Palácio do Planalto: ala política do governo avalia que agenda de Haddad não será suficiente para zerar o déficit público (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Repórter especial de Macroeconomia
Publicado em 19 de janeiro de 2024 às 08h20.
Última atualização em 19 de janeiro de 2024 às 08h21.
Nos bastidores do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a discussão não é se a meta fiscal de zerar o déficit público em 2024 será alterada. Técnicos da ala política e da equipe econômica afirmaram à EXAME que o debate interno é quando essa mudança deve ser anunciada, como será comunicada à sociedade e ao mercado, além do valor em que as despesas ultrapassarão as receitas.
As discussões iniciais partem de uma previsão de déficit de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB), que poderia chegar a até 0,75% da geração de riquezas no país, com base na banda prevista no novo arcabouço fiscal. A decisão final caberá ao presidente da República e depende do envio ao Congresso de projeto para alterar a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).
Essa discussão voltou a ganhar força no governo após o Tribunal de Contas da União (TCU) estimar, na quarta-feira, 17, um rombo nas contas públicas de até R$ 55,3 bilhões. Segundo o relatório do órgão de controle, a receita está “superestimada”.
“No Projeto de Lei Orçamentária Anual da União para o exercício financeiro de 2024, a estimativa da Receita Primária Federal Líquida em 19,2% do PIB é muito acima do que foi observado nos anos recentes, indicando estar superestimada, o que acarreta a possibilidade de se ter déficit primário de até R$ 55,3 bilhões e de descumprimento da meta de resultado fiscal proposta no Projeto de LDO para 2024″, apontou o TCU.
Na ala política, a avaliação é a de que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem feito um grande esforço para perseguir a meta de zerar o déficit com medidas para aumentar a arrecadação federal.
Entretanto, os mesmos técnicos governistas afirmaram que não será possível zerar o déficit público mesmo com o conjunto de medidas aprovado pelo Congresso no ano passado para garantir R$ 168,5 bilhões em recursos extras em 2024 e com uma eventual reoneração da folha de pagamentos -- em negociação entre Executivo e Legislativo.
Como os parlamentares não têm sinalizado disposição em reduzir as renúncias ficais -- que chegam a 6% do PIB, segundo a Fazenda -- as alternativas na mesa são cortar as despesas e aumentar a carga tributária. E nenhuma dessas possibilidades está em cogitação no momento.
A necessidade de alterar a meta fiscal vai ao encontro dos planos de Lula de garantir recursos públicos para realização de obras, pagamento de emendas e para bancar os programas sociais. Lula planeja eleger o maior número de prefeitos do PT ou de partidos aliados para enfraquecer e desarticular o bolsonarismo.
E, para cumprir esse objetivo, o presidente sabe que precisará irrigar financeiramente as bases eleitorais.
Mesmo ciente do debate interno no governo, no Ministério da Fazenda a ordem é concentrar esforços para perseguir o objetivo aprovado no orçamento de 2024.
Segundo técnicos da pasta, Haddad afirmou nesta quinta-feira, 18, em reunião com auxiliares, que mantém a meta de zerar o déficit público. O chefe da equipe econômica sempre sinalizou que a meta era ambiciosa e que há um compromisso do governo com o objetivo de reduzir a trajetória de crescimento do endividamento público. O ministro, porém, sabe que a decisão final sobre o tema é do presidente Lula.
Segundo técnicos da Fazenda, manter o compromisso com o equilíbrio das contas públicas é essencial para que o mercado continue a apoiar a agenda econômica do governo voltada para o equilíbrio das contas públicas.
Qualquer sinalização contrária e mal comunicada que indique elevação dos gastos do governo, avaliam assessores de Haddad, reverberará negativamente entre os agentes econômicos. Na prática, essa reação pode se manifestar no preço do dólar, no valor das ações negociadas em bolsa e nas expectativas de inflação.
Investidores têm acompanhado com lupa todo o debate sobre a mudança da meta fiscal e as consequências para a economia brasileira.
Em conversas com a EXAME, dois executivos de hedge funds estrangeiros com grandes posições no Brasil alertaram que a mudança da meta fiscal pode ter impacto direto nas expectativas de inflação. Na prática, alterar o objetivo significa mais gasto público, o que pressiona o aumento de preços.
Os dois afirmaram que a economia tem sinalizado resultados positivos recentes em setores como o varejo ampliado, que cresceu 1,3% em novembro. Entretanto, o nível de atividade econômica não tem se traduzido em aumento de arrecadação para o governo, diante das desonerações fiscais que beneficiam vários setores.
Por outro lado, apontam, a inflação recente tem apresentado resultados ruins, com pressões em serviços e risco de encarecimento no preço dos alimentos, diante dos riscos climáticos decorrentes do El Niño.
“Haddad está em uma situação delicada. O governo não está arrecadando, mesmo com o aumento nas vendas. O resultado positivo do varejo reforça o sinal de que o Banco Central não precisa acelerar o ritmo de queda de juros. Mas o PT pode pressionar o BC para cortar juros para tentar estimular a atividade e uma mudança de meta é pior nesse contexto”, disse um executivo reservadamente. "O risco é de que a alteração da meta afete as expectativas de inflação e isso pode paralisar o ciclo de corte de juros."
A dúvida entre os investidores é como a mudança da meta será comunicada pelo governo. Os próximos capítulos desse debate influenciarão a economia na próxima década.