Jovens milionários (Thinkstock/Thinkstock)
João Pedro Caleiro
Publicado em 25 de junho de 2017 às 08h00.
Última atualização em 25 de junho de 2017 às 08h00.
São Paulo – Dois grandes vazamentos nos últimos anos deram a oportunidade de vislumbrar uma das facetas mais ocultas do sistema financeiro internacional.
O primeiro (Swissleaks, em 2015) revelou os nomes e valores de 30 mil cientes da filial do banco HSBC na Suíça em 2006 e 2007.
Se a conta não tiver sido reportada nos países de origem, como não foi na maior parte dos casos, isso significa que houve evasão fiscal.
O segundo vazamento (Panama Papers, 2016) foi de documentos da Mossack Fonseca, um escritório de advocacia panamenho, revelando os verdadeiros donos de 214 mil sociedades anônimas registradas ao longo de 40 décadas. Nesse caso, não há valor reportado.
Os vazamentos serviram de base para um estudo de Annette Alstadsæter (Norwegian University of Life Sciences), Niels Johannesen (Universidade de Copenhagen) e Gabriel Zucman (Universidade de Berkeley).
Os dados foram combinados com auditorias aleatórias e registros nacionais de riqueza extremamente abrangentes (o que é raro) de três países: Noruega, Suécia e Dinamarca.
“Os vários bancos de dados usados neste artigo todos pintam o mesmo quadro: a probabilidade de esconder ativos sobe de forma muito aguda com a riqueza, incluindo os grupos lá no topo", diz o estudo.
Uma das razões é que para os bancos, faz sentido focar nos mais ricos dos ricos, porque traz mais dinheiro com um número menor de clientes (e menor chance de embaraços como vazamentos)
Exemplo: a evasão fiscal é de 3% dos impostos pessoais na Escandinávia como um todo. Mas entre os 0,01% mais ricos, aqueles com patrimônio acima de US$ 40 milhões, a taxa chega a 30%.
Toda essa riqueza escondida também significa que a desigualdade é provavelmente ainda mais alta do que o registrado.
Um dos argumentos do estudo é que auditorias aleatórias superestimam os níveis de sonegação das classes mais baixas porque não tem uma amostra suficientemente ampla entre os mais ricos e não conseguem capturar esquemas mais sofisticados.
Zucman diz que adoraria fazer um estudo similar com o Brasil e que os dados já existem, notando que havia 8 mil clientes brasileiros registrados no HSBC suíço em 2007.
“Levar essa riqueza em conta, assim como a riqueza guardada em outros bancos e paraísos fiscais, aumentaria as estimativas oficiais de desigualdade de forma muito significativa – provavelmente muito mais do que na Escandinávia”, diz em e-mail para EXAME.com.
No seu livro “The Hidden Wealth Of Nations” (“A Riqueza Escondida Das Nações”, em tradução livre), ele estimou que cerca que 8% da riqueza financeira do mundo está escondida em paraísos fiscais.
O cerco a estes territórios avançou recentemente com mecanismos que compartilham automaticamente informações bancárias com as autoridades tributárias dos países lesados. O que ainda falta, segundo Zucman, é um sistema rigoroso de punições:
“Estas são as mesmas pessoas que por décadas vêm escondendo seus clientes por trás de empresas fantasma, às vezes contrabandeando diamantes em tubos de pasta de dente e repassando relatórios bancários escondidos em revistas de esportes - tudo isso em violação da lei e das políticas dos próprios bancos. Se não encararem sanções duras o suficiente, alguns deles continuarão ajudando seus clientes a evadirem impostos", diz ele.