Carlos Vieira: o presidente da Caixa também defende que o consumo e a oferta de crédito impulsionarão o crescimento econômico (Germano Luders/Exame)
Publicado em 16 de novembro de 2023 às 06h05.
O presidente da Caixa, Carlos Vieira, afirmou, em entrevista exclusiva à EXAME, que lançará uma nova linha de crédito para o consumo, com foco no público de baixa renda, em até 20 dias. Segundo ele, a ideia é que a análise do cliente para a oferta do financiamento seja feita por meio do behavior score. Essa metodologia considera não só o nome limpo do cliente nos birôs de crédito, mas o histórico de bom pagador de contas de água, luz, telefone e outras despesas.
“Não seria um microcrédito. Seria acesso ao crédito, baseado em behavior. O grande sucesso de alguns varejistas no Brasil se deu nesse processo. O que o cidadão de baixa renda mais preza é o seu cadastro. É ter o nome limpo. Ele vai poder comprar o que ele quiser”, disse.
Vieira aposta que essa estratégia também ajudará a Caixa a aumentar a base de clientes considerados fiéis. Atualmente, o banco público tem 150 milhões de clientes, mas somente 20% (30 milhões) são fidelizados.
O estímulo ao consumo e a oferta de crédito, afirmou Vieira, são fundamentais para o crescimento econômico. Segundo ele, essa é a visão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e também partilhada por ele.
“O presidente Lula tem uma forma de se comunicar com a sociedade que é muito própria. Eu sempre falo que a equação do crescimento macroeconômico se baseia no conceito de consumo mais investimento. Ou você induz o crescimento do PIB via consumo ou via investimento. Ou os dois juntos", afirma. "O que o presidente Lula fala é que é necessário trazer mais gente para o mundo do consumo. A relação entre crédito e PIB no Brasil caiu em um passado recente. Temos um universo para crescer."
Indicado para a presidência da Caixa pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), Viera afirma que é necessário diálogo constante entre os três Poderes. Segundo ele, o Legislativo recuperou protagonismo no debate político e tem contribuído para o desenvolvimento do país.
“Trouxemos a discussão da relação política para um ambiente em que os Poderes precisam dialogar. Cada um tem sua ferramenta de barganha. O Legislativo tem a sua, o Executivo tem a sua. Mas o Brasil tem que ganhar com isso. Não são as pessoas que têm que ganhar. Eu acho que o grande aspecto é esse. Se a sociedade ganha com um processo desse, muito legal. Eu acho que tem que ser feito um reconhecimento ao Legislativo atual no Brasil, porque ele retomou protagonismos que há 30 anos não aconteciam”, disse.
Como o senhor vai atingir, de maneira prática, os três objetivos estabelecidos para a sua gestão que são o desenvolvimento de pessoas, os resultados e a melhoria de processos?
O processo da educação corporativa é fundamental. Quando você agrega valores do ponto de vista de educação corporativa aumenta todo o acervo, a disposição do colega que está lá no dia a dia, atendendo, liderando equipes. Procurei saber qual era o absenteísmo que nós tínhamos na empresa, quantas pessoas estavam ausentes e quais os motivos da ausência. Nós temos que cuidar disso, cuidar das pessoas, da saúde delas, do bem-estar delas, para que elas trabalhem em um lugar feliz. Esse é o primeiro aspecto.
E quantas pessoas estão ausentes?
Em torno de 3,6% do nosso quadro está em absenteísmo (a Caixa possui 87 mil empregados). Não é um quadro dos mais preocupantes. Mas quanto menor o absenteísmo, melhor. O absenteísmo em torno de 2% ou 1,5% é um número ideal. O segundo aspecto é a capacitação. Nós perdemos o timing na Caixa e temos que recuperar o processo de educação corporativa. Sucatearam a nossa universidade corporativa e temos que recuperar isso. Uma das minhas origens na Caixa é a educação. Fui instrutor da empresa durante muitos anos, formador de gerentes. Isso é uma preocupação que eu tenho. Primeiro com o bem-estar e segundo com a capacitação das pessoas. Em relação às pessoas é esse o aspecto.
E em relação aos resultados?
Eu acho que do ponto de vista dos resultados, construídos, recorrentes, com a capacidade que nós temos de avançar em produtos bancários traremos um novo patamar para a Caixa. Não precisa a gente ter as melhores taxas, as maiores taxas, as maiores margens, mas nós precisamos ter margens compatíveis com a atividade. A Caixa tem que estar sempre no primeiro quartil de qualquer que seja análise que seja feita. Esse é o principal ponto em relação à construção de resultados. E aí o resultado da Caixa é distribuído de uma forma diferente dos bancos. De uma maneira geral, bancos de capital aberto levam o seu resultado para os acionistas. No nosso caso, a gente transfere esse resultado na forma de benefício social, seja pagando dividendos ao governo, ajudando, inclusive, na meta fiscal, quando eu devolvo recursos para o governo.
E os processos?
Em relação a processo, tem que mudar muita coisa. Nós temos um orçamento de tecnologia que não é usado na sua integralidade.
Qual o valor desse orçamento?
