Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) (Edilson Rodrigues/Agência Senado)
Alessandra Azevedo
Publicado em 18 de março de 2021 às 15h00.
Última atualização em 18 de março de 2021 às 15h49.
Ao contrário do que diz o Ministério da Economia, a emenda à Constituição resultante da PEC Emergencial, que abriu espaço para um novo auxílio emergencial, está longe de ser uma “reforma fiscal”, na avaliação do diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe Salto.
Em entrevista à EXAME, o economista alerta que o benefício aos mais vulneráveis virá por Medida Provisória, mas os ajustes nas contas públicas que compensariam o gasto não têm data para chegar. “A PEC foi proposta como uma espécie de barganha do Ministério da Economia para trocar um possível ajuste fiscal pelo auxílio, só que as regras não vão gerar ajuste fiscal em 2022, em 2023 e, provavelmente, nem em 2024”, aponta Salto.
Os gatilhos tão defendidos pela equipe econômica do governo, como congelamento de salários de servidores públicos, só terão efeito a partir de 2025, pelos cálculos da IFI. Além disso, estados e municípios não serão obrigados a adotar as medidas de contenção de gastos, mesmo em momentos de urgência fiscal, e o dispositivo que prevê diminuição de incentivos tributários corre o risco de não gerar efeitos.
Veja os principais trechos da entrevista:
O governo deve enviar nos próximos dias a medida provisória do auxílio emergencial. A PEC aprovada pelo Congresso, agora emenda, estabelece um limite de 44 bilhões de reais para gastos com o benefício fora do teto. Esse limite era necessário?
A saída encontrada, que foi fixar o valor na Constituição, dá mais garantia ao governo, porque havia incertezas sobre as condições de imprevisibilidade e urgência exigidas para fazer o crédito. Por outro lado, amarra bastante as possibilidades, porque o valor foi fixado em 44 bilhões de reais. É bastante inusitado colocar um número nominal na Constituição.
Significa que, se precisar de um novo auxílio ao longo do ano, o governo precisará contar com mais uma PEC?
Se for preciso fazer uma nova rodada de auxílio, é possível que seja necessária uma nova emenda. E esse não é um cenário desprezível. A recuperação que se espera no segundo semestre depende muito da possibilidade dos governos estaduais poderem fazer menos restrições à circulação, e isso só vai acontecer se a vacinação tiver sido feita em um percentual relevante da população, o que hoje não está acontecendo. A gente tem um horizonte bastante desanimador, a julgar pelo ritmo até agora.
Nesse caso, seria preciso começar do zero o processo para liberar o auxílio?
O fato de o auxílio ter sido criado por PEC criou uma jurisprudência de que agora, se for preciso fazer um novo crédito, diante de uma situação que se agrave, que não melhore e que vai de novo requerer uma PEC para que o governo não fique exposto ao risco de que o crédito seja questionado. Mas é cedo para dizer. A gente precisa ver primeiro como vai caminhar esse cenário, para depois avaliar se vai ser preciso ou não.
Na PEC tem alguma contrapartida imediata para compensar o gasto com o auxílio?
Não existe nenhuma contrapartida agora. As regras que estão sendo criadas seriam a contrapartida, mas para um ajuste que aconteceria ao longo do tempo. A PEC foi proposta como uma espécie de barganha do Ministério da Economia para trocar um possível ajuste fiscal pelo auxílio, só que as regras propostas não vão gerar ajuste fiscal em 2022, em 2023 e provavelmente nem em 2024. A regra prevista para a União só vai permitir acionar gatilhos em 2025, pelas nossas contas.
Quais são as falhas da proposta nesse sentido?
A PEC criou três canais que poderiam ser fontes de ajustes. O primeiro é a regra do gasto obrigatório da União: quando passar de 95% da despesa primária, acionaria um conjunto de gatilhos. Pelas nossas contas, só em 2025 se atingiria esse percentual de 95%. Outro canal são os gastos tributários. A PEC prevê redução dos incentivos tributários, mas a única obrigação é que o Executivo apresente o plano, um conjunto de projetos de lei pra reduzir esses gastos. Se o Congresso não aprovar, não tem sanção nenhuma prevista.
