Economia

EUA terá maior alta de juros em décadas, diz economista-chefe do Citi

Em entrevista, Leonardo Porto, diz que ambiente de juros mais elevados prejudica os países emergentes, como o Brasil, porque estimula a saída de capitais e aumenta a cotação do dólar

Jerome Powell, presidente do Fed, concederá entrevista coletiva nesta quarta-feira, dia 26, às 16h30 | Foto: Bloomberg (./Bloomberg)

Jerome Powell, presidente do Fed, concederá entrevista coletiva nesta quarta-feira, dia 26, às 16h30 | Foto: Bloomberg (./Bloomberg)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 2 de maio de 2022 às 09h25.

Última atualização em 2 de maio de 2022 às 09h34.

A expectativa de uma alta mais forte da taxa de juros nos EUA contaminou os mercados financeiros na semana passada, o que fez a Bolsa cair e o dólar voltar a um patamar próximo de R$ 5. Essa visão será colocada à prova nesta semana. Tanto o banco central dos EUA (o Federal Reserve ou Fed) quanto o Banco Central do Brasil têm reuniões de política monetária para decidir o novo nível das taxas de juros. Segundo o economista-chefe do Citi Brasil, Leonardo Porto, esse ambiente de juros mais elevados prejudica os países emergentes, como o Brasil, porque estimula a saída de capitais e aumenta a cotação do dólar. É uma situação que dificulta o crescimento da economia, já combalida. "A gente está indo para um ciclo de aperto monetário nos EUA que a gente nunca viu nas últimas décadas", afirma Porto na entrevista a seguir.

Em relatório recente, o Citi fez um alerta sobre a inflação global, dizendo que há um risco de uma espiral de preços. Por que essa preocupação tão forte?

A gente tem visto uma confluência de fatores que está inflamando os preços no mundo todo. E não parece que isso vai se dissipar no curto prazo. O primeiro são os problemas nas cadeias de fornecimento, que têm se escalado a cada momento. A questão da China e os novos lockdowns são outro. Em paralelo, a gente está vendo o preço das commodities batendo recordes. Para completar, nos países emergentes, como o Brasil, a inflação corrente, que está muito alta. O meu ponto é: esse processo inflacionário mundial pode ser mais persistente.

Como isso se aplica no caso brasileiro?

O Brasil tem um quadro de inflação extremamente elevada, mas a gente acredita que está próximo do pico, que deve ser por volta de abril, próxima dos 12% em 12 meses. O problema é que a distância é muito grande entre os 12% e os 3,5%, da meta de inflação. Neste ano, não vai dar nem para chegar ao teto. A previsão é de que fique em 7,8%. Para o ano que vem, a gente acha que fica acima do centro da meta, mas dentro da banda, em 3 9%. Isso porque o BC tem dado sinais de que já fez um serviço grande, e de que quer parar para observar. A gente acha que a Selic sobe na próxima reunião em 1 ponto porcentual, e mais 0,5 ponto em junho, chegando a 13,25%. Nas nossas contas, a Selic a 13,25% não vai ser suficiente para jogar a inflação no centro da meta em 2023.

Por que não?

Porque o Brasil está com uma inflação muito elevada e existe um componente inercial. Quanto mais alta a inflação, e quanto mais tempo ela fica alta, maior o risco de ela contaminar a expectativa de inflação, tornando o processo inflacionário mais rígido. A gente entende o BC. O que ele já subiu de juro real não é pouco. O juro real está acima de 7%. É muita coisa.

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O cenário de inflação é mais preocupante no exterior do que no Brasil?

O Brasil está num estágio diferente. O Brasil enfrentou uma aceleração da inflação a partir do segundo semestre de 2020. A visão é de que o BC já fez o serviço, e daqui para frente o Fed, banco central americano, vai ter de fazer muito mais. Nosso time de Estados Unidos acha que o Fed vai ter de subir os juros em 0 5 ponto porcentual nas próximas quatro reuniões e depois 0,25 ponto até o fim do ano e vai continuar subindo a taxa de juros até superar os 3,75% no final do ano que vem. É um longo caminho ainda. Aqui no Brasil estamos falando de mais duas altas. O grande ponto de incerteza é a dinâmica do câmbio.

Por que o câmbio?

A gente está com uma visão de que o dólar fecha o ano em R$ 5,19 porque o ambiente global para países emergentes vai se deteriorar. A gente está indo para um ciclo de aperto monetário nos EUA que a gente nunca viu nas últimas décadas. Isso já provoca um aumento importante nas taxas de juros internacionais. O melhor exemplo são as Treasuries (títulos do Tesouro americano) de dois anos. Elas estão hoje com um juros por volta de 2,70%, e que era de 0,70% no fim do ano passado. Foram quase 2 pontos porcentuais de alta num intervalo de quatro meses. Isso não é pouco. Quando tem um aumento tão intenso, começa a ter um risco de valorização do dólar frente a outras moedas, porque os capitais fluem para os EUA. Isso já está acontecendo, e o ajuste na taxa de câmbio é muito rápido. Nos últimos dias, o dólar já voltou para perto de R$ 5. Esse ajuste pode contaminar as commodities, que são cotadas em dólar. E o nível de aversão ao risco fica mais elevado nos mercados. Os investidores ficam mais avessos a colocar recursos em países mais arriscados.

Nesse ambiente, o que esperar para a economia?

A gente prevê um crescimento de 0,1%, pouco acima de zero. Não é um dado promissor, mas é melhor do que a gente previa antes (-0 3%). O ponto é que o aumento dos juros tem um custo na atividade. Para trazer a inflação para a meta, existe uma taxa de sacrifício. Esse sacrifício é um crescimento menor temporariamente. A gente deve ter de pagar esta taxa de sacrifício neste ano.

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