Esse ano é em torno de R$ 8 bilhões. Nós vamos atingir R$ 6 bilhões. Até foi bom número, mas a gente precisa estimular esse aspecto da mudança de processo pela tecnologia. E o outro aspecto de processo é a agilização dos nossos processos. Para isso nós estamos com toda uma construção de trazer fintechs para próximo da Caixa. Nós já observamos que no mercado existem empresas com atividades similares ao que a Caixa faz, com o processo muito mais rápido do que nós fazemos.
O senhor pode citar um exemplo?
Na habitação. Nós temos fintechs atuando aqui em São Paulo junto à moradia popular, com um sistema totalmente digital, moderno e nós estamos querendo convidar essas fintechs para fazer parte de um hub que a gente quer criar. Essas fintechs vão entrar como parceiras nesse negócio. É a maneira de trazer um novo pensamento, uma nova economia para dentro da Caixa.
A ideia então é digitalizar todo esse processo de concessão do crédito habitacional?
A ideia é papel zero.
No uso de inteligência artificial, ter a posse dos dados é uma vantagem competitiva?
Sem dúvida. Eu acho que a Caixa tem uma característica muito interessante. Se você quiser fazer qualquer pesquisa sociológica no Brasil, basta pegar um tamborete e colocar na porta de uma agência da Caixa. Todas as camadas da nossa população frequentam a Caixa. Temos que transformar isso em um potencial junto ao papel da Caixa, que é esse banco social.
A Caixa tem 150 milhões de clientes, mas quantos desses são clientes ativos?
Hoje, dessa base - olha que potencial -, nós temos em torno de 20% desses clientes extremamente fidelizados. São 30 milhões.
Todo trabalhador com carteira assinada tem relação com a Caixa, seja por meio do aplicativo do FGTS ou por meio do Caixa Tem. Além disso, muita gente acessa as loterias pelo celular para fazer apostas. Como fidelizar esses clientes?
Nós vamos criar dentro de algo semelhante ao que você citou, um mecanismo que as pessoas, em função da sua paixão, possam acessar e ser cotistas de alguns fundos que vamos criar. É o que posso falar, por enquanto.
A Caixa tem um público-alvo de 120 milhões de clientes que ainda não são fidelizados. Quantos desses o senhor quer como correntistas da Caixa?
100%.
O senhor tem uma meta?
Tudo na Caixa é grandioso. Quando é dado o direcionamento estratégico adequado, a construção é orgânica. Quando você chega para o corpo diretivo da Caixa, para os empregados da Caixa, e eles conseguem entender o significado daquilo que eles estão fazendo isso se torna orgânico. É um crescimento de natureza talvez exponencial. Eu não consigo precisar porque eu vou errar na metragem disso. Pode ser uma coisa muito grande e vai depender muito de como o nosso colega que está lá na ponta, de como ele vai entender essa mensagem. Se nós olharmos, por exemplo, o crédito imobiliário, nós fazemos 2.700 operações por dia. Tudo isso é muito grande.
Quais as áreas prioritárias que o senhor quer atuar? Infraestrutura, habitação, crédito para as famílias?
Nós vamos construir um fundo de investimento para captar recursos estruturando com grandes assets brasileiras e estrangeiras para contribuir com o processo de infraestrutura do país. Esse é um objetivo nosso, é factível, é possível. Nós vamos trazer algo similar ao FI-FGTS, mas com uma outra governança, trazendo o investidor privado para dentro dessa participação, porque aí você aumenta a governança.
Qual será o volume de recursos desse fundo?
Nós não chegamos ao tamanho ainda, mas esse fundo vai ser muito importante.
Mas esse fundo terá recursos em patamar semelhante ao FI-FGTS, de mais de R$ 20 bilhões?
Acho que o FI-FGTS pode ficar pequeno. Depende do apetite do mercado. O mercado trabalha olhando para o que se trata e para a oportunidade por trás desse fundo. Existem vários fundos de pensão no mundo querendo que o seu capital tenha uma rentabilidade compatível com o que eles prometem em meta atuarial e tudo mais. O único problema que a gente tem que ver é uma questão cambial, para mitigar riscos. O Brasil continua sendo uma grande oportunidade para investir em infraestrutura. E não existe nada mais que compatível para fundos de pensão do que investir em infraestrutura.
Esse fundo financiaria obras ferroviárias, por exemplo?
Não só obras ferroviárias. Obras de saneamento, de mobilidade urbana, por exemplo.
O senhor pretende que esse fundo comece a operar e faça captação de recursos em 2024?
Sim.
A queda da Selic reduzirá os juros do financiamento habitacional da Caixa?
Com certeza. Existe uma correlação entre a queda da Selic e taxa de juros. E aí existe uma outra oportunidade de dar estímulo ao mercado secundário de recebíveis. Podemos pegar parte da carteira que nós temos e levar para a construção de fundos de renda fixa. O mundo ideal seria a Selic chegar a 8%, mas com a taxa em torno de 10% já dá para a gente trabalhar na construção desses fundos. Com isso é possível gerar a atratividade dos fundos de renda fixa com cotistas que tenham interesse nesse perfil de aplicação e garantam sua renda. Isso eu fiz no passado. Coincidentemente, a primeira aplicação em CRI da Caixa, eu estava lá, foram R$ 500 milhões e eu estava na área de crédito imobiliário quando isso aconteceu.
