Economia

Famílias gastaram mais com moradia, impostos e dívidas na última década

Despesas com habitação consumiram a maior proporção da cesta de consumo, 36,6%, ainda mais do que absorviam de recursos na POF anterior

Consumo das famílias: (Ricardo Funari/Brazil Photos/LightRocket/Getty Images)

Consumo das famílias: (Ricardo Funari/Brazil Photos/LightRocket/Getty Images)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 4 de outubro de 2019 às 11h45.

Última atualização em 4 de outubro de 2019 às 12h20.

Em uma década, os brasileiros passaram a gastar mais com impostos e com o pagamento de dívidas, encurtando o espaço no orçamento para investimentos no patrimônio, segundo os dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2017-2018, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

As famílias brasileiras gastaram, em média, R$ 4.649,03 por mês em 2018. As despesas de consumo absorveram 81,0% do orçamento familiar (contra 81,3% na POF anterior, de 2008-2009), enquanto o pagamento de outras despesas correntes, como os impostos e contribuições trabalhistas, consumiu outros 11,7% (ante uma fatia de 10,9% na POF anterior), e 3,2% foram destinados à diminuição de dívidas (ante 2,1% na POF 2008-2009).

Do orçamento das famílias com até dois salários, 61% foi gasto com alimentos e habitação.

Apenas 4,1% do orçamento familiar foram dirigidos ao aumento do ativo, ou seja, a despesas com aquisição de imóveis, construção ou melhoramento de imóveis próprios e investimentos em títulos de capitalização, títulos de clube e aquisição de terrenos para jazigo, por exemplo. Na pesquisa de 2008-2009, as famílias destinavam 5,8% do orçamento familiar mensal para esse fim.

A capacidade de investimento das famílias diminuiu, confirmou André Martins, gerente da POF no IBGE.

"Pode ser a crise, as famílias estariam adquirindo menos e pagando mais dívidas", disse André Martins, gerente da POF no IBGE. "Se você gasta muito dinheiro com a manutenção, sobra pouco espaço para fazer investimento", completou.

Quase um quinto do que as famílias consumiam não envolvia pagamento com recursos financeiros. As despesas monetárias - aquelas realizadas mediante pagamento em dinheiro, cheque ou cartão de débito ou crédito - representavam 81,9% do total consumido pelas famílias, enquanto os outros 18,1% eram despesas não monetárias, ou seja, provenientes de produção própria, retiradas do negócio, troca, doação e outras formas de obtenção que não envolveram pagamentos monetários.

"O consumo dos brasileiros é acima do gasto monetário. Tem uma parte do consumo do brasileiro que sai do próprio bolso, outra parte que não. Que se dá por bens, por serviços, que são dados para ele pela família, pelo governo", explicou Leonardo Vieira, analista da POF no IBGE.

As despesas não monetárias foram mais relevantes nas áreas rurais, colaborando com uma fatia de 22,5% do orçamento mensal das famílias, contra uma participação de 17,7% da despesa das famílias de áreas urbanas.

Mais gastos com habitação, saúde e educação

Na última década, aumentaram os gastos com habitação, saúde e educação. A fatia de recursos destinada a transporte e alimentação encolheu.

As despesas com habitação consumiram a maior proporção da cesta de consumo das famílias, 36,6%, ainda mais do que absorviam de recursos na POF anterior, referente a 2008-2009, quando essa participação era de 35,9%. Também aumentou a destinação de recursos para Assistência à saúde (de uma fatia de 7,2% para 8 0%) e Educação (de 3,0% para 4,7%).

Embora ambos tenham diminuído, os gastos das famílias com transporte superaram os de alimentação pela primeira vez nas pesquisas de orçamentos familiares.

A fatia de recursos destinada ao transporte passou de 19,6% em 2008-2009 para 18,1% em 2017-2018. Já a porcentagem destinada à alimentação saiu de 19,8% para 17,5% no período.

"Na medida em que a renda vai aumentando, a despesa com alimentação vai diminuindo a participação. Se você ganhar o dobro vai gastar o dobro com alimentação? Não. Vai gastar em outras coisas", exemplificou o analista da POF no IBGE Leonardo Vieira.

Para o gerente da POF no IBGE, André Martins, as famílias também podem ter substituído itens de maior valor por outros mais baratos, diminuindo esse tipo de despesa. "Na alimentação você consegue fazer substituição, trocar um alimente por outro. No transporte, não", opinou Martins.

Comer fora de casa tem sido uma opção para cada vez mais pessoas, segundo o IBGE. Do total das despesas das famílias com alimentação, quase um terço (32,8%) foi para refeições fora do domicílio.

Na comparação com os dados da pesquisa anterior, realizada entre 2008 e 2009, o Instituto destaca que chama atenção o aumento da alimentação fora do domicílio da área rural, que pulou de 13,1% para 24%, ao passo que na área urbana ficou estável, por volta de 33%.

As mudanças nos hábitos de consumo das famílias brasileiras captadas pela POF servirão de parâmetro para recalcular o peso dos itens pesquisados pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação oficial no País.

O IBGE divulgará na próxima sexta-feira, dia 11, a nota técnica com as futuras mudanças no cálculo do IPCA. A inflação passará a ser calculada sob a nova metodologia apenas em janeiro do ano que vem, com divulgação prevista para o início de fevereiro.

"Para ponderações para o IPCA, (os pesquisadores) usam um subconjunto de dados, só os gastos monetários, e só de um grupo determinado de faixa de rendimento", ressaltou André Martins.

O valor médio das despesas de consumo realizadas pelas famílias que moram em área rural foi de R$ 2.158,83 em 2017-2018, o equivalente a 53,7% do gasto médio das famílias habitantes de regiões urbanas, de R$ 4.020,98.

A proporção de gastos com alimentação foi maior entre a população rural (23,8%) do que entre a urbana (16,9%). O mesmo ocorreu também com as despesas de transporte, responsáveis por 20% do total do consumo na em lares da região rural contra uma fatia de 17,9% na área urbana.

Os gastos com educação, por sua vez, foram mais expressivos em residências urbanas (4,9%) do que nas rurais (2,3%). E os gastos com habitação abocanharam uma fatia maior das despesas das famílias urbanas (37,1%) do que das que moram na zona rural (30 9%).

Mais pobres

O comportamento do orçamento doméstico muda de acordo com a classe de rendimento das famílias.

Famílias com rendimento de até dois salários mínimos (R$ 1.908) gastam mais com alimentação e habitação em comparação àquelas com rendimentos superiores a 25 salários mínimos (R$ 23.850).

Os dois grupos somados representam 61,2% das despesas das famílias com menores rendimentos. Nesse grupo maior, 22% é gasto com alimentação e 39,2% com habitação.

Para as famílias de rendimento mais alto, 7,6% do orçamento é direcionado a gastos com alimentação e 22,6% com habitação.

A pesquisa do IBGE detalha que as famílias mais ricas gastam mais do que o triplo do total das famílias com alimentação: R$ 2.061,34 ante R$ 658,23 na média mensal. Em relação aos grupos mais pobres, cujo gasto mensal médio foi de R$ 328,74 no ano passado, esse valor sobe mais de seis vezes. 

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