O que acontece se o governo não enviar o plano?
O governo é obrigado a mandar em até seis meses, mas mandar para o Congresso não significa nada. Pode ficar tramitando para sempre lá. O Congresso não tem obrigação nenhuma, nem prazo para aprovar a proposta. A PEC não prevê nenhuma sanção. Vale dizer também que a emenda já prevê exceções logo de saída, e elas representam metade do volume dos gastos tributários.
Qual é o terceiro canal de ajuste?
Adoção das medidas por estados e municípios, só que a regra é facultativa. Se atingirem 95% gasto corrente sobre receita corrente, fica facultado ao governador ou prefeito acionar medidas de ajuste, mas não é automático. A única sanção que existe é que, se não acionar, fica sem possiblidade de ter o aval do Tesouro em operações de empréstimo que venha a fazer com organismos multilaterais, bancos etc. Resumo da ópera: os três canais que estão sendo propostos não têm nenhuma garantia de um ajuste no curto prazo.
Todos esses pontos que você falou poderiam ter sido ajustados durante a tramitação.
Sim. É uma especulação que precisa ser feita com o governo, porque a proposta do senador Marcio Bittar já veio com o percentual de 95% para a União. Por que não 93%? Se fosse 93%, os gatilhos poderiam ser acionados já em 2022. Tecnicamente, poderia ser um percentual menor, para poder acionar logo. O governo teve essa oportunidade e não fez. Da forma que ficou, ano que vem não vai ter nenhum ajuste adicional. O teto de gastos continua valendo, mas eventuais espaços que surjam no teto vão poder ser usados para dar reajuste salarial, por exemplo.
Surgiram boatos de que, com a PEC Emergencial, o serviço público ficaria 15 anos com salário congelado. Isso é fake news?
Sim. Não existe isso na PEC. Não se congela salário por 15 anos. O que faz é criar a possibilidade de acionar gatilhos e, dentro dos gatilhos, existe proibição de conceder reajuste. Se o teto for rompido em 2025, aciona automaticamente os gatilhos, no caso da União. Só que, em 2026, pode alterar a regra do teto e, mais do que isso, se acionar gatilhos em 2025, o gasto de pessoal vai ficar mais controlado e pode ser que o percentual baixe de 95% ao longo do tempo. Nada garante um prazo fixo a respeito disso.
Na Câmara, durante a tramitação, os deputados tiraram a proibição de progressão de carreira. Isso faz muita diferença na economia possível?
Faz. Para se ter uma ideia, o gasto da União cresce 3% ao ano impactado pelas reposições de aposentadoria, pela quantidade de servidores, mas também pela progressão. No ano passado, o gasto cresceu mais ou menos nessa faixa sem que houvesse reajuste. Quando tira isso dos gatilhos, tira um poder grande da PEC, que seria possibilidade de manter despesas de pessoal mais controladas.
Os parlamentares também retiraram a possibilidade de desvinculação do Orçamento, mas essa ideia ainda pode voltar. Acha viável?
A única coisa que de fato mudou com a PEC nesse aspecto é a questão dos fundos públicos. Há um dinheiro grande depositado na conta única, que chama superávit financeiro. São recursos vinculados que agora vão ser desvinculados e que não podiam ser gastos em outras finalidades. O que a PEC permite é que o governo utilize esse saldo da conta única para poder abater da dívida pública. Ajuda na gestão da dívida, mas não abre nenhum tipo de espaço fiscal.
Então também não pode ser considerada uma medida de ajuste?
É uma medida de gestão fiscal que é positiva, pode gerar certo alívio para o Tesouro, se puder pegar esses recursos e não precisar emitir tantos títulos quanto precisaria na ausência deles. Mas no fundo não reduz a dívida pública.
O ministro Paulo Guedes tem falado de renovar o Pronampe e o Beneficio Emergencial. Acha que são medidas importantes e viáveis agora?
O BEm tem 8 bilhões de reais de restos a pagar do ano passado. Se esses restos se forem executados, ficam fora do teto. Há espaço orçamentário para fazer reedição do BEm. Mas tem que ver exatamente o que vão fazer, para poder avaliar como vai ser financiado.
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