Existe uma revisão conceitual no mercado sobre o que é um banco. O senhor pretende fazer esse debate? A Caixa é um banco?
O autor Brett King, que escreveu o livro Bank 4.0, afirma que banco será qualquer coisa. Hoje, a Magazine Luiza é um banco. Se a gente não perceber, principalmente os bancos chamados de incumbentes, eles vão ficar para trás. Essa percepção de modernidade, o banco tem que estar em todo lugar. É o banco da palma na mão, é o banco no posto de gasolina, é o banco no supermercado, é o banco na lotérica, é o banco de qualquer desses ambientes. A Caixa foi pioneira na criação dos correspondentes bancários no mundo analógico. O que a gente quer fazer agora é trazer esse protagonismo da Caixa no mundo digital.
E como ser esse banco moderno e abrir agências?
O Brasil é muito grande. O Brasil é uma coisa imensa. Você tem uma pessoa que está no Norte e é atendido por uma agência barco que a Caixa tem. Muitas pessoas ainda estão nos diversos recantos desse país sem nenhuma agência bancária. A gente vai priorizar a abertura dessas agências nesses pontos. E aí vem uma outra coisa, que é ter que sair do modelo cartesiano de avaliação de agência. Podemos até ter agências que deem resultados negativos, mas têm que ser compensadas pela agência na Avenida Paulista. É o subsídio cruzado.
O senhor é favorável em limitar as compras parceladas sem juros no cartão de crédito?
Temos que olhar com carinho esse assunto. Umas das maiores margens do segmento está no parcelado. Quando se constrói uma solução, alguém tem que quer abrir mão de um lado ou outro também para construir a solução. Temos que estar alinhados. Nós temos uma discussão aí entre os papéis dos bancos e das instituições de pagamento. Essa discussão precisa ser ampliada. Se a conta precisa ser dividida, tem que ser dividida por todos.
O senhor é a favor de que se chegue a um consenso, com alguma limitação no número de parcelas?
As soluções estão sendo construídas. A lei está aí, tem que ser cumprida e isso não se discute. Agora, internamente, o sistema tem que discutir, entre si. A sociedade tem que ganhar com isso.
O presidente Lula tem falado muito sobre os bancos públicos como promotores de política pública. No passado recente o direcionamento dos bancos públicos pelo governo do PT foi questionado. Como o senhor avalia o papel dos bancos públicos nesse governo?
O presidente Lula tem uma forma de se comunicar com a sociedade que é muito própria. Eu sempre falo que a equação do crescimento macroeconômico se baseia no conceito de consumo mais investimento. Ou você induz o crescimento do PIB via consumo ou via investimento. Ou os dois juntos. O que o presidente Lula fala é que é necessário trazer mais gente para o mundo do consumo. A relação entre crédito e PIB no Brasil caiu em um passado recente. Temos um universo para crescer. Economias na América Latina nos superam. No Chile, essa relação supera os 80%. Temos uma margem para crescer no Brasil. Quando o presidente Lula diz que os bancos são indutores disso, é porque ele já fez isso acontecer em 2008, em um processo anticíclico que os bancos públicos tiveram um papel fundamental. E provou-se que aquela coisa, de sair do modelo cartesiano de Milton Friedman [economista norte-americano], fez com que a coisa funcionasse no Brasil. Nós estamos estudando alguns produtos novos para a baixa renda que serão importantes nesse processo.
Isso tem relação com oferta de microcrédito?
Não seria um microcrédito. Seria acesso ao crédito, baseado em behavior. O grande sucesso de alguns varejistas no Brasil se deu nesse processo. O que o cidadão de baixa renda mais preza é o seu cadastro. É ter o nome limpo. Ele vai poder comprar o que ele quiser.
A ideia do senhor é criar produtos para a população de baixa renda poder consumir, comprar geladeira e fogão?
Sim. Ele vai poder comprar o que ele quiser.
O desenho desse programa já está pronto?
Sim, mas eu não posso divulgar isso agora.
E esse produto pode ser a porta de entrada para esse cliente se tornar um cliente fidelizado na Caixa?
Sim.
O senhor tem uma data para anunciar todos esses programas?
Em até 20 dias vamos anunciar tudo isso.
O senhor chega à Caixa em meio a um forte debate político sobre a sua indicação. Como será a sua gestão?
O trabalho e a entrega falam por si só. A única coisa que eu faço é trabalhar. Essas questões são importantes. Trouxemos a discussão da relação política para um ambiente em que os Poderes precisam dialogar. Cada um tem sua ferramenta de barganha. O Legislativo tem a sua, o Executivo tem a sua. Mas o Brasil tem que ganhar com isso. Não são as pessoas que tem que ganhar. Eu acho que o grande aspecto é esse. Se a sociedade ganha com um processo desse, muito legal. Eu acho que tem que ser feito um reconhecimento ao Legislativo atual no Brasil, porque ele retomou protagonismos que há 30 anos não acontecia.