro àquela altura. Não está claro se isso chega, sequer, a ser um problema -- o tomador do crédito terá usado o carro durante sete anos e meio, como numa operação de leasing. Se for um problema, será um problema dele, e não da política nacional de crédito. Mas o melhor de tudo, nesse passeio ao acaso, talvez tenha sido a preocupação do ministro com a saúde dos bancos. Nas explicações que foi dando sobre os motivos de ter levantado a questão, Mantega informou que tinha dúvidas: será que os bancos não estariam correndo riscos ao dar tanto crédito assim aos compradores de carro? Convocou, até, uma reunião com os principais banqueiros do país em Brasília, na qual a soma de tudo o que os dois lados tiveram a dizer de útil quanto ao tema chegou exatamente a zero.
Os três maiores bancos privados do país, Bradesco, Itaú e Unibanco, lucraram um total de 20 bilhões de reais em 2007, o melhor resultado da história; sabem uma ou duas coisas, portanto, a respeito de como ganhar dinheiro. Gostariam, em vez de receber esse bondoso tipo de atenção, de não ter de pagar os aumentos de impostos que o ministro Mantega, justo ele, acaba de lhes socar no lombo. Seja como for, ficamos todos sabendo que o Ministério da Fazenda está alerta a qualquer sinal de perigo e não deixará que a venda de carros leve o Brasil a uma crise bancária. É um alívio.